O signijicado pos-modei Guilherme Morquíor /Algum tempo atrás, um grande palhago alemao costumava representar ■ seguinte cena: ao descerrar-se a cortina, o palco aparecia imerso em total escuridäo, com excepcäo de um ponto, clareado pela luz de um hmpiäo de rua. O palhacp, com uma cara pateticamente preocupada, dá várías voltas em torno děste pequeno círculo de luz, procurando isioi a mentě alguma coisa no cháo. De repente aparece um guarda e imfoga: , para que a literatura flartasse com a repulsa ä modernidade; e, mesmo assim, mais de um entre eles — notadamente Shaw e Wells — chegaria a apoiar o meliorismo social, em vez de rejeitar cegamente, toto caelo, a civilizagao industrial. Compare-se este quadro com a média da visäo do mundo do modernismo, no início do século XX. Indubitavelmente, os modernistas de 1920 negaram sem escrúpulos toda legitimidade ao progresso, tanto social quanto cultural. A consequôncia foi que, por volta de 1930, a f im de reesposar a ideológia do progresso, um neomodernista como Auden náo podia deixar de se sentir consideravelmente alienado — pelo menos em espírito — oo modemismo. Precisamente porque a ideologia literária inglesa13 náo havia, no século XIX, abragado a férvida burguesofobia dos romSn-ticos alemäes ou dos simbolistas franceses, a sua viragem modernista se nos apresenta de maneíra ainda mais viva como uma luta entre o modemismo e a modernidade. Tudo bem pesado, Trilling estava certo: o moderní srno fez a polí-tka da recusa cultural ä outrance. Porém, acentuar a intensidade da recusa cultural modernista ainda nao é a história toda. Paralelamente, correu por muito tempo, nas letras pos-clássicas, um veio de salvacio-nismo. Com isto, naturalmente, näo me refiro á briosa instituicao do Major Barbara, mas antes aquela ilusao soteriológica que levou tantos grandes autores desde o Romantisme* a eserever e agir como profetas ultraconvictos, tangendo a humanidade filistina e pecadora para a gloria de uma indesejada mas necessaríssima salvagao moral. Quem nao Iem-bra a eloquéncia com que o primeiro guru entre os críticos literários doubles de moralistas, Samuel Taylor Coleridge (sob a égide de cujas ideias este Colégio foi sabidamente fundado), fez sua apologia da missao dos íntelectuais humanistas em meio ao utilitarismo do mundo industrial? Pois bem: os mentores literários da segunda metade do século passado nao perderam tempo em converter a orientacao educacional da clerisy de Coleridge numa verdadeira direecáo estética — mas nos erraríamos se subiinhássemos o estética em vez do dlreccao. Para homens como Matthew Arnold, por exemplo, nao era mais suficiente a humanidade aprender poesia — ela devia aprender da poesia... Nisso, como em tantas outras instáncias, a libido dominandi dos humanistas comeca a mostrar as garras. Uma «critica da vida» declarada ambi-cionava virar controle do comportamento. Desde entao, e até o moder-nismo, os sumos sacerdotes literários sempře se mostrariam desejosos de desdobrar sua recusa cultural em nada menos que um complemento soteriológico autoritário — uma verdadeira politics de redencäo. Como guardiaes naturais de uma cultura verbalista, essencialista e tribalista, crescentemente fóra do seu elemento ante o crescimento da ciěncia e a debilitagao das formas tradicionais de vida e hierarquizacSo social,4, os literatos humanistas trataram o «materiaiismo» de seu tempo com o maior desprezo, escarnecendo a razao cientřfica e anate-matizando a «sociedade de massa». E, com a mesma veeméncia, nunca cessaram de concitar a humanidade a uma peregrinacao rumo á terra redentora dos valores espirituais, com cada um deles — desde Hugo a Dostoievski e de Mallarmé a Stefan George — no papel de Moisés. Na verdade, o salvacionismo das mensagens literárias coincidiu sempře com uma mal disfarcada tendéncia para fantasias grafoeráticas — so-nhos de uma dominaclo dos literatos. Em contrapartida, o que estes só de raro em raro fizeram foi dedicar uma pausa a consideracáo da hipótese de que a pobre humanidade «filistina» tivesse, gragas a idade do «materiaiismo», alcangado níveis de riqueza, saúde, bem-estar e felicidade nunca antes atingidos, pelo menos em escala significativa. Pois a humanidade estava deveras sendo salva, pela primeira vez: salva da pobreza maciga, da doenca universal, enfim, de todas as dores e tormentos inerentes ěquilo que Marx tao acuradamente chamou «idiotice da vida rural* — e todavia, para os literatos humanistas, essa salvagao nao signifícava quase nada. Nao se tratava, a rigor, de uma redencao apoiada nos próprios valores e ideais que haviam «deserdado» a velha consciénda humanística? Claro que sim — «and after such knowledge, what forgiveness?*... Nao obstante, se de facto asslm foi, como explicar que, em média, os escritores modernistas soem frequentemente tao menos «proféticos» do que sábios vitorianos como Tolstoi, ou outsiders «maudits» como Rimbaud? Suspeito que a razao disso tern duas faces. Primeiro, o mo-dernismo, politica da recusa ou nao, empreendeu uma vasta dessacra-lizacao da arte. Presos á ética do trabalho do velho codigo moral bur-gués, os escritores vitorianos ainda tratavam a Arte como um culto obrigatório e a obra de arte como um fetiche. Os modernos, por outro lado, viam na arte um jogo15, e na obra de arte um objecto «lúdico», ocasiao para infinitas experiéncias de forma e de sentido. A vontade de brincar e transformar — aquilo que Harry Levin chamou «ímpeto me-tamorfico» 16 — foi a marca registrada da arte moderna, de Picasso e Stravinsky a Gide, Kaváfis ou Roussel e, escusado dizé-lo, toda a legiao dos surrealistas. O santo protector dos modernos foi certamente Próteu — o deus da metamorfose incessante. Ao passo que a propria nocao de estética experimental tende a sabotar atitudes «cúlticas» em relagáo a obra de arte, a substituicao do «dever» pelo jogo na moral literária enfraqueceu consideravelmente, entre os modernos, a consisténcia da «politica da redencao*. Caracte-risticamente, onde o ánimo gnóstico da redengáb voou mais alto, como em Lawrence ou Hesse, o humor do jogo e do experimento tende a ser menos pronunciado. Inversamente, nas obras em que o lúdico é mais forte — em Mann ou Bulgakov, Musil ou Gombrowicz — o salvacio-nismo declarado prima pela auséncia. Desse modo, embora as várias seitas modernistas intensificassem, de forma inaudita, o papel de uma instituigao tipicamente «grafocrá-tica» — o movimento de vanguarda 17 —, desde o início, em muitos textos modernistas capitals, o lúdico sobrepujou o conteúdo gnóstico e o tom profético. O resultado foi um notável minguar da obsessao salvacionista inerente a tantas obras pós-clássicas. Obras-primas mo-dernas como The Waste Land ou A Consciénda de Zeno de Svevo ou, ainda, A Montanha Mágica vinham muitas vezeš embebidas num senso de apocalipse — embora notavelmente livres de ideias fixas redencio-nistas. «A arte existe para que nao perecamos face a Verdade*, disse Nietzsche. Os modernistas parecem ter tornado isto como um dos seus mandamentos sagrados — mas só conseguiram fazé-lo em detriment© de suas aspiracpes grafocráticas 18. Em segundo lugar — e imuito embora isso fosse mais verdadeiro do modernismo radical-do que de suas manifestagoes mais moderadas—, as obras da poética moderna eram obscuras de mais para que sua mensagem profética nao fosse posta em risco. A opacidade da semán-tica modernista, em todas as artes, foi amplamente constatada. Tanto críticos altamente favoráveis, como Walter Benjamin, ou hostis, como (no seu periodo marxista) Georg Lukács ou Hans Sedlmayr, enfatizam a cbnsubstancialidade entre 'modernismo e obscuridade. A tal ponto o significado modernista se nutre do que Adorno denominou cpartici-pacao nas trevas» (Methexis am Finsterens)1?, que a gente se sente tentada a vé-lo como uma espécie de sinistra versao semiótica do que vai descrito no Quarto Livro do Leviata: o Reino da Escuridao... £>e me pedis sem que caracterizasse brevemente o modernismo tar-dio, tal como o encontramos na obra de Beckett ou Borges, acho que responderia apontando duas coisas: a redugäo da obscuridade como feicao estilistica, ou quando nada semiótica, e a liquidagäo dos Ultimos vestígios da — com perdao da palavra — hybris gnóstica dos lite-ratos humanistas. Quem quer que duvide do primeiro ponto pode com-parar Borges a Kafka, é verdade que o maior poeta de lingua alema na ultima geragáo moderna foi Paul Celan, quase tao hermético quanto Mallarmé; e assim o é, embora nab ao nřvel propriamente verbal, esse romancista finissimo, Pierre Klossowski. Mas, como ínfluěncia geral, o neomodernismo como que se polarizou em torno dos dois bb: Borges e Beckett, para mim claramente menos esotéricos do que Kafka ou os surrealistas — nos quais Benjamin baseou sua notável defesa do ale-gorlsmo críptico na alta literatura moderna. Ninguém deixaria de dis-tinguir o carácter obviamente cerebral do fantastic© de Borges — her-deiro confesso das narratives policiais ou de mistério de Poe e Stevenson — do denso enigmatismo moral de Kafka. Kafka, e nao Borges, é o mestre supremo da «participagäo nas trevas». A seu lado, um exem-plo saliente de dificuldade verbal idiomática, o neomoderno Carlo Emilio Gadda, parece perfeitamente transparente ao nřvel do enredo e da «mensagem». Nessa mesma linha, comparemos o espírito de Esperando Godot ao da Metamorfose. Ao contrario da de Kafka, a versao beckettiana da «politica da recusa» é inteiramente negativa, total men to despida de conteúdo gnóstico. Submetendo todo o discurso ideológico a uma impie-dosa zombaria, Beckett Joga essa Ockam'razor, e a tábua rasa dela resultante, contra as próprias auto-imagens da arte moderna. Por con-seguinte, deveríamos considerar o interlúdio neomodernista como a vitória final do lúdico sobre o gnóstico na literatura contemporaries. Entre parenteses, noto que, nessa questao de obscuridade essencial (distinta da meramente verbal), o curso da evolugao literária brasileíra parece ter descrito um perfeito quiasmo relativamente ao caso europeu. Enquanto, na Europa, o modernismo se banhava numa semíose da escuridao, e o estilo neomodernista retornou á claridade, no Brasil, os grandes escritores modernos evitaram resolutamente a obscuridade-pa-dráo do modernismo radical. Caberia a mestres neomodernos como Guimaraes Rosa e Clarice Lispector comprometer as letras brasileiras com a «participagao nas trevas». O que prova quanto o modernismo braši lei ro foi sul generis. Mas é prefer řvel que regressemos ä cena oci-dental em seu conjunto, e ao nosso periodo focal, o pós-moderno. A meu ver, a literatura pos-moderna genuřna assinala um desen-gajamento ainda maior dos principals elementos da poética modernista: o mito da imagem romántica, a politica da recusa e redengao, e a «participagao nas trevas». A estratégia estilistica empregada pelos escritores pós-modernos como o polonés Slawomir Mrozek, o inglés Harold Pinter na sua fase iniciál (e melhor), o austríaco Peter Handke ou o brasileiro Rubem Fonseca parece ser uma nova marca de microrrealismo. Trata-se, em todo caso, de algo visivelmente distante daquele surrealismo alegórico que normalmente identificamos (com a a juda de Benjamin) como o rito geral, por assim dizer, do estilo modernista. A compará-lo com alguma coisa, esse estilo estaria bem mais proximo da tendéncia hiper--realista nas artes visuais pós-abstractas. Esse micro ou hiper-realismo é, talvez, a primeira grande carac-teristica da escrita pós-moderna. Uma outra seria o evidente eclipse da vanguarda como ethos Hterário — evolucao das mais saudáveis, já que as vanguardas actuais parecem ter trocado a criatividade da sua verve experimental de outrora por uma atitude «laboratorial» e antisséptica, obra de epřgonos que posam entediantemente de «descobridores» de Americas arquiconhecidas. Quanto ao ramo «seivagem» do circo de vanguarda, tao-pouco vai muito longe. «O terrorismo», escreveu Burckhardt, é «a raiva dos iiteratos no seu ultimo estagio». Que diria ele da nossa literatura «terrorista», produto de imitocöes a sangue-frio de raivas há longo tempo apagadas?... O que há de errado com os Burroughs desta vida nao é serem porta-vozes do inconformismo radical — é tao-somente (como J. K. Wing disse de Ivan Illich) o facto de eles exporem o inconformismo ao descrédito. Do mesmo modo, o que é irritante na poesia Black Mountain, ou no nouveau roman, nao é o seu carácter experimental—mas sim a circunstáncia de esses movimentos térem conver-tido o experimento literário em algo täo monótono. Deixando de notár, quanto mais de criticar, esse problema, tanto as concepcoes estrutura-listas do pós-moderno quanto as neodadaístas confundem o curso do pós-modernismo com o recurso ao epigonismo. Até aqui temos os rudimentos de um estilo e de um comporta-mento. Mas que dizer da visSo pós-moderna? Neste particular, o que a promessa pós-moderna parece oferecer é o desejo de um novo ilumi-nismo: reassumir a razáo crítica como principal impulso da actividade literária. Vários autores con tempore neos sao, como Leonardo Sciascia, críticos sociais independentes. Significativamente, o ídolo de Sciascia é Voltaire: nao tanto, é claro, por suas ideias, mas por ser uma espécie de 'arquétipo da literatura crftica e reformista — algo bem diferente da avesrrúzica «politica da recusa» totalista. O destino do terna do iluminismo depende, por sua vez, de nossa compreensao da verdadeira 'natureza da cultura con tempore nea. Muitos acolhem, com irreflectido entusiasmo, a ideia de comecarmos um mo-vimento para alem do «seco racionalismo» da civilizacao moderna — e julgam que a viagem da fria racionalidade em direccao as verdes pas-tagens do eldorado do espírito está sendo apressada pelo florescer de uma Iuxuriante «contracultura», dominada por valores románticos e extáticas pulsoes irracionais. Alguns arautos do pós-industrialismo subs-crevem essa Utopia romántica, também endossada, por vias diversas, pelos modelos do pós-moderno que classificamos de estruturalista e neodadá. Infelizmente, o quadro sociológico real é um pouco diverso. O advento da contracultura ao poder nao parece figurar na ordern do dia. Em vez disso, habitamos, isso sim, uma cultura altamente irónica (E. Gelmer): um espaco social onde o proprio progresso da divisao de trabalho e a atinente especificacäo de funcoes possibilitam a emer-géncia de várias ilhas de pseudoculturas fantasistas, sem que isso em nada ameace a base técnico-racional do con junto. A maior prova da ironřa de tal sltuagao é que, sempře que problemas sérios entram em jogo— tais como a producao de riqueza ou a proteccao da saúde—> os mesmos protagonistas da contracultura sao os primeiros a se voltarem Kaia a iauunanaaae tecnica Em resumo: «contracultura» é um negócio de fim-de-semana, um jogo para o tempo de lazer. Ela conti-nuará, com toda probabilidade, aumentando; mas está bem longe de definir o futuro real de nossa civilizacao. Acrescentemos apenas — h gulsa de conclusáo — que, se assim é, toda arte que aspire ser realmente crítica deveria comegar por man-ter-se ao largo das aceitacöes impensadas do mito da contracultura. Se o renascimento romántico nao é o que pretende ser — o prelúdio de uma nova civilizagao—, entao, a literatura, se verdadeiramente crítica, näo pode ser vítima de semelhante pretensao. Eis o que principia a ser observado pelo espírito pós-moderno. Terminarei sublinhando o principal. Dissemos que a melhor pro-messa do pós-moderno repousa na perspectiva de um repúdio äquela política irracional da recusa gnagas á qual, por tanto tempo, um abismo se abria entre a literatura moderna e a moderna civilizacao. A esse pro-pósito, posso ter sido temerário na minha crítica do modernismo — de-masiado severo para com um aspecto, e consequentemente esquecido do imenso significado da realizacáo moderna em termos de sensibili-dade e de imaginagao. Por outro lado, nao terei, talvez, pré-julgado em excesso, ao apresentar o pós-modernismo? Em particular, nao terei pecado contra a plena complexidade da grande literatura, oferecendo--Ihe um futuro de certezas ideológicas válidas mas limitadas, a pretexto de racionalismo crítico?... Aguardo o veredicto do distinto publico — mas näo me reconhe-cerei culpado. Para comecar, como disse Hofmannsthal, «aprovar é mais dífícil do que admirar». Admiro, sinceramente, a maior parte da literatura modernista; mas nem sempře posso endossar a sua visao moral. E confesso-me atónito ante a irresponsabilidade quase perversa com que a maioria da crítica moderna insiste em louvar a cisao moral entre as letras e o hörnern moderno, como se o ultimo estlvesse indubitavel-mente errado. As vezeš me pergunto porque foi preciso passar meio século para que um crítico (John Gross) apreciasse o facto de Ulysses figurar, pela sua maneira de encarar a sociedade, «entre os mais demo-cráticos romances modernos», nao sendo, por conseguinte, nesse ponto, «nada característico da alta tradicšo modernista* 2\ Quanto a submeter o neomoderno a uma camisa de forcas ideo-lógica, só posso esperar que o inevitável esquematismo de um artigo sobre enormes entidades históricas, tais como estilos coiectivos, nao tenha induzido o leitor a considerar-me alguém que tenta ligar a literatura a um credo ideológico definído, ou, pior ainda, a uma filosofia social. Seria demasiado estúpido acusar a literatura moderna só porque ela condenou o mundo moderno por tantos falsos crimes: poucas reta-liagöes poderiam ser mais tolas e empobrecedoras. Nosso propósito foi apenas lembrar que a mentalidade modernista nao foi liberal nem democrática em alguns de seus aspectos centrais — razao pela qual, alias, as concepgoes epigónicas do pós-moderno se revelam particularmente mal equipadas para lidar com as tenděncias iliberais dos nossos dias. Quanto ao resto, estou bem ciente de que, como nas palavras imor-tais de Hebbel, «numa obra de arte o intelecto faz perguntas; nao Ihes responde»; e estou ainda mais consciente de que os verdadeiros poetas nao precisam de críticos para ser bem sucedidos em «sonhar o mundo presente» (Santayana) —o que é exactamente o que mais de um escri- tor pós-moderno já aprendeu a fazer. Conforme recentemente lembrou Hilary Putnam, nao é absolutamente necessário que a literatura se julgue (como fez o modernismo) uma forma «mais alta» de conheci-mento, uma gnose de nao sei que arcanos, para que as letras cumpram a sua inestimável «recriagao imaginária de perplexidades morais»22. De qualquer modo, amar e compreender a literatura nao é, de maneira alguma, um privilégio de humanistas «deserdados», descontentes com o curso da História e encarnigados contra o espírito do hörnern comum. NOTAS 1 Cf. Gllberto Froyre, Além do Apenas Moderne (Rio, 1973); Ernest Gellner, Legitimation of Belief (Londres, '1974); Daniel Bell, The Cultural Contradiction! of Capitalism (New York, 1976); Roland Robertson, Meaning and Change (Oxford, 1978). 2 Cf. Frank Kermode, Romantic Image (London, 1957). 3 Sobre a definlcSo do pós-modernismo como analógia menos irónia, v. Octavio Paz, Los Hijos del Llmo (Mexico, 1974). O terna da morte do autor ó barthesiano. Encontro urna concepcäo semelhante em Frank Kermode, The Classic (Londres, 1975), esp. pp. 134-41 — tentative sútil de fundir as abordagens de Eliot e Barthes no tocante ao problema da relacäo entre valor literário e história. * V. p. ex., Gerd Wolandt, «Philosophical aesthetics and empirical research in Germany*, in British Journal of Aesthetics, vol. 18, n.° 1 (Inverno da 1978). 5 Erich Heller, The Disinherited Mind — essays In modern German literature and thought (Cambridge, 1952) — do qual tomei emprestada a história do palhaco alemSo (Karl Valentin, na Munique de antes da guerra). 0 Devo essa observacao sobre Hemingway a uma sugestäo do grande germanista de Veneza, Ladislao Mittner. 7 Lionel Trilling, «On the modern element in modern literature*, in Stanley Burnshaw (ed.), Varieties of Literary Experience. (N. York, 1962). 8 Para uma concepcäo reequillbrada, ve]a-se o rico espectro de perspectlvas sobre modernismos nacionais in Malcolm Bradbury and James McFarlane (eds.). Modernism (Har-mondworth, 1976). 9 «lllmitada impresslonabilldade» era, naturalmente, a propria esséncla do decaden-tismo segundo Georg Slmmel. 10 Allan Janik e Stephen Toulmin, Wittgenstein's Vlena (N. York, 1973), um livro gárrulo mas útil, comenta sagazmente esse aspecto. 11 V. Hans Sedlmay, Die Revolution der Modernen Kunst (Munique, 1955). Trad, port., Lisboa, s/d. 12 Na expressäo de Heller (op. clt.) 13 Cf. George Watson, Politics and Literature in Modern Britain (Londres, 1977). 14 Cf. Ernest Gellner, Thought and Change (Londres, 1964), ch. 8. 15 Este é um terna conhecido de La Deshumanlzaclón del Arte (Madrid, 1925) de Ortega y Gasset. 16 Cf. Harry Levin, Refractions — essays In comparative literature (N. York, 1966). 17 Vor as agudas crfticas do mito da vanguarda feitas pelo poeta e ensaísta alemäo Hans Magnum Enzensberger, e pelo líder da neovanguarda italiana Edoardo Sanguined. 18 Isto me parece qualificar o argumento do erítico do Oxford John Bailey, segundo o qual tanto os romfinticos quanto os modernos se deram com frequéncia ao autoritarismo literário, colocando sua imagem da vida sob o jugo de alguns calvos unificadores» cons-cientes. Tal ataque ao despotismo das ideologies de autor foi a seu turno eritieado — näo sem dogmatlsmo marxoestruturalista — por Terry Eagleton (New Left Review 110, Julho/ /Agosto de 1978), que o apresenta como exempío da miopia «empirista» da erítica inglesa. 19 Cf. Theodor W. Adorno, Ästhetische Theorie (Frankfurt, 1970), pp. 203-05. 20 Sobre o conceito de culture irónica, v. Gellner, Legitimation of Belief, cit., pp. 191-95. 21 John Gross, Joyce (Londres, 1971), p. 53. 22 Hilary Putnam, Meaning and the Moral Sciences (Londres, 1978), pp. 83-84.