Jp*é Miguel Wwmk.'ALGUMAS OLTF.STÖES BE MCMCA F. POL1TJCA 115 7 Algumas questöes de música e política no Brasil JOSH MlGUF.l WlSNtK * I- muilo dificil (alar sobrc relacocs cntre musica c politics quando sabemos que a musica nao exprime conteudos diretamcntc; cla naO tcm assunto, c, mcsmo-quando vem acompanhada de lelra, no caso da cancan, o scu sentido esti cifrado em modos muito suns e quase sempre inconscientcs de apropriacao dos ritmos, dos timbres, das intensidades. das tramas mclodicas c harmonicas dos sons. E no entanto, em algurn lugar e de algum modo, a musica mantem com n pnlitica um vinculo opcranie e nem semprc visivel: e que ela atua, pela propria marca do scu gesto, na vida individual c coletiva, cnlacando representees sociais a forces psiquicas. O uso da musica, com toda "a sua violenta forca dinamogenica sobrc o individuo e as multiddes", como dizia Mario dc Andradc \ envolvc poder, pois os sons passam atraves da rede das nossas disposicoes c valores conscientes e convocam reacdes que poderia-mos talvez chamar de sub e hiperliminares (reacdes motivadas por associates insidiosamente induzidas, como na propaganda, ou pro-vocadas pela mobilizacao ostensiva dos seus meios de fascinio, como num ritual rcligioso ou num show de rock). Estando muito pr6xima daquilo que conscguimos expenmentar em materia de felicidadc humana, a musica e um foco de atrativos que se presta • Professor de I.ueratura Krssileira da Universidade de Sao Paulo 1 Terapeutica musical. In: Andrade. Mario. Samorot com a medicina. Sao Paulo, Martins. 1972. p. 14. a variadas utillzacöes e manipulates, [nstrumcnto de trabalho, habitat do homem-massn, meto metafisico de acesso ao sentido para alem do verbal, recurso de fantasia c compensacao imaginária, mein ambivalente dc dominaeäo e dc expressäo de resisténcia, de compulsáo repetitiva e de fluxos rebeldcs, ulópicos, rcvolucionários, "a música é sempře suspeita", dizja um personagem de Thomas Mann em A montanha mágica. Seu^papcl c decistvo na vida das ■sncicdadcs primitivas, no colidiami popular, e o Estado e as religio« näo a dispensam, A práiica cla musica pelos grupos sociais mais diversos envolve múltiplos e complexos Indices čte identidade e de conflito, 0 que podc fazc-la amadn. rcpelida. endeusada ou proibida. Sendo scmpre compromctida, c uma tcrra-dc-ningucm ideologies. Tradicionalmeiitc. um dos nós da questäo política na música esteve na separncáo. levada a efeitu pelos grupos dominantes, enire :i música "bon" c a música "mft", enirc a música considerada eíe-vadn c hnrmoniosa, por um lado, c a música considerada degra-danlc, nociva c "ruidosa1', por outro. Na verdade, isso se deve a que ;t propria idtíia dc harmonia, que <; läo musical, opliquc-sc desdc longa dala n esfera Social c política, para rcprcseniat n ima-gem dc uma soeícdade cujas icnsňcs e diíerencas estejam composias c resolvidas. U<> jn.-nio dc vista dominautc, a contestacao e a diferenca aparecem como "rui'dos", como cacófatos sociais, como dissonáncias a serem rccuperadas segundo um código ideológico do qual muitas vezes tt música oficial figura como sendo a demons-iracäo "natural", No Rio de Janeiro do comeco do seculo, para dar um exemplo, uma čerta música de concerto, o repertório levc dos saraus, o carnaval eleganie e a ópera podiani scr vistos pe!a gente hem situada como musica saudável, enquanlo as batu-cadas dos negros, os teatros de levisia, os sambas c a hoemia seresteira porlavam o estigma do ruído rebaixante, objeto fre-qüente dc reprcssáo policial (veja-se o episódio exemplar do Trisie lim de Paticorpo Quarexma, em que o pequeno funcio-nário chcio de boas intencóes pairióticas torna-se diseriminado por aprender a tocar violäo). De fato, na prática musical desses grupos "marginais", na investidura sincopada dos sons, na sua cor-poralidade diFerenciada, despontam os iracos, rccalcados e atraen-tes, incísivos c näo expressamente articulados, de forcas sociais viuualmense subversivus, per incnos que uma revolucšo estivesse no horizonte histórico linear imediato. lit cultmra BKASILE1BA - TEMAS E SITXACftES Atualmenfe, no entanto, esse quadro mudou muito: a indus-triaiizacäo do som através do disco e do rádio, seguida pcla incremenlacáo acelerada dos meios de reprodueäo capaz.es de co-locá-ta numa rede de terminals disseminados em toda parte, älterem dccisivamcntc o papel e o lugar social da música. Agora, o capital multinacional naci se ocupa cm impor a música "elevada" e sublimada (tida quase religiosamente como "superior"), expul-snndn da rcpública musical as sonoridades divergentes, mas ab-sorve c lanca no campo do mcrcado as mais variadas expressocs da música de danca. desde que rcguladas por certos padröcs de hornogeneizaeäo, cicladas c recicladas segundo o rítmo da moda. O ruído da repetilo musical. ľuncionando ä mancira de um código gcnclico da rcprodu<;äo social, t silcnciador do ruido cn-quanto dissonäncia, e tende a eavar um vazio de sentido onde d divido náo mats eseuta, apenas ädere ao nlíciamento automático de um "goslo" espccializado (onde um so ouve rock, outro so ouve samba, um so ouve os classicos, outro so müsica de vanguards c outro so müsica ligeira; cada estilo musical uma espeeie de redomn, ilha de iranqüilidadc possivel num mundo contur-bado). Nem por ísso o campo da música de massas é um mar mono; muito ao contrario, por trazer as diversas forcas da música. cm polimorfas c dcmocrálicas mitogens, para o coracáo do sis-lema. a indústria cultural conlcmporánca envolve um equilibrio de podereš delícado. cujo limite dc controlc náo č muito precise, ou pelo menos sujeito a movimentos contraditorios ao sabor das pres-sóes hisióricas. O que vai acontcccr com lodas essas forcas. comparáveis a um complexo industrial-militar que cercasse usínas dc música liga-das ao inconsciente. está a depender de um imponderável. Para come<;ar a fa2er algumas consideracôes sobre o lugar da música na cultura brasileira. vou partir de uma anedota que exem-plifica bem o caráler politico do significame musical. Quando compós o cnnhecido samba ínlitulado Com que roupa?, Noel Rosa ouviu dc um amígo a observacäo de uma coincidéncia que Ihe passara despercebida: a melódia do primciro verso ("Agora vou mudar minii n conduta") era igual ä melódia do primeiro verso do Hino Nacionál: JciSŕ MrgUfl Wfcnifc ŕ ALGUMAS OlIfc'STOFS PF MOSICA F POI.T1ICA... 11? A - go ■ re vou mu - dar mi - nha con > ďu - f ta) Ou- vi - rsm do I - pl - ran ■ ga as můr - gons pi é • (cidax) Na melódia do samba, tal como estc chegou até nos, a senic-Ihanca com o Hino já veio atenuada peto compositor, através dc urna pequcna alteracáo (em vez de cnmecar por um desenho mcló-dien ascendente, corno na vcrsáo originál, a música comeca por um torncio dcsccndenle). Embora tivesse escapado n a(cn;äu do próprio composilor, a semelhanca do samba com urna melódia táo embletnáiíca e läo mareada como a do Hino Nacionál cm um in-comodo a ser evitado. No entanto c cssa semelhanc,a/dilcrcnea que nos permite notár o caráter significativo do som. nesse caso através do ritmo, As dtias mclodias coincidiam, mas éram dcslocadas por um fator accntual diferenciado: urna cra rccorlada pelo padráo impositivo do hino e otitro pelas síncopáS do samba. Sc experi-mcniamos caniar a lotra dc Noe) no rilmn do Hino Nacionál, c estc na cadčncin tln samba Cum que mnpa'ŕ, observamos que Itá um cícilo dc scntído lolídmciilc uHcrado. ( antada segwido ;i lipura ritmíca do Hino, a frase "Agora vou mudar minha condma" ganha um accillo marcial c corporalivo. Náo tí mnis ;i frila iridividual c irômca do "etdadŕto prccŕtrio", o sujcilo do samba, que afirma enirc negaceios sineopados a sua disposicím iirisória dc sc afirmar na vida. mas uma espécie dc vo/, colctiva que brada com neentos épicos uma vonliide de autuiransfotmacao. Von nuk dc liansíorma^ád que tem por objeto e cenário de sua opera^áo cnergética o próprio corpo submcttdo ao rilmo retieulado, cm que os acentos métricos convergem sobrc os tempos fortes do compasso de maneira ine-quívoca, como golpcs dc martelo que disciplinám sen movimento regular dc subida c descída "dc maneira a extratr dele o seti maior rendimento". O ritmo do samba c o do hino constiluem duas coníiguracôes pulsionais diferentes. íazcndo-tios lembrar aquilo que os gregos chamavam o ethos da música: o scu caróter, um ceno padráo de sentido aíinado segundo um uso, e que fazia com que algumas melodias fossem guerreiras, outras sensuais, outras relaxantes, e assim por diante. Na teoria musical que nos chegou dos gregos. o ethos estaria ligado á melódia musical, embora nada nos impeca dc pensar o ritmo como um parametro decisivo de deíinicäo do caráter de uma música. A frase de Noci Rosn inveslc-se, por causa do ritruo. de um ethos cívico, dc um ánimo combalivo c marcial, Ill CULTURA ERAS [LEIHA — TEMAS E SITUATES Joif M.gi.ri wiinikfALnuMAS yuEsroES de wosjca tl poLirtcA. hi viril e pretensamen'c sem sombras, tm vez da disposic ao resvaladi-camfinte mercurial que fai o eihax (?) malandra do samba {em que a exposicao das intencoes vem mi nada por inněsoes. intervales, subenlendidos e o corpo oscila e preenchc o va7Jo da? sin-copas conlrapondo as palavras a presenca dc uma acao intcrnii-lente c náo-dita). Se se cantassc, por sua ve/, o Hino Nacionál no rilmo do samba Com que roupa?, haveria também uma mttdanca dc sentido: junto com suas accntuacóes típicas. elc perderia o buscado car&ter épico em que o "brado retumbanic*' sc abate do alio como um raio, c assumiria um torn seslrosamentc idílico e uiópico dc samba-cn-rcdo (genero que lem sua origem jusiamcntc na juncáo cnire a tradicáo da malandrapcm c o pastiche do discurso civico). Ncsse momento. a configuracao de poder implicita ncsse cmblcma da Nacao sc veria desmancbada e irnnsformada (razao pela quat o Hino é protcpido por lei nn sun vcrsno oficial. e lanto mail seve-ramcnte quanio mais nuiorilário for o regime, islo i, como simbolo dc poder defendido dc qualqucr oulra Bpropriacao). Se o letter liver cxperimcntBdo esse pequeno cxcmplo como algo que se passa no propria corpo sem dcixar de rcmetcr a ordem dos objclos, isto c, sc tivcr sentido a disposicao rilmica como uma disposicao para com o mundn, ha dc cntendcr aqucla afirmacio que se faz cm A república dc Píaláo: něo sc pode altcrar os generos musicais scm afetar as mais alias Icis poliiicas. Ou, em outros lermos; as puisnes sonoras carregam uma rede de significances políticas, e de modo táo pregnante c táo rente ao próprio corpo dos significantes musicais que na maioria das vexes passam desper-ccbidas. "Dcshzando mansamentc pelo meio dos costumes c usances", elas sao capazes de aiingir as convencoes sociais e as consti-luicdes, e, conforme os movimenios que insinuam, podem "sub-vcrtci lodas as coisas na ordem publica e na privada"1. A fisionomia musical do Brasil moderno se formou no Rio de Janeiro, Ali é qüe uma poma desse e norme _ substrata de music a rural cspalhada pelas regiöes tomou uma configüraeän urbana. Transform and rj as datier bin árias cuiopéías a tra věs das batucadas i A rcpúbíica, 424 c, d, c. negras, a música popular emergiu para o mercado, isto é. para a nascente indústría do som e para o rádio, fornecendo material para o carnaval urbano em que um ealeídoscópio de classes sociais e de racas experimentava a sua mistura num pais recentemente saído da eseravidao para a "modo de producáo de mcrcadorias". No mesmo momento em que a hdustrialízacao mais a imigracao produziam em Sao Paulo o fcnómeno moderno da greve operária, no Rio de Janeiro se produzía a samba tiomo expressiio de grupos soctais marginalizados que lam a varn o espaco da cidade na festa carnavalesca, e que mnrcavEtm a sua diferenca e o seu desejo de pertinčncia alravčs da música. Aparcnlemcnte, o ethos do samba nos^jseus comecos, nas decadas dc 2ti e 30, serin atgo como um antícífcoí: na malandra-gem, uma negacao da moral do trrtbnllio c da condula exemplar (efetuadu alravčs dc uma íarsa paródica cm que o stijeilo strnula >mnkarnciile lcr todas ns pcrfeilas condicocs para o cxcrcício da cidadama). Acrcscc que cssa negativa ílica vem acompanhada dc um clogio da orgiti, da entrega ao prazer da danca, do sexo e da bebida (tidos desde os gregos como da ordem do pathos c nao do ťthm). Mas o "orgulho em ser vadlo" (Wilson Baiistn) corres-ponde lambím a uma Ctica oculla, uma ve/, que a afirnweňo do ódo c para o negro a conquista dc um intcrvalo mítiimo entrc a cscravtdáo c a nova c precária condicao de mao-de-obra desqua-liíicada e fluluante. Embora parcca ausente da música popular, a esfera do trabalho projeta-sc dcnlro dela "como uma poderosa imagern invertida". Na música papular dessa época, a hlstória do Irabalhn é narrsda a eomrapelo. 0 oporflrlo é n prlrKíípal pamonag«rn Á aonittra, ofuscado pela rulcfosa o alegre con-sagracĚo da ligu fa do malandro*. Uma (al contra-ordem tem o seu cacife c o seu aliado na música, na desreealcante afirmaeao de uma rítmica sincopada a anunciar um corpo que se insinua com jogo de citttura e consegue abrir flancós para a sua presenca, irradiando diferenca e buse an do identidade no quadra da sociedade de classes que sc formava. s Vasconceli.os, fJilber(e) & Suzuki Jr., Malina;. A malanitragerť! t a for-1 R maváo da música popular brasileiia. In: Fausto. Boris, dir. Wstória gtrat Iět— da civilizo(Oct bnušleira; o ůrasil republicano. Sáo Pauki, Difel, 1984.1 p. 505. t. 3, v. 4, I» CULTITRA BRASH EIRA — TEMAS E SITUACOFJ Jose Mit«« WlKilkŕ AI.GUMAS QUESTnES TIF. MÜSICA E POLÍTICA lít O Esrado Novo explicite as relacôes entre a musica e a politics no Brasil de um módo muito significative. Tomando a exaltacáo do trabalho, juntamente com o ufanismo nacionalista, como base de sua propaganda, o Estado subvenciona a música como instrumento de pcdagogia polílica e de mobilizacáo de rnassas, tentando fazr-Ia poriadora de um ethos cívico e disciplinador. É durante esse episódio que Villa-Lobos leva adiante o prograina de impletitatao do c ani o orEeůnico na? escolas do Pais, tomando a afividade coral como um veículo dc inlrojecäo do sentimento de autoridade. A malandragem sambística, nesse contexto, aparece como um mal a ser crradicado. como ruído c dissonáncia deslinados a serem resolvidos num acorde coral. Alravés dc um certo alicia-mento indírclo, o Deparlamento de Imprensa e Propaganda incen-tiva os sambistas a fszerern o clogio do trabBlho contra a rmdan-dragem. Convite cm grande pane fracassado, no enlanto. c por umu razao que podemos enlcndcr bem. Embora alguns sambas procurem efetivamente assumír um ethos civico no nivel das Ictras, c&sa intencao é contraditada pelo gesto ríunico, pelas pulsôes sin-copndns, que, como já vimos, opócm um desmenlido corporal ao lom hínico c n propaganda trabulhista. A iradicjk) da malandra-gem rcsisic, de dentro da propria linguagem musical, á reducäo oficial, produzindo curiosas incongruénrias de Ictra c música, c so-brevive ccriamcnie intaia ao Esiado Novo. Mas de todo motlo cslc deixa marcas fortes na música popular brasilcira: č durante os "caíiiavjíis dc guerra" que as escolas de sambo assumem efe-livamcnlc nos scus cnredos o tom apotogético e granditoqLiente que conhcccmos, e é nesses anos que Ari Barroso "sinfoniza" o samba, lornando-se uma espčeie de Villa-Lobos do género *, Nft passagem dos anós 40 para os anos 50 ŕ que a música popular no Brasil lomará um aspecto mais abrangente, globalizando 0 Pais nas suas regioes e penetrando mais fundo no lecido da vida urbana Os riimos nordeslinos ganham uma compactacäo no baiäo de Luiz Gonzaga, e Lupicinio Rodrigues revela a face do Sul, masTambem partieipando dc um novo intimismo, de um lir Umo de massas que se espalha agora por toda pane em boleros, sambas--cancôes e baladas romaoticas. Junto com o samba que permanece, c com as marchinhas carnavalescas, abre-se o espectro de repcrtórío da Rádio Nacionál, em cujas nndas o imaginário do Pais viaja. * Abordei o terns no texto: Gtiůlio da paijiáo cearense (Vílla-Lobw e o Ľslatto No™), Irt: Soueus Fnio 4 Wismik, Jůii Misuel O naciotud t u popular na cut mra brasiieira; ntúsics. Säo Paulo. Brasiliense, 1983. Vigors a dens a cor rente de um romanlismo de mass as d i sput ad o em sua multiplicidadc: eonstclacöcs de esirelas brilliant no radio, acesas tambčm peto frenesi da rivalidade. Dalva dc Olivcira. Marlene e Emilinha, Angela Maria alternam e simullaneizam seus rcinados para os quais se amplia e estabiliza o grande publico que se enirega ao impdrio da Voz. Absorvendo e trabalhando elernen-tos vindos de vários ponlos do Pais, e devolvendo-os atravčs da emissao radiofónica, o Rio de Janeiro é a capital dc uma música nacionál, de uma naeäo musical. A bossa-nova veio pór um fim nesse estudo de inocéncin já intcgr3do e ainda prc^'MPB"; cla eriou a cisáo irreparável e fe-eunda entre dois patamares da música popular; o romanlismo de massus que hoje tli a mam os "brega"1. e que tem cm Roberto Carlos o scu grande rci (ernbora farma do como todos os grandcs can-tores/cnmpositores de sua geracáo na eseuta de Joao*GiIbcrlo), e a múíitca "imelecluatizada", marcada por inflvicncias litcrárias e cmrfitas. de gosto universitário ou estetizado. Foi a bossa-nova que introduziu esse padräo, com harmomas vindas da música cru-dila (especial men ie do jmprcssionisnm ítances), Ictras cnxulas e construtivisln1., timbres pesqiiisndus c jnfluencias da cancáo amc-ricana (Cole Porter) e do jazz, Trata-sc dc umu prk m oder nu na iron ta c na consciéncia cíos processos de canslruc&o (o Dcsafinaito> ti Samba tic umo nota nó)t que rcsüuou nas suas harmunias e na sua batida os sinaís de um paťs capa/. tle produzir simbolos de validadc intcrnacional näo-pilorcscos: Brasilia, o futebol campeáo uiundial, uma música inventiva c que sc tornou depois quase um modulo industrial de som-acroporlü (alem dc influcnriar aié hoje a música amerícana c curopcia, do jazz sto rock). A bossa-nova napstistcntou muito lempo intalos o inlimismo urbatio e a conteinplacao olimista do Pafs moderno que a carac-terizaram, pois as linhas cruzadas daquele momento cultural, em que um projelo populista de alian<;a de classes em bases nacionais conirůcenava fortemenic com o desenvolvitneniismo, levaram a q-jc e!a se desdobrasse num a música dc ti po regional, rural, base ad a na loada e na moda-dc-viola, quando näo no frcvo, no samba c na marcha-rancho. Vandre, Sergio Ricardo. Hdu Lohn, Gilbcrio Gil e 0 proprio Caciano, cntre outros, fizeram a mesma passagem, de uma formacao bossa-novística para a can<;áo de protesio. Um outro ethos despontava nessa cancäo elaborada e de filiaeäo lite-rária [se us letristas, lei to res de Druinmond, Cabral, Mario de An-drade): junto com a tematizaeäo da justica social c da reforma i. V3 cr s ■J5 ~ B> ti Q. <* i* £ d n í it ■S m (t - E. 2. "s i < B í š i I I šil d 5 *" o. 2 if s % ja Í — T3 i ŕ.' - < g" 6 Si—" íl II r m q o ft =2. ■d n - 1 5* r:. Ň' o si s 1 SI Cd- jě c s a sg £ I a. S 3. g Ľ :- 3 n El fr n s o-'i c t" " 3 -c c: ^ ■■ ,■ £. I n a. r. —. ö. o. a * f, E * AC íl s s S- Dii O I s — D <■'■■ -n ft í s 3 "3. ft n 3 s_ * I — 3 ^ e_ 5 * 2 3 h BI 3 f>. a 8 B ° 'c 1 a.' — u s» 5i B. n o n ej í eT 2_ S' 3 B O BI B 3 u o o — n c o -i o S- = 0» 3 E I I - ü - — a. » n F -i "ň í -c 5 "L T. 1 5 In L O ? 3 Bf *> ■ n — -S -g f: B ti n 1 £ rľ - Ö ľ í ^ - = a -- - n O. n g o fl Wl ti 1 3 I * Or if W o O- I S' a bi «. - G ■* )* 3 I! O 3 O B 3T 2: « -3 I s 1 3 3 S o 3 ř ° II II A ? 5 Dl < : 2 S 3 3 * — - 3 = * S- í * ů Irl 3 2 5 í M W ft A XI „ O ™ 3 < o 3 I ft - °! C E C 3 5 B 3 & = O 3 w n a Ě. 3 S- cn."H e 3 s "1 ŕj EL Ifl o , ■ ft o 3 o m "T — C" ť« d ■ Ů I ~ B1 ft. ~ 3 S S & g* s. i i -p -i S.B - " S n c ft ľ. 3ľ" "ŕ O tí O I El Ü (J U B - ^1 3 ■ íí^ rt 31 ti' 7* 00 '3 Ů J ; H a. I-g ft ° 111 I n d (e =". 5 o & ío ' " a w o -60 a. s; ->■ y r.- Í|J3 lF1 3 T". n 3 Eť O — ■ s ŕ!. íľ í ír r n Td R o' 1 3 ft =■ 3 -1 ô * o. 3 -í, " a. ^ X) a g § a. 3 O- = Q. Bt ' -ľ-J í" 111 I " §■■ m cr-3 a ft s ft i -w+ ■D 18 ft ft _ 3 OO ET j- — ^ e; r. rt B) í- r.- ^ o I Q. O 3! 3 5 S 3 ™ ° o p (= □ tí *> - 11 ta ^ Ír =ŕ 5" -S-íK _£ »■ cu í". -- B. —; ■s- q —1 r 3 Í 3 3» 1 ■f-Ľ: □ -j e; £ P n p; r-. Z n <_ 3 Ě-i a in H ě. C p> 73 if t- ÍL 0 p." ft do cafe que ja vinha em grossas ondas do coador la* na cozinba. eu nao disse nada, sc-quer Ihe virei o rosto. continue! alisando o Bingo, meu vira-lata. e £ui pensando que o primeiro cigarro da manha, aquele que eu acenderia dali a pouco depois do cafe, era, scm a menor sombra de duvida, uma das scte maravilhas. Ü ESPORRO 0 sol já estava quer endo fazer coisas em eima da cerracáo, e isso cra fiScil de ver, era so olhar pra carne porosa e fria da massa que cobria a granja e notar que um brilho pul-verizado estava tentando entrar nela, e eu me lembrei que a dona Mariana, de olhos baixos mas contente com scu jüito de faJar, 28 29 linha dito minutos antes que "o calor de ontem foi so um aperitivo", e cu sentado ali no terraco via bem o que estava se passando, e percorria com os olhos as arvores e os arbustos do terrcno, scm esquecer as coisas rncnores do mcu jardim, e era largado ncssa quieta ocupacao que sentia os pulrnocs mc agradecercm os dedos cada vcz que o cigarro subia a boca, e ela onde estava eu sentia que mc olhava e fumava como eu, s<5 que punha nisso uma ponta dc ansicdadc, ccrtamcme me questionando com a rebarba dos trejeitos, mas eu nem estava ligando pra isso, qucria era o silencio, pois estava gostando dc de-morar os olhos nas amorciras dc folhas novas, se destacando da paisagem pcla imper-tinencia do seu verde (bonito toda vida!), mas meus olhos de repeme foram conduzi-dos, e essas coisas quando aconteccm a gente nunca sabe bem qual o demonio, e, apesar da ncblina, eis o que vejo: um rombo na minha cerca-viva, ai de mim, amasso e quei-mo o dedo no cinzeiro. ela nao entendendo me perguntou "o que foi?", mas eu sem res-ponder me joguci aos tropecocs escada abai-xo (o Bingo, ja no patio, me aguardava eletri/ado i. e ela arras de mim quase gritando 30 mas o ljuc foí?"'. e a dona Mariana corrida da cozinha pelo cstardalhaco, esbugalhando as lentes grossas, ernbatucando no alto da escada, pano e panela nas miios, mas eu nem via nada, detxei as duas pra trás c desabaki fcito Iouco, e assim que cheguei perto näo agúcntci "malditas saúvas filhas-da-puta", c pondo mais forca tornei a gritar "filhas-da-puta, filhas-da-puta", vendo uns bons palmos dc cerea drnsticamente rapelados, vendo uns bnns palmos de chao forrados dc pequenas tolhas, é preciso ter sanguc dc chacareiro pra saber o que é isso, eu estava uma vara vendo o estrago, eu estava puto com aquele rombo, e so pensando que o ligustro n So devia ser assim cssa papa-fina. lanta trabalheira pra que as saúvas metessem vira-e-mexe a fuca, c foi numa rajada que me lancei armádo no terreno ao lado, campeando logo a pista que me conduzisse ao formigueiro, seguindo a tri-lha camuflada ao pé do capim alto, eu que haveria áquela hora de surprecnde-las enfur-nadas, täo ativas noite afora com o corte e Com a coleta, e tremendo, e espumando, eu sem demora deseubro, c dc balde já na mäo deito uma dose dupla de veneno em eada olheiro, c'uma gana que só eu é que sei o 31 que é porque só eu c que sei o que sinto. puto com essas formigas täo ordeiras, puto com sua exemplar eŕiciéncia, puto com essa organizacäo de merda que deixava as pragas de lado e me consumia p Iigustro da cerca-viva, dai que propiciei a cias a mais gorda bcbcdcira, encharcando suas pandas subter-räneas com farto caldo de formicida, cuidan-do de náo deixar ali qualqucr sobra de vida, lapando de řecho, na prensa do calcanhar, a boca tie cada olheiro, e eu já vinha voltando dnquele terreno baldio, largando ainda vigo-rosas fagulhas pclu caminho. quando notci que cla e a dona Mariana, nessa altura, esta-vam de conversinha ali no patio que fica en-ire a casa c o gramado, a bundinha dela recostada no pára-lama do carro, a claridade do din Ihe devolvendo com rapidez a dcsen-voltura de femcazinba emancipada, o vcsti-do duma simplicidade seleta, a bolsa pendu-rada no ombro caindo ate as ancas, um cigarro enire os dedos. e lagarelando täo ilcmocraticamente com gente do povo, que era por sinal uma das suas ornamentacöes prediletas, jus tarnen te ela que nunca dáva o ar da sua graca nas areas de servico lá da casa, se fazendo atender por mim fosse na 32 cama ou pela caseira no tcrraco, dcixando o café só a meu cargo na falta da dona Mariana, eu só sei que de cara enfezada, c sem olhar pro lado delas, entrci curvado pela porta do quartinho de ŕcrramentas ali mesmo embaixo da escada, larguci lá os apetrechos que linba carregado pra dar cabo das cortadeiras, mas, previdente, aproveitei a provisäo das prate-leiras pra me abastccer de outros venenos, alem de eu mesmo, na rusticidade daqucle camarim, entre pincéis, carväo e restos de tinta, me embriagar äs escondidas nutn galäo de a'cido, preocupado que estuva ein maqui-lar por dentro as minhas visecras, sabendo de antemäo que näo ia nisso nada de super-fluo, cu so sei que quando sai de novo ali pro pátio as duas já näo conversavam mais, uma e outra, embora lado a lado, se encon-travam habilmente separadas, ela näo só tt-nha forjado na cascira uma platéia, mas me aguardava também c'um arzinho sensacionai que era de esbofeteá-la assim de cara, e como se isso näo bastasse ela ainda por cima foi me dizendo "näo é pra tantú, mocinho que usa a razlo", c eu confesso que essa me pe-gou em cbeio na canela, aquele "mocinbo" foi de lascar, inda mais do jeito que foi dito, 33 tinha na obscrvacäo de resto a mesma com-posta displicéncia que ela punha em tudo. qualquer coisa assim, no caso, que beirava o distanciamento, como se isso dcve$se nc-cessariamente fundamentar a sensatez do coraentário, e isso só serviu pra tne deixar mais puto, "pronto" eu disse aqui comigo como sc dissesse "é agora". cu que ficando no entrave do "mocinho" podia perfeitamen-te Ihc di2cr "fui mais manipuJado peJo tempo" (sc bem que cla näo fosse lá entender que vantagem eu tirava disso), passando-lhc também um sabäo pelo uso, enfadonho no fundo, da irónia maldosa, näo que eu culti-vasse um gosto raivoso pelo verbo carran-eudo, puxando ai pro trágico, näo era isso e nem o seu contrario, mas a da, que via na-qucla prálica um alto exerciciü da inteligencia, viria bem a calhar sc eu entäo sisudo lbe lembrasse que näo dava qualquer mistura i ronia e sólid a envergadura, c muitas outras coisas eu poderia contrapor ainda ä sua glosa, pois era fácil de ver, entre eseancaradas e encobertas, a reprimenda múltipla que trazia, iossc pcla minha extremada dedicaeäo a bi-chos c plantas, mas a reprimenda. porventura mais queixosa. por eu näo atuar na cama 34 com igua! temperatura (quero dízcr, com a mesma ardéncia que cmpreguei no extcrmi-nio das formigas), sem contar que ela, de nlho no sangue do tcrmômctro, so mctcra a regular rambcm 0 mereúrio da racionalidadc, scm suspeitar que minha razäo naquele momentu trabalhava a todo vapor, suspeitando menos ainda que a razäo jamais 6 fria c sem paixlo, só pensando p contrário quern näo iilcanca na rctlcxäo o mtolo propulsor, pra ver isso é prcciso ser realmente penctrnnte, näo que cla näo fosse inteligente, sem dúvida que era, mas näo o bastante, só o suficiente, t cu poderia atrevido largar äs soltas o ra-ciocínio. espremendo até ao bagaco o gX$0 do seu sarcasroo, mas cu näo falei nada, näo disse um^Jsto, tranquei minha palavra, ela näo teve o bastante. só o suficiente, eu pen-sava, por isso já estava lubrificando a lingua vi perina entorpecida a noite inteira no acon-chego dos meus pes e etcetera, eu só sei que continuei de cabeca baixa mas avancando, as coisas aqui dentro se triturando, e eu tinha, e isso era fácil dc ver, a dona Mariana pri-meiro. mas estava na cara que näo era a dona Mariana, nem era ela, näo era ningucm em particular pra ser mais claro ainda, mas mes- 35 mo assim eu perguntei "onde cstá o seu Antonio?'' e perguntei isso pra cascira dum jeito mais ou menos equilibrado c de quetn qusse, mas só quase. está se domi nando, mas também nao tinha a menor importáncia se nao fosse bem assim, meu estómago era ele mesmo uma pancla e eu estava co "as ťormi-gas me subindo pela garganta, sem falar que eu já puxava ali pro palco quem estivesse a mcu alcance, pois nao seria ao gosto dela, mas, sui generis, eu haveria de dar um es-pdáailo sem platéia, daí que fui intimando duiamente a dona Mariana, a quem. de novo embatucada, tornei a pcrguntar "onde está o seu Antonio?", forjando dessa vez na voz a mesma aspereza que marcava minha mascara, combinando estrciiamente essas duas ferramentas, o alicatc e o pé-de-cabra pra lbe arrancar uma palavra. nao que eu fosse cxigir dti seu marido o resgate daquele rombo, náo que ele pudesse responder pela sanha das formigas, mas — atrelado á cólera — eu cavalo só precisava naquele instante dum tiro de partida, era uma resposta, era só de uma resposta que eu^prerisava, me bastando da caseira qualquer chavao do dia-a-dia "o To-nho foi pertinbo ali embaíxo mas volta logo" ou, mais cuidadosa, a dona Mariana podia inelusive justíficar "e!c saiu cedinho pra pe-par o leite lá na venda e já deve bem de estar chegando'" e cla ainda, numa das suas tira-das. podia até dizer dum jeito asceia "o To-nho tava numa das panelas c deve de esiar agora estrebuchando co'as saúvas" e nem que elíi tivesse de dízer, c'uma ponta de ra-zäo alias, quc de nada adiantava o marido estar ou näo ali, mc explicando (novidade!) que as corradcírfts t raba Iba m em geral no escuro da noiteTo quc nao importava na ver-' dade é o que ela fosse lá contar, c isso só mesmo um toio č que náo via, fosse resposta eiosa o u arredia, eu só sei que baštou a dona Mariana abrir a boča pr'eu desembestar "eu já disse que o horário aqui č das seis ás qua-tro^ depois disso eu näo quero ver a senbora na casa, nem ele na minha f rente, mas dentro desse horário eu näo_adľnito, a senbora cstá entendendo? e a senbora deve dizer isso ao seU marido, a senbora está me ouvindo?vr e o mou berro [inha forca, ainda que de substancia só tivesse mesmo a vibracäo {o que náo é pouco), e foi tanta a repercussäo que a dona Mariana nao sabia o que fazer, se cha-mar o marido pra que cumprísse o que eu