MTSTÉRIOS DE LISBOA L1VRO PRI METRO i t-ra'cu um rapaz de calorzo anos, e näo sabiá quemera. Vivia na companhia de um padre, e de urna scnliora, |ó"e -'diziam •• ser irmä do padre, t; de viňte rapazes, que; eräm nicus condiscípulos. Desles, algum'mais cultivado ern Conhecimentos do niurido peŕguntava-me se eu era filho do padre. E eu näo sabiá res-ponder-lhe. Ora csle padre parcela um homemmuito virtuoso; mas nem oor isso séria extraordinário eu ser seu filho; Näo o ouvira eu nunca salmear ňä: harpa i cantares dé con-trigäo; mas é rigorosamente lógico que näo haja David sem harpa?! Muitas vezes senti o atrevido ímpeto de dizer-lhe:——. «Mestrc! perguntaram-mc se sois meu pai; deveret rešpónder que näo, para me deixarem?» Nunca, porém, íiz isto, porque enteňdi qiié ňao mé erä uma das primeiras necessidades da vida saber de quem era íilho. Propenso para cogitacoes elevadas, erguendo os olhos ao céu, via eu, muitas vezesj voar um passarinho. E dizia comigo: «Perguntem lá äqúélá criatura de Deus quem é seu pai? Gomb cla eorta por täo alto um ešpafo que é t odo dela! Que liber- 318 MISTERIOS DE LISBOA MISTÉRIOS DE LISBOA 319 guntava com infantil idiotismo. Näo mo dizia o. padre, nem sequer me permitia a ousadia de perguntar-lho. Os meus condiscípulos, esses pareciam esquecidos do niey infeliz siome; e o outro, que me puxara a oreltia, fora expujj^j do colégio, alguns dias depois da nossa funesta íúta.,. | Gomecei a saborear os lívros, que täo amargos me tinliuill-sido. Adquiri o hábito de estudar espontáneo e cuidadoso. Se^; ti-me feliz de uma alegria que näo sabia dizer. E comecei %~ ver no mundo alguma cousa que me persuadia do grande bct^l que a vida era. Esta minlia transformacäo deu nos olhos do padre, que se esmerava em apurar-me o gosto: da ciěncia. Vi-o alegrar-se corj a minlia alegria; mas nem uma palavra lhe ouvi que me explj.: casse a causa remota da minha transformacäo. Fechado no meu quarto, estudava eu, alta noite, quanjiol bateramna porta. Abri. Entrou ,uma. mumer encapotada. ['c' chando a porta, mal en trou,, o, man to caiu-íhe dos. ombros, ť eu senti-me .comprimido ao seio dela por i um abraco impe- i Erä a mulher daquelanoite da febre. Bern, a conheci. Aquc-les, olhos ,negros e Uuninosos etam os dcla. Bratu suas aquetajj faces pálidas e magras. Näo podia ser de outra aquele lalhc de fprmas melindrosas, e ao uiesmo teinpo robustas de um v%or nervoso, que parece,. ,em,algutrj,asqrganizacpes,, q galyanismo.dej um cadáver. ...... § Cotnigo nos bracos, a linguagcm dela era m lágrimas. Palavras,; se as tinha,; expirayam-lhe! nos láljios cm suspiros. O mis*§ tério aclarava-se. O coracäo bateu-me uma pulsacäo nova; Rasgou-se-me no,. entendimento uma' nuvem escura. ■. Senti um -calefrio estranho, um abalo de. inspiracím, um impulse íntimo, '. que me fazia ajoelhar aquela mulher., E ufio pude veneer-me. Gurvaiai(i-s<:-me os jo.elhos; e, neste, laňce de aďoracao extática^". ouvi uma. palavra... «Meu...» e, quando instintivamente. colava os Iábios na map daquela mulher, a frase saiu. completa dos Iábios dela... «Meu íilho!» Näo tne pecam explicacoes do .que entäo.senti. O siléncio de entaq näo. ppdem, hoje, as palavras decifrá-lo. Foi um enlevo que mata a expressäo, e indenmiza cpm lágrimas o sentimento. A aparicäo improvisa da.mäe a um filho, que sente pulsar ,n.p seu um coracao cuja, existencia igno- ■ rava—r uma surpresa assim, traz consigo um . ter-rpr: santo, que deve ser. a. preexisiténcia do horném; na ,presenca.de 13eus. Quis balbuciar a palavra «tnäe», e'senti-me embaracado: sei se era pejo, se perturbaeäo, se: alegria! Näo pude. É^'-Näo me dizes nada, meu filho?— murmurou minlia- mat, coro0 se receasse ser ouvida. E, levantando-se da penosa posi-fSo cm rtou~me ao seio; d encostou ao meu ombro a sua face, que .flďeiniava. ■ __Lcmbras-te de me ter visto? — disse ela, sorrindo e cho- Lembro-me toáos os instantes; nunca maiš pude esque-Cer nem1 as suas ■ palavras, nem as suas ■ feicöes. , —E só me viste uma vez? .' ^_Umá só; mas sei que esteve ao pé de mim. .-- Ouc sentes agora no ten coracao, meu filho? —-Náo sei o que1 sinto: lembra-me que tinha assim uns so-•fílíos quando estava dóente. ,— Poděs ser amigo de... poděs ser■ meu amigo? • — Amigo de... : - - Dc tua mk? Eu parecia deliraí na sofreguidäo dos seus beijos; Lembra--mc que no rosto dela havia um movimento, uma vibraeäo de gestos, que'parecia o acesso de uma deméncia, Eu sentia'cor-rer-lhe por todo o corpo uma tremuťa que me assustavaj pořque eu• näo sabia o que é a mulher, quando, abracada-a um ente que jiilgava perdido, pode exclamar: «Este c rneu filho!» — Eu preciso ouvir-te! — disse ela com apaixonada energia. ■— Preciso que ťa les. pronunčies: o rneu nome muita vez. Parece que duvidas que eu seja tua mäe? O coraeäo näo te diz qué o sou? Responde, meu íilho!... i:;/'.; Eu balbuciava soris: inarticulados;: Era' um: acanhamento in-vencível; um pejo que :me incendiava as faces; uma coacgao indefinida, semelhante: a outra, "e essa única, sentida em minha vida! O coraeäo dizia-me que ela era minha ŕnäe; e os Iábios convulsos e indecisos parece que recusavani próferir um nomé que lá näo: fora escritöj na infáncia, pelos Iábios maternos. Com os olhos fixos no regaeo de minha mäe, e com uma espécie'de ressentímento,. que o meu :siléncio simulava; dir-se-ia que era um filho repreendendo o: desamór dessa mäe que o abandonar'a eriancinha; e viera procura Jo adulto para lhe dizer: «Tcnho direitb ao teu amor, aos teus carinhos, e ao teu res-pcito, porquc te dei a existencia,» 364 MrSTERIOS de lisboa céu azul, e de um crepúsculo saudoso, semeíhante' a este nos faz recoiieentrar, sentir e sofrer. Alem, por aquela escada, vi descer um homem, que me conhecia... e eu de relance conhecera no «grande mundo». ^ a meio caminho recebé-lo e cumprimentá-lo. Disse-me que, Sa_ bendo que eu estava só neste jardim, antes quisera ser aijuj recebido, porque tinha a falar-me de cbusas inviolavelmcnie'-secretas. Mandei-o sentar no banco onde agora está a Sr.a Condemn-e eu sentei-me neste mesmo banco. Devo aqui ceder ao desejo que tenho de ajuntar os tragus da figura děste homem, se a. reminiscéncia mos der fielmcnte. Nao era-alto; era admiravelmente magro. Tinha olhos gra^. des e negros, e nestes olhos cintiiava uma luz inquieta,. que~ revelava um grande alvoroco de espírito. E nao era só nos olhos, que eu admirava esta volubilidade. Naquele composťo de ťei-goes, dir-se-ia que a boca era o órgao que menos falava. 1'or um contráste admirável, a íisionomia děste homem era ao mesmi>~ tempo severa, absorta e tristíssima. O pálido e o descamadn daquele rosto representaria fielm.en.te a paralisia de um cadaver, se a energia exuberarite dos olhos lhe nao vertesse um cotnoi clarao de vida. Vestia de preto, como . em luto rigoroso; e notava-se um desalinho no seu vestidb, se bem que de pronto se conhecia que era o desprezo e nao o mau gosto que presidia áquele de-sarranjo de gravata, de camisa, e. até.de simetria na abotoadura do casaco. ■ |l Ora eu nao pude. esquecer-me: desta frívola circunstáncia que menciono, porque tenho sido muito curioso em reparar ňa maneira como se vestem alguns homens, que pretendem dis-tinguir-se na sociedade, seja peio que for. ■ Tive: sempře para: mim que a primeira condicao de uni}§ homem banal; e sinceramente ■ tolo, é o cuidado com que elě compoe a gola do seu casaco, de modo que nao discrepe uma linha do talhe que o alfaiate lhe deu. Há.aí muita frivolidadc nesse espírito, que se considera tanto mais sublime, quanlo pode manter-se . direito entre os colarinhos da camisa, e vcrti-calmente equilibrado entre as duas asas do laco da sua gravata. Minha mae por condescendéncia, talvez, sorriu-se ligeirar. mentě; e eu nao pude avaliar cbmpetentemente a crítica jocosa de meu mestre; Gontinuou: ^ mistérios de lisboa 365 ..........E.. portanto, se me perguntassem que juízo fazia eu da . ,., ýisita, antes de ouvi-lo falar, diria de antemao, como i""1 ' .- .. „„,,u„ rlpnnis me sain tao ao certo com o meu 1,1111 přófeta, aquilo que depois me saiuta ^etna de julgar do monge pělo hábito Depois dos primeiros cumprimentos, o caválheiro disse-me nem era. A Sr.a Condessa adivinhou-o já. Este meníno nao tem pyeoisao de saber-lhe o nome: faca de conta que ouve fltna -lenda fantástica, em que o nome do herói é a palavra II)í;rlos curiosa do enredo. VÍ que minha mae empregava dobráda atencao, enquanto () fiadrc eontinuava: -Dito o seu nome... inútil para mim... o caválheiro ficou pf,r alguns momentos sileacioso, meíendo os dedos por entre os ttilvlos, que atirava negligentemente para tras das orelhás. Pe-$u um copo de água, pediu licenca de fumar, e alguns minu-ěos de; descanso antes de declarar a causa por que viera pro-curar^me. «Devo parecer-lhe um homem extraordinário!...»disse Hr. «Por enquanto — respondi eu — nao vejo em V. Ex." mais něm menos que um homem.» «Muito infeliz...» acrescentou elej tomando o copo de água, e dizendo ao criado que o dei-xasse licar. ..... Passados os minutos de descanso, o caválheiro, com voz pouco firmě, porém de um timbre insinuante e simpaticamente melancólico, explicou a sua vinda da seguinte maneira: «Antes de falar, poderia eu mover a compaixao de V. S." a meu favor, se pudesse chorar. Nao posso... nem jamais pode-rci. Se eu, ao menos, puder pintar bem a minha situacáo, e a de uma infeliz menina que nao posso resgatar com o meu san-gue... terei conseguido da sua caridade o que as lágrimas eon-■seguiriam.» «Fale sem reserva. Possua-se de que fala com um homem áisposto a sei-vi-lo, como se a nossa amizade fosse de muitos anos, como se V. Ex." viesse pedir ao šeu mais querido irmao um grande sacrifício.» Estas palavras reanimaram-no senšivel-mente^ dando-lhe á expressao uma firmeza.de confianga e inti-midade. «Eu nao procurei — disse ele -— quem me. apresentasse a V. S.a. Nao há difieuldades invencíveis para uma dor qué nao envergonha a pessoa que a sofře. Vim só, e nao me arrependo •de o ter feito, porque leio no bondoso rosto de V. S.a a tole-ráncia. : 1 36g MISTERIOS DE LISSoA niéncias da sua afeicao por urn homem, filho segundo como el Pediu-me, porém, que fosse seu amigo, respeitando essa mcsin' sociedade que a condenava. a Compreendi-a. No dia imediato pedi ao marques de Montezelos qUe Jn ouvisse por alguns minutos. Respondeu-me estas palavras, q,lc me foram gravadas com fogo no coracao: «Para evitar-lhe 0 embaraco de pedir-me minha filha, previno-o que nao deye instar por que eu o ouca esses minutos, Eu só dou minha filha ao homem. que me prove que é tao nobre como ela. A esta eon-dicao satisfaria V. Ex.a; mas eu só dou minha filha ao honiei« que, alem de nobre, possa provar-me que é bastante rico para fazer que ela náo tenha nunca saudades da opuléncia com q^g foi criada. Minha filha é pobre; V. Ex." é pobre; e neru eu nem o conde de Alvacoes podemos criar para nossos filhos sk-gundos um estado que envergonhe os primeiros.» Eu nao sei se balbuciei algumas palavras que ferissem a sns-ceptibilidade do marqués; é certo, porém, que me voltou as costas, dizendo-me «que espacasse quanto me fosse possivel as visitas a sua casa, para evitarmos ambos o dissabor de dar e recebér uma ordem de proibicáo completa». Senti-me vexado e corrido: envergonhei-me de mim mesmo, e cheguei quase a persuadir-me da ousadia que acabava: ife praticar, dirigindo-me ao pai de uma mulher a cujos olhos eu queria valer muilo... c o pai dessa mulher acabava dclein-brar-me que eu era um homem pobre, e desprezivel como um, viláo! G orgulho, em homem pobre, é uma paixao terrível. No rico expande-se em pompas,. que deslumbram os seus inimigos. No outro respira pela vinganca surda, quando o nao devora lentamente. ■ Lembrou-me a vinganca: sórdida, a vinganca, nao direi de um plebeu, porque os fidalgos nao se. vingam com mais cava-lheirismo, mas de um homem corrompido, que satisfaz os baixos instintos da sua alma fazendo subir o rubor da vergonha á cara de um pai que primeiro o envergonhara a ele. Esta luta do orgulho com a desonra nao důrou muito. Ven-ceu: o orgulho, mas o orgulho da probidade e da virtudc, mcu único paírimónio. ' Chorei muito, Sr, padre Dinis, tan to por mim como por ela. Por .-ela, coitadinha, que contava as hořas, e via soar a última 1íistérios dě lísbóa 369 j0 diaj sem que eu chegasse a consolá-la com uma esperanca entirosa daquelas mil que um homem inventa, quando quer coiisolar uma mulher que as decepcoes nao gastaram de t0^Eu fora doente desde o berco, e por mais de uma vez, durante a minha vida de colégio, estive perigosamente enfermo. •]\íaO poderia alguém dizer qual seria a minha mořte; mas eu siHV porque lhe conhecia os progresses por minutos. Morrer de iristeza aos dez, ou aos doze anos, parece uma fantasia de romance, mas é verdade que eu nao podia classificar as minhas doencas com outro diagnóstico. A consumpcao rápida e sombria, flUe me fora na infáncia o prelúdio desta mořte que hoje sinto matar-me, foi acelerada pelo golpe que: recebi da única máo que podia dar-mo. O pai daquele anjo convertera-se em um (.^pectro torvo, que nem o reflexo do amor da filha pódia desas-sornbrar. Mas este rancor era inofensivo, Nem eu tinha alma para o mat, nem o coracao me pedia o sangue de quern me fazia verter Iágrimas tao amargasde desesperan5ai.. : ■ Esperanija... tinha uma, mas era ainda uma mentira ins-tantánea... Lembrava-me a America, onde há muito ouro, onde se conquistam grandes posicoes na Europa, onde se tráfica com o género humano, e donde se parte depois a tirar um diploma de homem honesto em Portugal. Lembrou-me, pois, fugir a meu jiai, com a ideia da minha pobreza graVada sempře na cons-ciencia, para que nao houvesse trabalho grosseiro e baixo que me repugnasse, nem escrúpulo de honra que resistisse á minha fome de riqueza. Era necessário que a sociedade me indemni-7asse do património que me tinha roubado com a šua lei dos mórgados; e, visto que eu nao tinha lei para coňtrapor a lei, premeditava entrar na conquista da minha propriedade usur-pada coin as armas, mais ou menos astuciosas, da desonra. : Conheci que esta contrariedade a, minha geneřosa paixao rae fizera no espírito um grande estrago.. Senti-me corroldo pelo canero da ambÍ9áo, e perdoei a muitos imorais, cuja causa de pěrversáo me nao era conhecida. Vi que bem pouco bašta para a desmoralizacao do mais bem organizado espírito. A imagem ilessa inocente menina transparecia luminosa na escuridade dos raeus projectos sequiosos de ouro. Gomo o anjo da serenidade, pare.cia-me ouvi-la repreender-me a luta de perspectiva ambi-eiósa em que a minha esperan5a še empenhara. A recordacao da rrrinha passada independéncia, e do indifeřentismo com; que misterios de lissoa 391 xiii IX lgumas paginas que vao ler-se nao me pertencem: copici-as do Livro Negro de padre Dinis, como ele o intitulava. Nao fui testemunha das cenas aqui descritas. Os meus quinze anos nao puderam reter impressoes entao recebidas, porque o cspi* rito debil nao podia digeri-las. O encontro do marques de Mou-tezelos com minha mae nao conscntia a minha presenca, . uem. eu mesmo sabia que tal homem viria aquela casa. E, portanto, "vejamos o quadro, vigorosamente desenhado pelo homem que empregou o resto da sua vida perpetuando as reminiscencias" amargas do tormentoso drama de minha mae, «0 marques de Montezelos esperava sua irma na sala, as nove horas da noite. Quando o anunciei, a condessa perdett ■ inteiramente uma afectada coragem que tinha mostrado. Sus* tive-a dificilmente, encorajando-a com a precisao que tinha de~ ostentar-se forte da sua inocencia. -:~~:<,u O encontro destes dois irmaos, que ha catorze anos se. nao viam, nao se exprime. O marques reparava em sua irma com os olhos perplexos de um espanto, que pareciam duvidar da pessoa que se Ihe apresentava como condessa de Santa Barbaras: Esta, superior ao dorido ressentimento que devia irrit.ar-lhe a presenca de um homem que ajudara a cravejar-ihe os espinhos da sua coroa de martirio, caminhou para seu irmao, estendeife do-lhe a mao afectuosamente: — Angela!...—murmurou o marques, abrindo-lhe nos t.tra-50s o amparo que ela muito precisava para nao sucurnbir k convulsao. llfl^rigcJa tinha a face banhada de lágrimas. Dos bra50s.de seu Viri30> onde näo podiam as pernas sustentá-la, passou a uma (]eira. V'in-se. que, lutava com a exaltacäo dos Variados sobres-jgHos (;JUC cxperimcntava. Gada palavra, sufbcada por um so-vi»ba-lhe aos lábios. esvaecidos da angustia em raras arti- ciilacöcs. _ _ ..... J'(#tencia-me a mim quebrar aquele siléncio anitivo para: a infeliz senhora, e näo sei mesmo se aflitivo para seu irmao.''---.". ..-O Sr. Marques — disse eu -—veio pessoalmente ouvir sua irüiäi dcpois que ouviu o conde de Santa Barbara. Entre: o Igg,: Marques e sua irma está um padre, que deve parecer um tjiistéi'io para V. Ex.?. A história desse padre... a minha histó-ria--- compc(c-mc a mim contáda, e eu.farei por que, em poucos nsinutos, nem eu seja reputado o agents das negociaföes lidiilteras da Sr.* Condessa, nem V. Ex,a tenha de ouvir da boca dc sua inn;'), confissöes que nunca se. fazem sem uma grande violer.<:ia. ■- Há quinze anos que a Sr." D. Angela de Lima foi encerrada no convcnto de Nazaré, por ordern de seu pa i. Na. véspera desse dia f'»i f'erido com dois tiros o:amante desta senhora. V, Ex." Silbe que os ferimentos näo mataram imediatamente: D. Pedro tla Silva, se bem que desde esse. instante. o. desgracado fez tré-guas d c: alguns meses com a mbrte, porque o Altíssimo näo o qiiis t i rar deste mundo sem. que expiasse, com as lágrimas de ittma accäo nobre, os desvarios de uma paixäo generosa nos seus princíp! os. e lamentável nas suas consequéncias.. Conheci cntäo ľ). Pedro da. Silva,: e amei-o, i como fiiho, clcsde que o conheci. Amei-o como lilho, porque nunca me sentini mais comovido por um mancebo, que qncria salvar a i Sohra de uma menina a quern sua família sacrificaria de bom grado no altar da desonra, para depois lhe fazer a apoteose no altar do ouro... Ks t a senhora,. Sr... Marques, quando entrou no convento de ■íjäzaré, deixou no mundo um homem que a sociedade näo sjegitimara como seu marido,. mas que ö coracäo abracara cega-mmire. sem reservas, semcondicöes, e sem os receios da opiniao publica. Sua irmä, senhor, entrara em Nazaré, quando devia entrar iíhäúgreja, para que o ministro de Deus lhe absolvesse uma culpa que a sociedade alcunharia... uma desonra. Sera necessário rastrear a frase, para' ser compreendido? :. 398 MISTERTOS DE LISBOA Parece que se horroriza, Sr. Marqués!... O cigano tanibí^ " recuou horrorizado diaiite do assassino, que já nao pode ver.-: impressáo que causara no seu hóspede, porque dera em tytra com a última palavra do seu programa sanguinário. O cigano tornou nos bracos este homem, transportou-o á s^-: cama, e deitou-o com o carinho com que deitaria um seu irruáV I E, depoisj sentou-se á cabeceira do embriagado, e velou-llir 0' sono profundo, até que, aíta noite, a digestao se fizera; e o espj, rito de seu comensal procurava recordar-se da razao por | ali estava. * Come-Facas ergueu-se prazenteiro e chamou pelos camaradas.' O cigano sondou-o, antes que os seus--6amaradas viessem,•, pro. curando-lhe algumas reminiscéncias ďa conversacáo que tiverao), Nao tinha nenhuma; lembrava-se, apenas, que beberaalgu-, mas canadas de belo vinho, e cbnfessava que se sentia disposicí para uma nova bambochata. O cigano a ele só em particulap," e a título de especial simpatia, convidou-o para no dia seguinie" cear com ele, depois que a sua saída da quinta se nao feesse ■ notada. No dia seguinte, á noite, o cigano esperava com ansiedade o homem a quem apertara a mao, e chamara amigo; nao obs- , taňte, porém, este lisonjeiro título que lhe dera, o cigano prc- ' parou-se para receber o amigo como quem espera lutar com um -assassino; meteu duas pistolas em um cinturao, e uma faca de| mato no bolso da sua jaqueta de peleš. Come-Facas nao era homem que faltasse. A mesa estava posla, o vinho provocava o apetite, e o convidado cedia galhardamentc a. provocacao. Antes, porém, que o rubor da embriaguez lhe subisse ao rosto, o cigano drou da algibeira uma saca de umu : e atirou-a sobre a mesa. — Que é isto? — perguntou o Come-Facas. — É ouro — respondeu o cigano. — Conta-o, e chama-lhe teu se me fizeres um servico, que nao te custa nada. O homem abriu com sofreguidao a bolsa, e contou quarenla pecas. — Diabo!— exclarriou ele. — Tu és rico! A quem roubaste este dinheiro? jj — Que te importa? tornou o cigano. —- É teu se me ven-des a crianca que o marqués de Montezelos te mandou matar! Come-Facas ergueu-se de um pulo, e cravou no cigano uns olhos onde regorgitava o sangue da ferocidade surpreendida. MISTÉRIOS DE LISBOA 399 Quem te disse isso, alma de mil diabos? — exclamou ele, ndo a. mäo ao cabo do punhal. -' ' "j/u l — respondeu serenamente o cigano, apontandp-lhe ao ■ito a boča de uma pistola. 1* ßtjfne-Facas estacou nesse espasnio estúpido, täo vulgär em c da sua condicäo. Deixou o seu punhal na bainha, com ^01lgúáricia, e cedeu prontamente näo sei se ä boča da pistola, c ,tó-'éspanto em que o deixara aquele «tu!» proferido com a jgfírme presenca de corpo, que para tal homem valia mais tiue a ri'fsenca de espirito. .— Senta-te — lhe disse o cigano, metendo tranquilamente a njstola no correäo —, senta-te e conversa comigo em boa ami-zade- In ^em v^s que eu sei o teu passado, o teu presente e o ieu futuro- Bern ves que eu, se näo simpatizasse com a tua cara, podia cntregar-te ä justica, e näo só dar cabo de ti, mas até atirar com teu amo ás Pedras Negras. Vé lá como säo as cousas! Näo só te näo faco mal, mas até te quero dar dinheiro, e livrar-te, por tal preco, de matares uma criancinha. - .— Mas que demónio te disse que eu queria matar a tal crianca? ; - - Já te disse que foste tu em carne e osso. Estavas bébedo, homem... acabemos com isto; foi o vinho que te fez franco čolno deve ser um leal amigo. Näo te lembras que jantaste on-tein comigo? Oh! diabo! entäo os outros criados do marqués ouviram!,.. Gom mil raios de diabos, estou perdido!... -- Näo ouviram nada... Quando tu falaste a sós comigo já cles rcssonavam como trés porcos a grunhir!... Por isso fico eu. O segredo até ontem era de trés, agora é de quatro... Tu rece-bes a crianca: näo a matas, entregas-rna, recebes quarenta pe-ias/e dizes ao marqués que a crianca está enterrada... - li tu pra que queres essa crianca? — Que te importa a ti? Imagina que quero um enjeitado de quem hei-de fazer um potreiro de primeira ordern, e um pequeno cigano, fino como o diabo!... Eu sou rico, e näo tenho lilho ntun íilha, nem mulher, nem sobrinho que me caísse no goto cá pra o modo de vida em que me ves; e quem houver de apanhar-me as manadas de potros há-de ser homem de se atirar cm pělo para cima de uma faca, e saltar por cima de ti pra a outra banda. Ora a tal crianca, se for rapariga, hás-de vé-la claqui a doze anos fugir como um raio por essas campinas sobre 400 MISTERIOS DE LISBOA MISTÉRIOS DE LISBOA 401 a melhor egua do Alentejo; Se for rapaz, isso entao, men car0. ha-cle ser como se quer. Neto de marqueses e de condes,^.^. ter costela de cigano a preceito. Os fidalgos da nossa tcn,-> ^ a raca que mais se confunde com a nossa. Nao ha. cigano me bote agua as maos ai nas feiras. Palmada que deem na atieA de um cavalo de nora, fazem-no estremecer como um:gjUete puritano de Alter, ferrado pelos acicates do mais habil ma. rialva. Ora ai tens para que eu quero a tal crianca. Se fcsse teu filho nao me servia de nada, porque de um dptimo jogaicanhol, oradoras encartadas no conventiculo. As marquesas jf/'Santa Eulalia, e Simäes tinhani voto definitivo, nd correr ('l0sidepoimentos; logo que estas disseram: «Pouca yergonha!» "jjj-adavam todas em torn pävido e cavernoso: «Pouca vergonha!» Os. cavalheiros presentes eram a nata da sociedade lisbo-ni-Qse, e alguns titulares provincianos que pertenciam ao. exer-cito. Entre. todos, porem, e.digno de especial mencäq um intruso na fileira: dos nobres, que, na sessao: da ultima quarta-feira, tinha sido o assunto da detrac.cäo. ■. Este hörnern ha,p.oneos meses. aparecera cvn Lisbon, osten-tando marayilhas de uma riqueza fabulosa.. Os seus trens.depri-jijiam o orgulho dos palacianos. O seu palacete, edificado com presteza mägica, e. arreado das mais soberbas invencöes do.ouro, irritara a dureza insolente dos senhores donatärios. ... Alberto de Magalbäes viera do Brasil. Quando, e donde fora, ninguem o sabia,. nem ele dava lugar a perguntarem-lho. Ä propensäo para o misterioso encarregara-se de o celebrizar. 0 hörnern apresentava-se bem.. Näo era mclindroso. nas formasj mas no todo agradava pela harmonia. Representa.va quarenta anos. Contra o uso, caprichava em um espesso bigodei negro, q,ue Hie aprofundava. os sulcos da face, mais. terrena. que rnaci-lenta. O seu olhar era soberano, e ao mesmo tempo assustador. Fixando com atenfäo, franzia a testa, e aparenlava um. dolo-roso aborreeimento. Ealava poueo;. mas ninguem disse que o seu silencio era cäleulo na estupidez. O que falava era correcto e sentencioso, - Fizera-se intei-essante na. corte, porque viera do Rio de Janeiro recomendado por uma notabilidade,. que vigiava de perto as. intencöes de D. Pedro a respeito de Portugal. Ö governo, preocupadq com a certeza de uma guerra demorada, abraeava todos os recursos para alimentär a coragem do exercito. Al- 444 MISTERIOS DE LISBOA MISTÉRIOS DE ĹISBÓA berto de Mägalhäes deu, ä primeira inštancia que lite fizct,l(ri uma avultada quantia. Proclamaram-no benemérito, e abripa^ -se-lhe os saiöes da aristocracia, sem lbe perguntareni quern ej'a e donde vinha. Näo tinha alguém que lhe chamasse irmäo <Í{X • parente. Era só. A curiosidade raláva-se com este segredo. (jj.a i necessário dar pasto äs conjecturas. Uns queriam que fosse uin1 espiäo de D. Pedro, dispondo de uma fortuna que devia ser empregada em arruinar o tronô e o altar. Outros tinham-o ^ conta de um aventureiro, que enriquecéu na mércancia ignóbil" da escravatura. Este afianc^va que ouvira dizer. ä pessoa fide, digna que esse homem for a piráta nas costas brašileiras. Aquele-com ares misteriösos, dizia qué Alberto de Mägalhäes era fuha bastardo de D.Joäo VI e de uma acafäta de D. Maria I. Qiiandn este boato extravagante circuioü, alguns fisionomistas -célebre* juraram que o beico inferior de Alberto era um beico gennfno da casa de Braganea. Todas estas opiniöes tinham sido discütidas nervosamente cm casa da marquesa de Alfarela, na quarta-feira anterior äquda em que a condessa de Santa Barbara, com o gravíssimo pro-cesso do adultério, veio substituir a sindicánciá natalícia do homem célebre, desde a degradacäo da espionágem até ä genealógia de reis. Achava-se ele presente, mas ao que parcci i, estranho a discussäo. E o que näo podiam supoŕtar as ilustrcs damas empenhádas em dar a pošsível elasticidade ä malerii-čéncia. A condessa de Penacova, que ácabava de expor näo só o que ouvira a respeito de sua indigna prima, a condéssa de Santa Barbara, mas até o que pudera inventár no calor da exposicäo. voltoü-se pára Alberto de Magalhäéš, e disse com azedume: | :—De que está a sorrir-se, Sr. Alberto? • É de V. Ex.1 — responďeu ele, amaciando as guias do bigode, sem IeVantár oš olhos dos pés da senhora que o intčr-pelära rüdernerite. ^ J—De mim!? —-redarguiu éla, vérmelha de ŕaiva. •—Do mundo, Sr.a Condessa. — Näo o compreendo... ■<>■■ If :; —Nem nós... — disseram em coro äs oüiras senhoras, com _ uma visagem de fastio. k ■'—Näo tenho eu culpa, minhas senhoras — replicou o im-perturbávei Alberto de Mägalhäes, sem mudar a vista dos pes da condessa de Penacova. & É célebre este senhor!...—tornou eJa, dilataňdo os lábioš e0jiji -um sorrisd de aborrecida, expressäo täo graciosa, 1 como jfOtnbeteira, capaz de dar cm terra com o orgulho de um homem; Alberto sorriu-se outra' vez, olhou-a de revés, como quem se převine dos denies de um gozo que ladŕa, e disse maviosä- — V. Ex." quer que eu diga que á condessa de Santa Bár-jjará é a vergonhá da fidalguia, näo é veŕdäde? . —Näo lhe peco a sua opiniäó, cavalheiro. O que eu queria era merecer-lhe a delieadezä: de liäo rir, quando eu falar séria-' mente. ........— V. Ex." näo fala scriametite. -- ťorqué? ' - Porque V; Ex:* disse entre muitáš' máximäs da sua elo-quente indignacäo que bastavam as intencôes, embora malo-gradas, para mancharem ä melindrósa ŕeputacäo de uma seshora de näseimentd. — E entäo? — • V. Ex." zombäva eonnoseo. — - Ousa muito, Sr. Alberto!... — Em que, minha querida Sr." condessa de Penacova? ■.— Em supor qué nao1 cohsagro um '■ sincere- cul to: a os prin-dpios de moral qué estäbelégo. ■ - - Ľu näo dišše tánto.v- O que eu disse é que V. Ex." näo éra capaz de sacfificar, como Santa Luzia, os seus belos olhos a esses principles. Isso é um irisuho! — exclämóu D. Máriinho dc Almeida, fitando Alberto com arrogáriciäv1 —• Aquela senhora — respondeu o incognito sérehämente, in-dicando a condessa■— digo que näo é. A V. Ex," digo... que o afome como quiser. .....— E uma provocacäo? — interrogou D. Martinho. Ě ociosa a pergunta. Eu näo o provoco, senhor. Tenho ífcsatisfacäo de lhe dizer que V- Ex." näo me dá cuidado, nem ute magoou ligeiťamente. —■ Mas, Sr. Alberto, se é cavalheiro, dé-me uma explicacäo do seu sorriso. ..... .— Näo queira, minha senhora. — Quero, exijo, e emprazo a sua honra para que o faca. — O que, em boa honra, podia dizer a V. Ex.", disse-o já. É uma cousa simplicíssima. A condessa de Santa Barbara näo 446 MISTERIOS DE LrgBOA podC;Ser jiilgada aqui.. Os. aforismos morais de V. Ex.3 säo ^ quíyeis. A samaritána pode passar, que ninguérn.levantará m^"" pedra contra ela. — Sr. Alberto de, Magalhäes, hei-de: pedir-lhe uma expliCiV cäo! —- disse D. Martinho, tocando-lhe no ombro. — Fez mal em me tocar, Sr. D. Martinho de Almeida. j.;SSa friyolidade dizia-se: de longe.. Alberto levantou-se sem a ménor altera.cao na. íisii>nomia eu !imaginei...; Nao me iludi...'; Agora ouvi-me. Eu nas.ci no -Minho. Meu pai era um fidalgd mais antigo que os reis desta terra. Sem os patriarcas da minim fanulia, Portugal seria hoje uma: nesga. de Espanha, e Afonso VI de Gastela sepultaria em Guimaraes a rebeidia do conde Henrique, e Jesus Gristo nao viria no campo de Oufiquei profetizar a derrota dos cinco reis mouros. Bern vedes que a ironia salva-me da imputacao que. farieis a balofa Vaidade do meu nascimento. Eu fui educado'Iivremente. Nasci com maus instintos, e fran-quearan>me: carta branca para : dispor k larga do ouro com -que servia prodigamente as minhas imoralidades. Tive tedio de mini, quando cheguei aos vinte e tres anos sem o estimulo de uma paixao nobre, sem uma afeicao pura por uma so de tantas mulheres que atirei a. desonra, como far-dos insuportaveis, suposto que na consciencia me nao pesassem nada. ' : Por esses tempos o conde de V'iso... reparai que vos nao escondo circunstancia nenhuma... se vos nao disse ainda o meu nome, logo vo-Io direi...o conde deViso veio viver na casa de sua mulher, com quem casou no Minho. A. condessa fora edu-cada em Lisboa. Vi-a casada; nao a conhecera solteira; Esta mulher tinha tudo que perde um homem. Era de uma formo- ■ sura peregrina, e de um espirito enriquecido por tal arte com os dotes da inteligencia; que, pelo amor de tal mulher, pelos - fos desperdicados ao homem bocal com que a casaram, eu 3 ia urrl arlJ0' e um demonio, seria um virtuoso humilhado a S ,1» o mundo para domina-la a ela, seria um assassino dos meus iroSj sc a condicao do meu dominio fosse tal. Um homem 1 le^serit.e assim nao e seu, nem da virtude, nem do crime, nem je DfiiiSi nem da sociedade... dela... e o que ela quiser que 0 conde de Viso era general. Rustico. e aspero da rudeza je soldado, sem trato com as sensacoes: delicadas, e sem arti-flcio* para fingir-se com a melindrosa mulher que. as conve-„jeiicias socials lhe escravizaram, nunca se lembrbu de medir 0 abismo que os sejaarava, nem prever as batalhas que se davam jio coracao da odalisca, que reage contra a desabrida conde-oa^ao de um cativeiro, em posse de um sultao, autorizado pelo sai;rainento do divino preceito, segundo dizem os; casufstas de 0 timbre da sua voz nao tinha inflexdes. Mand.ava carregar "0s esquadroes, como chamava sua mulher para arrolar os alquei-jcs tie milho que entravam nas tulhas. Goncebera a ideia deque ha homens que vieram. organizados; para, generais;; que. .o seu pffcio, na guerra, e matar e morrer: e,:na paz, recordar bata-)|jas, pedir uma comenda para cada ferida, apontar as paredes atrds das quais os seus colegas se esconderam em tal refrega, e "procurar uma mulher, sem a qual nao ha: outra niaquina de eriar representantes de glorias, que a patria agradecida jamais esquecera. .;. , () conde de Viso era assim,. e sua mulher era uma alma aaelantej abrasada^ cheia de quimeras, conspirando contra tudo que ha.j. porque< as .suas ambi^oes. eram itudo. que nao ha. - Eu entrei em casa do general como quem vai estudar o ter-reho de uma I batalha infalfvel. O meu; orgulho dava-me de antemao os emboras do triunfo. As prdbabilidades eram todas minhas, ainda mesmo que afama do meu nome entrasse ali, primeiro que eu, a acirrar os grosseiros ciumes do conde, e indis-por a fina sensibilidade: da condessa. : ■ A estrategia era torpe. Napresenca daquela mulliev os meus pianos calram. Olhou-me de um modq que parecia dizer-me: ; «Recua, miseravel!» Recuei. Queimava-se-me a cabeca, cheia de fantasias ardentes, e doia-me o coracao de magoas nunea sentidas, do esperancas, que me pareciam desenganos ao. meu := amor-proprio... de, ansias que nab tinham desafogo sem ela. 516 MISTERIOS DE LISBOA MISTÉB.IOS DE LTSBOA 517 silenciosa e impassivel como um sarcasmo ä minha uma expiasäo das baratas vanglórias que me dera a hábí! fídia. Era a minha primeira paixäo. Ahmentei-a com lágrii nerosas. Senti-me outro na alma. Vieram-me subitarn« propensöes para o bem. O coracao abriu-se-me aos senti ternos, ä compaixäo pelos pobres, ä meditacäo dolorosa tante para com os infelizes. A natureza, tudo isto que im e nos näo cativa um afecto, porque o tumulto dé pd\ didas nos separam do belo, pareceu-me formosa ,e espleni' um reflexo daquela mulher, que viera, como um anjo reconcihar-me com a virtude. Estranhais esta linguagem calorosa num velho de: setcnta t ' sete anos? : A impressäo deixou um sulco indelével. Esta suave reminiscéncia em minha alma é como a flor de toda a vi garfanij despojando-se das glorias do seu orgulho estéril; da sua t^sciéncia, pura sim, más incapaz de sanar. as feridas da vai-(|adc... Sucumbem todas... Sucúrnbem, padre Dims, quando á paciencia do amante séaproveita das impaciéncias do marido... gra assim o mundo, é, e sévto-á sempře.... Seräo . todas ..como ä|pela, quando. uma verdadeira paixäo, fertil.de recursos, as «quietar na sua tranquilidade sem-sabor, naquela sua íntima -pabifäo de viver com um out.ro homem, que lhes saiba colher as florcs da alma, e.näo as aprecie somente pelas formas exte-riores... ..; 768 MISTERIOS DE LISBOA mistér10s DE ■ LISBOA 769 humor de suas cartas. O que ele näo podia sofrer era o im]. inglés, as minúcias rabugentas dos mestres de gravata bry casaca pontiaguda, e calca a meia-canela. Obrigavam-no a SCll' ■ tar-se com as pernas perpendiculares, e o pescoco a prurito 1 Pedro da Silva, pelos modos, queria cruzar uma pefna sobre a' outra, e dar ao pescoco todos os giros que a próvida natiueza ! planizara quando deu äs vertebras ccrvicais o movimentö. M,,n_ s davam-no comer, direito e retesado, um palmo afastado da s mesa, de modo que uma linha perpendicular tirada da ponta do nariz caisse sobre os dois joelhos hermeticamente chegados como os do aprendiz do sapateiro que näo pode com o reboJo. Mandavam-no, finalmente, falár pouco, e esse pouco obriga. vam-no a falar com a garganta, penoso arbitrio que D. Vp([ro da Silva cumpriria facilmente se metesse na goela uma espiaha de peixe, condicao necessária para falar o inglés sern auxilio. dé: mestre. Estas é muitás oütras razöes alegava o colegial nas ^shíis cartas a padre Dinis. Äs escritas a sua mäe eram muito poucas. Á condessa de Santa Barbara nas cartas ;a seu íiiho, em estilo' ascético, revelava uma transüguracäo moral, que, gracas aö fradc franciscano, também desfigurava os šentimentos exallados que: lhe viníos por;seu filho. Metade da sua alma tinham-lha-fanatizado: a outra nietade, votada para; ó mundo,: era de padre Pedro da Silva, porém, näo compreéndia sernelhantesdis-tirigöes. Retirando dě Portugal, o ressentimento ia com ele. Sua -mäe, pelo facto de ser virtuosa viúva do conde de Santa Barbara,1 näö ä: julgou ele obrigada ao sacrifício dos deveres con-traídos com seu pai antes de sér esposa do algoz, que só ä beiia' do túmulo fóra-hónrado. Se o mancebó tinha razäo:, näo ö diremos nós. A questáo é toda moral. Que ä rešolvam os moralistas como devia dc ser aquele austero capucho, de cuja instrucäo duvidava padre Dinis. Do que fica dito näo se deduza que Pedro da Silva era uma alma banal, hitil, e neciamente folgaza. Do contrario queixa-vam-se ös mestres e os discípulos1. Aós dezesseis a nos, os proprio* ingleses, que parece monopolizarem o enojo melancólico, adrm> ravam-lhe a habitual coneentracao, o amor doermo, a rude/a do trato, e o thsiio corn que olhava os divertimentos dos colegas. Ä hora da aulai procuravam-o no quarto para o reprcen-derem, e cncontravaui-no absoivido cm mcditacocs impróprias; ja sua idade. Perguntando-lhe se queria yoltar ä pátria, res-tondia que näo; se queria sair do colégio, que.näo; se lhe desa-L.idava a ciéncia, que näo; se tinha alguma, cousa a pedir, Note-se, todavia, que a ciéncia näo podia ser-lhe dissaborosa, p0rque em boa verdade era manjar que ele näo tinha provado ctíi Inglaterra. De livros ingleses devorara todas as novelas de Ana Rad-fliiffi) e traduzira os Mistérios de Udolfo, que lhe merecera, entre todos, uma predilecta preferéncia. De resto, näo lia nada útil, nem abria as páginas dps livros ja aula.- Pedro da Silva era poeta. As extemporáneas melanco-feSj que o indispunhara contra a sociedade frívola que o ro-deava, e contra os estudos indigestos dos, primeiros anos, eram ^üincubacäo do estro, o doloroso parto da primeira poesia, que naseču balbuciante ao pé de uma flor. Avarento dos seus přimel ros sonhos metrificados, ninguém lhos cónheceu, ninguém lhos entenderia, porque, trěs anos depois, o proprio poeta näo ,p6de conceber o estado de sua alma quando os escrevera. Era o amor? a saudade? a esperanca? Era tudo, sentido no mundo interior do moco aps dezesseis anos, e exprimido pela palavra 'nubelosa, que depois se esquece, como palavras que nos foram dilas por uma fada em um sonho venturoso. Näo idealizemos muito, que o tempo näo vai para isso. Materialmente, näo há nada inexplicável; todos entendem, Sub-tilezas de espírito, deixemo-Jas a cargo de cada um que sentir em si o éter expansivo dos arroubamentos. A ultima carta que recebera de padre Dinis anunciava-lhe -a. mořte de sua mäe, ocultos quase todos os pormenores do ultimo quadro dessa tragédia, O filho da condessa de Santa Barbara reconcentrou-se, chorou raras lágrimas, pensou longos dias e noites intermináveis; pediu, alegando as razöes que tinha, dispensa das obrigagpes de colegial, e inspirou receio aos mestres. O director, que continuava areceber regularmente tudo que era preciso para o seu aluno, doía-lhe na honrada consciéncia a despesa infrutuosa do colegial, e dirigiu-se ä pessoa que em Londres curava; da sua educacäo. Disseram-lhe que em Lisboa já näo existia a pessoa com quem se entendia; mas que, por via de uma outra, continuava a receber reiteradas recomenda-cöes para que Pedro da Silva näo sentissé a mais ligeira falta, t; 25 — Vol, i 770 MISTERIOS DE IJSBOA MISTE RIOS DE LISBOA 771 nem as contrariedades que era costume opor äos inocos čduc dos em Inglaterra. Estas recomendacöes vinham da casa Saltan" & C.a, até certo tempo; depois, falecido Salema, e cxtinia sua casa comercial, as ordens vinham de um particular;' O leitor recorda-se de ter sido entregue a Alberto de \u ' galhäes o património do filho da condessa, quarenta conti^ * réis, que o padre recebera da mäo daquele que, quinze A«nS' antes, recebera quarenta pegas, preco do neto do"marqui\ ,i Montezelos, da mäo do padre, na quinta das Alcátjovas; Alberto, conservando o segredo que pedira energieampujc ao cigano Sabino Cabra, transfigurado em padre' Oinis Ranjn. lho, encarregara o seu amigo Campos Salema de fazer \w\ál em Londres os menores desejos do filho de Angela de Luaai Salema, porém, morrera passados meses; e os encargos ari-rrg de D. Pedro da Silva passaram para um nome suposto, vist« que Alberto, de modo nenhum, queria ftgurar neste negócio qualquer que fosse a sua maneira de ver as cousas. Mr. Hunt, honrado director do colégio, dois anos depois quo recebera o aluno, e täo pouco aproveitado o tempo via, fez saber para Lisboa que, alem de despesas inúteis, a saúdc do discípulo era cada vez mais débil> e a idade perigosa, especial, mentě nos nevoeiros de Londres. O correspondente portugucs mandou que D. Pedro da Silva fosse transferido para Paris, se o quisesse. Decerto, queria. Recebeu a boa nova com sobics- -salto, e instalou-se em Paris, näo etu colégio, mas entregue aos čuidados de uma família que vendiamuito caros; os seus rui-dados, mas enfim cuidava de inventář carinhos novos para ajuti-tar ä mensalidade novas libras. ■■'■■■ D. Pedro vivia em Paris, menos ocioso e meditativo. Ete-quentava um curso de Belas-Letras. Mudarä de paladar inte-lectual. DetestaVa Radcliffe, sua literatura favorita de dois anos' antes; entusiasmava-se com Lamartine, e via tudo colorido dojlj rhelaňcólico aizul do poeta das Meditates. O lirismo trazian> pur aéreas regioes. A ansiedade precoce de um amor indefinido u>n-vidava-o a provař o poino, cujo sabor espiritual as endeixas da época disputavam ao materialismo da escola que expirou, quando as estrofes de Lamartine, bebidas na prosa de Chateaubriand, poetizaram a dor como um adorno das almas privilegiadas. ' O nosso mancebo estava francés, em toda a extensäo da pälavra. Em redor tumultuava-lhe uma sociedade, riea. de cnco-bertos tesourosi,. que Ihe excitavam o coracäo mais apaixonado„. curioso. Balzac desflorava-lhe muitas ilusoes, e Pedro da giiva detestava Balzac. Por esse: tempo Gautier publicava: as ■ Qiras Humorlslicas, enäo esteye longe de ser desaŕiado pelp cán-' ^jflo colegial de Londres. O que ele queria era ser hörnern, „qjjjnhoar do fei e do maná, que trasbořdava nos romances e -08 poesia, sua predilecta. Queria, enfim, vazar-se nos grandes pokles que fantasiara na imaginagäo escandecida. .. Aos dezenove anos era-lhe: insuportável: a obscuridade. As portas do grande mundo, estavam-lhe fechadas; No tumultuar dos .salóes do bairro Saint-Germain nao cicia.vam-.ps murmúrios apai-Tjtortados da sua: alma atormentada; pela sede daqueles gozos., ~; Estes desejos manifestou-os á família com quem vivia,. e pou-g0s dias depois saíam de Lisboa cařtas, que seryiriam de apre-«sentacä,o de Pedro da Silva äs notabilidades da aristocracia de „j^ngue e de dinheiro. Näo era só isto. O jovem, perplexo da ľfdicidade que näo ousara: prever täo cedo . realizada,. era ■ pos-suiclor de um carro, dois cavalos, dois lacaios, e o luxo correspondente. ■ Á sua; entrada no ambicíonado eden näo encontrou o anjo $io gládio ardente a estorvar-lhe o passo. Foi bem recebido, e :bém aconselhado. . Os mancebos, mais yelhos: poucos anos, di-"žiam-lhe que erai necessáriq desembaracar-se. As damas davam-iíílhc camélias e Jasmins para assunto de ligeiras poesias, que o gcanhado m05o näp Iia, mas entregava com a mäo trémula, e o pejo de noyi?o no rosto. O bando dos arruinados no corpo, na alma, e na: fortuna, rodeayam-no, mas quase nunca o encontravam só para o iníciarem liberalmente nos mistérios da scita. A sombra de Pedro da Silva era um yelho fidalgo, que lhe näp: tolhia o gozo, do que era legítimo gozo, e media-lhe a polegadas o přofundo abismo que o ameagaya por debaixo de um alcatifado de flores. . O mancebo foi docil, enquanto a obediéncia näo era sacri-fício. O que devia decidi-lo näo eram os conselhos paternais do velho ministro de Luis XVIII; mas o coracäo, motor des-pótico de todas as,molas da máquina humana, esse sim. . Na Primavera de 1837, D, Pedro da Silva acompanhou o seu mentor aos subúrbios; de Angouléme, onde o visconde de Armagnac costumava passar o Estio em: uma quinta. O mancebo, ainda poeta de coracäo, almejava as flores, o matiz verde dos campos, a íinfa cris.talina dos regatos, a borboleta namorada 772 MISTE RIOS DE MSB OA MISTÉRIOS DE LISBOA 773 do botáo esquivo do lirio, os horizontes, e o céu, e as bri eternamente azuis de Lamar tine. as Nao foi, portanto, forcado para a província, O idilio. o seu cortejo de faunos e dríades, acenava-lhe de lá Coin! urn 1 grinalda de rosmaninho e madressilva. Nao se rv.un, [<>ii(,rf.,s da languidez do estilo: na mocidade sente-se isto; e, se nSn i(! lembram de o terem sentido, nem saudades Ihe vihn d.e 1; podem ser excelentes pessoas, podem ter provado tudo qu,. t| bom para o corpo; mas o que nao tiveram, nem já agora těi3(, 6 o paladar dos gozos da inteligéncia. Isto é por falar, mr]]^ drosos leitores. Eu creio piamente que todos sois, alem de h0lls -pessoas, mais ou menos poetas. Se me engano, nao perdernoo nada de parte a parte. O filho de Angela de Lima nada perdeu também>sairido-de Paris. ■ A sociedade i vista de perto, parecera-lhe cousa muito-uiie-rente do que os romances Ihe pintaram, Nao vira heroinas* nera heróis. Em toda a parte se comia, conversava, passeava, e doi-mia da maneira mais positiva e trivial que é possíveL Os'ipi-sódios estrondosos, poetizados por paixoes devastadoraS; nao os presenciou, nem Ihe coňstou que se dessem; Nos salSes as daiuas frivolas falavam de vestidos, as preciosas questionavam o merita literário das Meditagdes ě das Orientals, com grande enfatuamento e prodigalidade de sandices ditas com ;muito espírito,; que (- o que as francesas tem de mais nobre todas, as hermafroditas dó mundo moral. As velhas faziam trejeitos enjoados, a cada nv>-mento, estudados das novas. Os : homens falavam em fundos, em Luis Filipe, em Henrique V, em Argel, e em outras muitus cousas que reduzem o poeta á condicao de úrh ente nulo nus graves negócios da vida; E por isso, Pedro da Silva come^ava a aborrecer-se do Paris, e da sua decantada sociedade, quando saiu para Angoulěnif. Verdade é que Ihe nao era indiferente a certeza de absoluta privafao de sociedade na quinta do seu amigo, onde apenas alguns fidalgos circunvizinhos tomavam o chá do antigo uii-nistro, e discutiam as necessidades do departamento até ás drz horas, em que era um escándalo nao estar na cama. Qualquer que fosse a vida enfadonha a que se sacrificava por alguns meses, o poeta, aborrecido do rumor incessante de Paris, saudava a solidáo, e esperava cantar todas as árvow* d,i encosta, todas as luas cheias, todas as fontinhas suburbanas, e Se prometia procurar em alguma parte as brisas azuis de f'^riartine, brisas decerto exóticas em Paris, ohde näo as vira, ! grande mágoa sua. Iristalado nos quase pardieiros feudais do seu amigo, Pedro Magalhäes veio cumprimentár os padrinhos de p, Pedro da Silva, que apresentaram Mr. Alfred d'Elbene aos ::$l(jnnhos do seu adwtsário. ;■ 0 filho de Angela de Lima; näo denunciava o menor sin-"(eflia de pusilanimidade.■;: f. Alberto, mais pálido que ele, mediu-o. com um destes olhares ostentacao, de piedadej ou de pásmo. Voltou-se, depois, para . s marqués dé Montezelos.- ■ - - Pergunte ao. seu afilhado: qúe arma qner. - - Sej a qualifor-—respondeu, obviando ä pergunta de inútil • forniahdadr, D. Pedro da Silva. ,.• — Os franceses tem a primažia, do florete entre todas. as -Baföes. Sr. Marqués, :queira dar um florele a Mr. d'Elbene. 1). Pedro, com admirável iiíipassibihdade, despiu. o fraque, ifi colete,; as luväs, recebeu :o florete, .e colocou-se em frente de Alberto, que se despia:vagarosamente,: como quem receia uma ; constipacao. - Parece que Alberto tem medo!.., — segredou o conde ao ; oavido do marqués. : - .: — '1'ambém me parece!...: Devia ser honilo, se o petit-maíire ívinha a Portugal dar uma eseovadela no chevalier suns peur, que i-atirou com D. Martinho de Almeida, ao Tejö... ...... — (Quando defendia vossa irma, de uma calúnia;1 ultrajante á sua honray Sr.. Marqués! () irmäo da condessaencarou com azedume o conde. ^quell ias-palavras'er am: uin.buído. sarcasm que^o irmäo de D. Pedro ,i cla: Silva dardejavá sobre o seu, velho: inimigo, sempře que podia. :::-i ■: :Este . diálogo ■ mndo foi distřaídó1' pelo combate que: princi-i--piava;-::Di.: Pedros atirava ao seu adversário alguns golpes mor-■ tais, que::revelavam mais ódio que ciéncia na. arma.. Alberto , desviou-lhos, recuando, e o mancebo alucirtado, contando com i o seu triunfo, avancava quanto o seu contendor recuaVa.. i. ■ ■■ Proximo - a um Comoro, qüe formava: uma. espécieí de devesa no campo, Alberto viuy de relance, que. näo podiä.recuar. A este 838 MISTE RIOS: DE LISBOA misté1uos de lisboa 839 tempo, os padrinhos, de parte a parte, julgavam-no cm graňli desvantagem e perigo iminente.. 0 — Agora recuareis vós, meu caro: senhor^ que eunäo p0Ss recüar mais ^ disse Alberto čom urbaňo sorriso, como q«eni diz um galanteio a uma dáma, D. Pedro, que até aqui fora agressor, sem tálvez se> Ie duvidosos, e confessarain na sua consciéncia.; que; Mr. Alfred. d?Elběne podia ter morrido, pělo: mehos, duas vezeš. D. Pedro perdeu a cabeca. O. orgulho" revoltou-se contra a generosidade. A.defesa, que täo necessária Ihe era, tornou-se em desatinada agressäo. O seu florete con-vertera-se em arma de assassino: tentava golpes ;traicoeiros, bal-dados pela fria intrepidez do adversário; fitani-lhe o eoraeäo como o alvo a que višavam;as ultimas pontarias do ferro, sempře repelido. Era o ódio, a vcrgonha, ou a desesperacäo delirante acometendo com ímpetos inúteis uma estátua de bronze. Alberte de Magalhäes, receando um acaso que fizesse. ferir. o mho:de; Angela de Lima, fez-lhe saltar o florete fora das mäos, e coloeou' a ponta do seu sobre o pé, esperando a resdlucäo dos padrinhos. Estes, porénv intervieram, declařando impraticável, a cobt ' tinuacaoda peleja; com arma em que Alberto de; Magalhäes era incalculavelmente superior. Uma das testemunhas, por parte dele, declarou que Mř. : Alfred ďElběne näo soubera. atastar vinte golpes mortals, que o cavalheiro adversário generosatncnte renunciou. Dizia-se, pois, que prescindissem do florete, e. quo se batessem. á pistola.; ; D. Pedro da Silva hesitou um momento na resposta: O cora-cäo : manda va-o abracar aquek; hörnern: a caheya reagia em notné do. cavalhěirismoj que é uma virtude particular nos duelos, t " MU qual muitas misérias se nobilitám,: e. muitas sandices se »ram com os arminhos de uma honra de convencäo.: . fenceu a cabeca. D.: Pedro disse que aceitava o alvitre da aula. Alberto encarou-o com piedade, e a:soberba do moco íníiu-se ultrajada, como anós antes, quando o seu companheiro ■ u o beijo nada macio de um cacto. . k- Os padrinhos carregavam as pistolas, quando Alberto ; de .^i'-alhäes pediu uma entrevista de alguns minutos com Mr. Ab d'Elbene. () supósto francés, sem consultar os árbitros. da sua honra, ■^e o nao conheciam; melhor que a sua nacäo,: desviou-se com tíberto de Magalhäes. -—■ Como nos vamos bater -■—disse Alberto ■—com uma arma äjjUique as balas se näo fazem resvalar para o.chäo como a ponta If um florete, é muito possível que um de nós caia morto. Entre " gis;, porém, há certos negdcios que nós privam de morrer como jfcis irracionais. Certos negódos! .it.alhou 1). Pedro.;: a - E negócios que precisam de certas disposicöes testamen-iiárias... — Näo o entendo, Sr. Magalhäes. — Eu vou fazer-me entender. Eu sou depositário de cem gril cruzados, que säo o património de D. Pedro da Silva, filho de outro D. Pedro da Silva, e de D. Angela de; Lima. Padre Diuis Ramalho e Sousa cncarregou-mc da administracäo deste ilinhciio. — Ao senhor!—exclamou D. Pedro. — A mim. Um. incidente, qualquer que cle sejá, colocou--Bos na precisäo de nos matarmos...: Se eu morro, é necessário que V. Ex.0 saiba onde pára o seu património, porque ninguém i saberia depois dizer quern era o seu tutor. Se V. Ex.1: morre, é necessário que me diga a aplicacäo que hei-de dar a tal dinheiro. I.......—-Sr. Alberto... O que: me diz é uma cousa que me per- i turba de modo que näo sei o que lhe respondal Eu estou inca-i paz de responder!... Preciso que falemos mais Iargamente. I —Gonvenho... Em tal caso adiemos o; duelo,: näo é assim? I —-'Se me näo é. desonroso... ; —De modo nenhum. • Alberto de Magalliäes dirigiu-se ao grupo das testemunhas : ! —Meus amigos,: Mr.: d'Elbene. acaba; de aceiťar-me: algumas ' explicajöes, que desagravam por alguns diás os seus brios ofen- 840 MISTERÍOS DE LISBOA mistérios de lisboa 841 didos.: Há outras expHcacÖes a darem-se, e näo podem^er a ■ definitivamente determřnadas as. nossas respectivas posijoes S,f reis avisados do resultado, qualquer qúe cle seja. Por hoje vossa missäo, nobremente desempenhada, termina aqui; Mj Jy*; fred ďElběne, dai-me a honra de entrar na minim > e.irríi,"; gem, Depositai em mim, e na vossa coragem, conřianga \[\Htí • tada. ■ Apertaram-se as mäos, abra$aram■ os. padrinhos, c pariii^ Já na carruagem, disse Alberto: "i —; Quer entrar em minha casa, ou no seu hotel? v :. — É-me indiferente; o que eu necessito, e já, é que- mc ex-5 plaque, Sr. Magalhäes, a importáncia que me vejo obrigado-^ confessar. que V. Ex,a tem na' minha vida. . — É issojustamenteque eu Ihe näo explico, Sr. D. Pedro. ^ Porquč? Devo acreditar a necessidade desse mistério? — Deve, se näo. acreditar- a necessidade, ao menos resig. nar-se a ignorá-Io... — V. Ex.a tem' sidd o administrador do meu patrimóiiio? Já lhe disse que sim. — O correspondente que me faz dar em Paris as, minhns mesadas? —-É a obrigacao que me foi imposta por padrc Dinis. — Onde está pádre Dinis? — Nas missöes. — V. Ex." conheceu minha mäe? — Perfeitamente. — E a mim? ■ Gonteco-o desde que nasceu. Se1 tivesse reminiscéncias da primeira pessoa que viu neste mundo, lembravä-se de me tor visto a mim. " Que confusao! E quem era o senhor? — Este hörnern que hoje ■ vé, com. vinte anos de iricnux. ■ •:—; Isso näo é resposta... Quem era V. Ex.% que estava assira läo perlo de minha mäe, quando nusci? — Näo.respondo ä sua■'pergunta. . • • (.'onheceit meu pai? — Muito bem...—respondeu com menos frieza, Alberto. — Morreu, näo é verdade? ■ ■ -—Há dezenove anos... ■ ;—Eu já o vi alguma ve/., naó: é assim? . — A mim? Viu há cinco anos... .." i;S -Em casa de padre Dinis, nas vespcras da minha partida Inglaterra. : _ : ; '.' Näo se esqueceu.... cuidei o contrario... -Suspeitei, quando hoje o vi; mas. pensei que era impos-. a coincidencia... Tenho mil perguntas a fazer-lhe, e näo j o que deva pcrguntar-lhe... , - —Organize melhor as suas ideias, que temos muito tempo. Eu e que nao.posso espacar esta situacäo penosa—Queira .. Jfeer-me... V. Ex.a matou em duelo Mr. Arthur de Montfort? -Näo, senhor. . . — Como näo?! '•—- Eu nunca tive duelos. Mr. Arthur, de Montfort dispa-j©a-me uma pistola ä queima-roupa, e feriu-me. Eri estava ^esarmado,. apertei-lhe com: as mäos ..a: gärganta, e : dei-lhe o desgosto de o näo deixar respirar. b».~—Matou-o por consequencia... — Por consequencia de falta de . respiragao.... Depois desse i fecto e que o Sr. D. Pedro da Silva se relaoionou com o espectro : (]o seu amigo, näo e verdade? . . ' , f—Ku näo conheco o espectro do meu amigo. Lembro-lhe, j söshor, que e importuna a zombaria da pergunta. ; - Quer que falemos com seriedade? — Decerto,.. [.._.. —Pois sim; falemos com seriedade." Quem o mandou a Por-■ tugal pedir-me contas por tal sucesso? \t —Ninguem... vim espontaneamente. —Acredito-o, Sr. D. Pedro: da Silva; mas coloca-me na I dolorosa precisäo de perguntar-lhe se quer fazer ressuscitar a > cavalaria andante., Aeho extravagante a sua coniissäo. Que vinculo? o prendem a um hörnern que- näo conheceu? Quc van- - tagens espera, se conseguir matar um hörnern que näo conhece? '■ Responda, Sr. D. Pedro da Silva! .:' — Hä cousas de muito melindre... — Franqueza... V. Ex.a e o amante da: duquesa de Gliton... .Temos dito tudo... .. -. — Sou amigo da duquesa de Gliton, näo me envergonho de o confessar. -— Nem vergonha nem gloria. A duquesa de Gliton e como ., outras muitas mulheres: näo acredita nem deSacreditä.. — Depois que V.. Ex.a a desacreditou? — Ja antes.... . 842 MISTEItrOS de LISBOA MISTEŘI OS DE LISBOA 843 — Isso é falso... A duquesa de Cli ton foi esposa e vi^v exemplar. Quem a infamou foi Leopoldo Saavedru. a" — Tire todo o partido dos seus dezenove anos, Sr. D dro... Bem vé que sou tolerantíssimo... Mas näo brinquPrtl com palavras que significam. insultos... A duquesa dc (!liton $e V. Ex.B quer, foi uma virtuosa senhora até au momento 'Cn, que encontrou Leopoldo Saavedra; mas Leopoldo Saavedra i^q tem glória nenhuma de ter vencido as virtuosas resisténcias de^v esposa e viúva exemplar. Se há alguma cousa a que deva atri-buir-se esse triunfo, é aos oitenta mil francos de Leopoldo S,la. vedra... .— Que diz, senhor?! — Näo me compreendeu? .. : ■-— Penso que ouvi dizer que ä: duquesa ševendeu por oitentj mil francos... — Justamente. — Explique-se, Sr, Alberto de Magalhäes! mas pela sua honra, näo zombe de mim coni šemelhante ultraje. — Que me explique?! Pois fui obscuro? — Sim... näo concebo a maneira como foi dado esse dinhciro, — Da maneira mais simples. Escrevi-lhe uma carta oferecen-do-lho, e ela respondeu-me com outra aceitando-mo. — Com a condicäo... p ■■■■ '—Sim, com a condicäo 1 de se entregar Iealmente ao scu comprador. —- Qjrero uma prova> Sr. Alberto! ■.- |! ■ ■■■ — Só posso dar-lhe meia proVa, a outra metade que Ilia de ela. A minha está aqui. Alberto abria uma carta, que D. Pedro lia sofregamerrte/ Era a respostä que anuía ä; propostá de Leopoldo Saavedra"; ém poucas palavras: Sim, hoje äs dua? koras da noite. sííswss — Isso näo prova a iufámia— disse D. Pedro.—• Näo se fala aqui em dinheiro. -—Ahl näo? Entäo será nesta... Era uma longa carta, em que a duquesa de Gliton, referin-do-se ao dinheiro que recebéra e restituíra vinte e quatro horas depois, reputava desvanecida na sua consciéncia de mulher;a nódoa aviltante de semelhante contra to. D. Pedro da Silva, lida á carta, fixou Alberto com a pene^ tracäo de um demente, tremíam-lhe os lábios brancos,' vibra-vam-lhe em todo o corpo calefrios do terror, e o coracäo con- u-Ao batia-lhe no peito em ímpetos, que opobre moco acre-,,u que deviam fulminá-lo ali. . Alberto de Magalhäes cóndoeu-se desta situá$äo,: e repreen-řse de exacerbá-la tanto. ^_Sr. D.: Pedrodisse cle •-, a sooiedade tem muitas pús-liiUš assim. E a primeira que lhe vé? Tenha coragem... näo tmba.v. É pena que seja este o primeiro desmentido ä sua iéricia, porque é forte de mais para um coracäo moco.. -fsiiis torpezas é melhor lé-las nos romances,; é melhór duvidar possain dar-se, que experimentá-las sem as ter imaginado. jju sabia que V. Ex.a devia sucumbir... sabia-o,- porque eu pll-.mo, hörnern do mundo qué lera e experimentara todas as [iinomínias, pasmei da corrupcäo da mulher que me ouviu com ! fjstío: nas. salas, que me desprezoü a fácil oferta do coracäo, e : -jcfitou a mais fácil ainda do dinheiro... — Sr. Alberto. i ■ por1 piedáde peco. siléncio... Tenha a bon-dade !de fazer parar a carruagem, que. preciso sair.;; näo estou jem aqui...- ... — A ; carruagem ' vai por instantes, parár: ä minha porta. V. Ex.* há-de aceitar a minha casa... é a do único amigo que tetn no mundo... Vai conhecer uma mulher que foi intima amiga de sua mäe... Falaremos muito de sua mäe, de D. Antónia, e de padre. Dinis.;.. Vai'ouvir a. história da estranha mis-sie-que es ta. gente veio cumprir sobre a terra... Habitue-se a öuvir o som das minhas palavras, porque näo há ainda vinte c quatro horas que eu dizia a minha mulher que V. Ex." era uma pessoa de minha família. E minha mulner era profeta (juaiido me disse que. o filho da condessa de Santa Barbara tinha muita liberdade. e poucos anos;.. Näo se enganou... Arre-pendo-me de lhe ter feito a von tade, Sr.1 D. Pedro... ~ Derne ter feito a von tade? .. — Sim... Eu näo devia conceder-lhe a sua vinda de Lon-dres parä Paris... A moderna Babilónia devia perdé-lo... - Pois é V. Ex." quem me góverna? : —Tndirectamente.;. Os seus, pasšos tém sido sancionados por mim... Eu sabia que V. Ex." saira de Paris; mas o dinheiro que sacara, quinze mil;francos, fez-me crer que a. sua viagem era curta... Tudo isto parece-lhe uma cousa extraordinária, näo é assim? : .ň., —Um sonho... atroz!... - --- :. . v::: —Hei-de melhorar-lhe a suá situa^äo, D, Pedro... Goníie MISTERIOS DE LISBOA 867 ! XXI Vi T T piloto engäriaťä-se. Seguiu-se- mn: dia delicios®.: A ésuutta-velejava, sobeŕba de si. nas solidoes sem horizonte, cum0 a rainhados m a res. Äfelicidadé ia-Ihe nó seio. Os minutos que decorľiarh, näo os anuv'iava a tristeza; Erani Iímpidos1 eorno- o céu, sereňos čomoasuperfíciedo mar, claros e luminosos eomo a prata'das oňdas em'que ä Luä se reviái.Äté alta horaj-'Exigeiaa. embebidá ná intimidade dos sens' gožos, saboreava uma: ven f urä só sua, egoista, sem ter de comunicá-la a seu nmridn, que a šéntia deliciosa como cla, fe livre1 de atender ä sociedade fuvoldj que (an!as vezeš lha perturbara. *i Eugenia fugia com: o pensamento do pašsado. Aprazia-Ihe a imagem de Angela de Lima; e, contudo, esta grata: reminiscencia custava-lhe sempře uma lágrimá, e uma. tortura nuuea desvahecida, pungente sempře com a mestna forga. i'lra á imagem do conde de Santa Barbara, ponto negro que se alařgava até lhe escurecer''ás suas lúcidas saudadcs. • •'. ■■■ ■ f 1 FantasiaVa o quo dcveria ter sido Anacleta, e entristecia-Se. Corria a escälä dos sôfrimeňtos de1 SUa mäe,.. e chorava; í.Goim tava-se, minuto por minuto, a história da;sua: vida, e.-forcejava por calar : o přessentimento äameagá-lá de. um trágico fini. Porque? —dizia ela. ^ Em que tenho'eú sido má? Quando fui iňfeliz, näo foram os mens crimes !uma necessidade da minha servi d äo i1... Porque terci eu tle ser vííittia cómo minha avó, C minha mäe; e meu pai? Desde que: fui arrancada ao meu abismo pela mäo superior de Alberto, näo tenho eu sido uma hmlhďj que quer valer aos seus in n aos, näo se esquecendo nunca do; i passado? Porque näo olharei hoje o meu futur o semestre-: BT? V, .. :■ i''. ; ■ , ' - Esta ultima- inťerrogagao era a que Alberto se faziaapenas .- í- consciéncia o chamava a. um tořmentoso diálogo. Encontra-i-se aquelas duas almas, e os,olhos fixavam-se como pedin-jy.i/e coragem. mutuamente. O corsário, para iludir os seus. te-|(1orP^ .censurava-se. na sua pueril superstieäo. Eugenia, para . vencer-se. de • que tinha um amparoj lancava-se, com um iso de fingido änimo, . nos bracdS' do, marido,: menos forte qucela. ; - - E täo bom ter. um amigoL., —- mürrnurava ela, acolhen-- 'fJD-^i como. assustada,. para bem perto do coracäo de Alberto, ^ue lhe passava ä mäo spbre os čabelos como. quem, amima 0ina criancn. .■, — E um iamigoi demais a. mais . esposo.—:.continuou ele, " jßirindo. . - Demais a mais!... • pois näo é täo natural o. vinculo que jup.tide <> esposo an atnigo? ,. s—Natural?... näo... A amizade é alguma cousa muito dis- • tiiita do amor. Ves como é sereno: este. mar? Näo há aqui a tem-j pcstade de há pouco, a revolta dos elementos que. riós causou \ jeasacöes violentas: vés täo quieto, täo mónótono, mas, ao mesmo '. tempo, täo suave estej.mar? A amizade éassim. O amor é a • tormenta que impressiona, rřiás quefatiga; é.o grande facho - desluz que alumiai mas queima. — Dižes a verdadej; .meu.. anjo>y.... creioque é assim.. ...Es, ; pois, meu amigo? mais que um. irmäo.? .mais..que um marido? \ eönipanheiro inseparavel.de toda a; minha vida? sempře o anjo • -que me diz que eu nuncá me.fizjindigna do teu amor? Deixa-me _> diorar, Alberto 1..;. . Sin to.,, tanta: i precisäp de chorar!.., Nunca i senti aliviarrserme tantp: o coragäo. como agora! E o cém que í se vai abrindo,.na minha alma... Que imensa. claridade, filho] I Ai! como se sente no mar!... Deviam vir aqui todas as pessoas j iníelizes... Criaria Deus esta amplidäo para o desafogo das almas ' apertadas na angústia do mundo... Oh! Albeifo! eu näo sei ! que toque sublime me fere o;. coracäo!.,.;, Núnca fui täodigna de ti... Abraga-me, anjo!.-,. Sé crianga eomigo!... Se näo podes : chorar de alegria,*:;diz-me.que.és leli/.!... ■-, - Queres, que eú to diga,: Eugenia? Tu näo tens a face, en-costada ao.meu coragä;o?.,.,.:näo o sen lesAchas <|uc ele p.ode- , ria palpilar assim sem uma impressä'O; :de .grande júbilo ou de MISTÉRIOS DE LISBOA grande terror?! Bern to disse eu, Eugenia, que sehtirias no^m, uma existéncia nova... É que tu nasceste para tudo que é granit As mulheres tremem no mar. O menor abalo nestas fnWjj tábuas é a sepultüra: que se lhes abre aös pes! E tu; näo! yjs(S a tempestade com o pasmo: da maravilha, e. o terror; riä0 cles corou as rosäs varonis da tua face! l'Js a digna inulher destp hörnern, que adormece; aorugido das. tqrhientas, e acordou msu tas vezes ao grito da tripulacao que invocava o Deus dos aflitos; ■ ■ Abriga-te em mim, filha!... Se me Visses morrer., julgär-ine.ias-um predestinado pela coragem... Se te visse morrer!... que pensamento, mcu Dcus!... ■■ - Se inc. Visses morrer, Eugenia, pensarias que a morle.o o crepúsculo de uma deliciosa eternidade! Sabes -Ur'qual &■<> pensamento que me vem sempře banhar o coragäo de aiegria? '* É: a mořte contigo!..: a certeza de que me näo sohrevives.., — Näo, meu querido Alberto, näo te sobreviverei .ihb itis-tante.H Eu to juro;..i ''■ . • ■ — Näo jures, Eugenia... dispenso-te ä formalidade.... Sei qu(; niorrcrás... : ■':' • • ■ —Ainda i.iem, mcu Dens! Vejo que ent raste no lundo da minha nltim... ..^ — ■■ • \i tnV... věs a minha? ^Vejo, sim,! vejo!... Morrerias também! — Abencoada sejas, minha filha... Fixeste o que ninguém fez!... viste-me tal qual sou!—Eu nao ambieionava^tanto!... Pedi a Dcus ou ä fatalidade ;uma mulhér para a vida, c nao ousei šupiicá-la.:para a morťe..i . i •Näo lales assim em rnorte. Alberto! ^: Fala-se 11a tnortc, quando nos é cara a vida... Os dcs-gřacados, esšes ■ é que procuram : esquecé-la, porque■■ a querem, pörque precisam; ampliá-la atrás de uma' esperanca ■ que <■ se rca-lizará uma vez.................— j.wí...í,í;"j. 1 aíi !-::: Gorreránl ŕápidäs: as horas, 'porque as horas de Alberto e Eugenia corriam1 deliciosas; ..O'mar sempře1 tranqiiilo, aduz sem* pre Mmpídá, o corá'gäo sempře novo para os delcites da con-versafäo íntima, conspiravá1 tudo para desejar mais longa via-gemi E depóis, a esperanta,; a formosa fáda vešli da sempře de noväs ; galas,! estudándo sempro novas sedücöes, acenava-lhes de longe, nos encántados. jardinš; do Oriente, que Alberto deserevia MISTÉRIOS DE. LISBOA 869 o vívido entusiasmo do homem, poeta pelo amor. Eugénia |gjrrastada pelo som daquela voz, voz única nas solidoes do jgano, voz de um anjp que a.fazia levantar os. olhos lacrimosos j-ra o céu, em gratidáo de tanta veňtura.. :: Ap sexto dia de viagem descobriram. Southampton. •'. Nascera O: Sol, orlado de franjás purpurinas. Subira, e. dei-Ma., em baixo nos. horízontes. um cinto escarlate, que pouco a piicn desmaiou, até se converter em m'voa densa, que veio yfkhdo, á superfície das águas,, até esconder aos olhos do vigi-j>j,ite piloto o: canal de Inglaterra. . Depois, uma lufada de vento noroeste estremeceu nas velas. 0 capitao, como. estranhando o. sucesso, franziu a testa, e cha-mou a tiipubicao a postos. —: Esper.em as ordens — disse ele, e trocou :algumas palavras (ápidas com Alberto de Magalha.es,. que passeava na tolda. :... r Uma segunda lufada, precursora do tufaó, encontrou a ma--rlíja, obedecendo ás ordens do capitao: : ; •A— Arria velas! — E os mastaréus do joanete e de gávea! ^-ačrescentou Alberto, ao ouvido do capitao. A manobra foi. rápida, e o tufao impetuoso passou nas gáveas como um grito de demónio enraivecido pór náo ter podido jurpreender a. vííhna. ' ■ « A neblina era cada vez mais densa.. Q leme foi confíado ao .piloto, que, nao desviava os olhos. da^agulha. O mar cavado iestalaVa na quilha da proa. A escun^. -balougava-se desencon-tradarňente,: e as amarras, rolando. nó tombadilho, aterravam as eriadas de Eugénia, que se julgávam moribundaS: :a cada balanco. v■■'>.'-.>;' -A. ?}'-■ Alberto de Magalha.es descera a canumi, onde encontrou sua mulher, com as maos erguidas: diante da: imagem da Senhora, que sua mae lhe dera. Interrompida.na sua oragSo pela map.de Alberto, que lhe tocava no ombro,: Engénia respondeu-lhe com um sorriso angelico. ;;>>:. ... — Estás orando, .minha: amiga? Que pedes : á tua imagem prcdilccta? Pego-lhe a tua felicidade, meu querido amigo. Hei-de ser ouvida, porque pego com muita devogao... Qjueres que eu vá contigo lá acirrut? •— Nřio... — Há perigo?; 870 MISTEEIOS DE ĹISBOA mistérios de i.isboa 871 — Nenhum... Perguntas-me1 se há périgo com o'áminb-t.--quieto!..'. ■ :- '■ ■ •■■ .. 'l0 —- Eu näo tenho medo, Alberto... Nenhum medo... Qiiíuuln esteja arriscada a minha vida e a tüa, sabes o que me faí"pena,i Säo estas pobres criadas, que- me cor tam o^ coracäo corn':^ hu^ lámúrias... Cöitädinhas t.:. Todas trés deixäram mäes e innäos é goštam da vida,1 sem saber1 que a ,/Ýerdadeira felicidade ru-m * elas a conhecerum ainda... Olha, Alberto... Desde que iizeste'. cömigd o cóntrato de morrermos juntos, näo tenho ä \it|ri apego que faz recear a morte... Aposto que tenho mais cora-gem qüe tu? — Parece-me que situ... Este ba.la.nco ihcomoda-te? • — Näo, filho... Eu sinto-me boa... näo me incomoda senáo ä tüa inquietaíjäo.v. Quetens? Pärece que tens os ouvidosěrnais' u (cn tos äs vozes do capitäo... , — Näo;; Eügenia;..; É porque nic soarn bom estas palavras que só se ouvem no mar. : M ■-■ ■ - - ■■ ■■■■ Neste momento bradara o capitäo: • - ľalinga os viradores. — Talinga os viradores!—- murmurou Albérto. —í Que é? ;disse Eugénia;' reparaňdo no enleio com que sou maiido repetira as pala vra s da máriobra. ' S — Eu vom ä tolda, Eugénia... Näo te inqúietes... - - Eu queria ir eotitigo. -!: ' Agora, 1 näo..!;' Esta tempestade: näö é poéiica como a outra... Fica, minha ťillia, que eu venho já... ' §1 1 Alberto n-eebeu um beijo dé: sua rňulher é subiu. A race, onde éla imprimira os lábibs, levava uma lágŕima. O hörnern de ferro, quando a sentiu, levou as mäos ä testa, e murmurem: «Näo o peimitais, men Dens!...» - - f| As criadas aflilas rbdearam Eugénia, peíguntando-lhe seičítavam em perigo >■ ■ --Onii cotnigo, para que o Senhor nos proteja. • -S Esta resposta exacerbou o terror das criadas.. Romperam !eni|| uni chnro que Eugénia näo podia caläŕ com äs suas conxolacöes. A pobre senhora prineipiava a enfraquecer, quando Alberto vol tou. - ■ ■ • • ■ • '• • Eugénia acabava de ouvir duas palavras que Hie gdaram a suposta coragem. Estas palavras foram seguidas por um .pdu prolongado, que seu marido dera no topo da escada que descia para a cámara. Que palavras horriveis ;fbram essas?: - .— Vamos a pique! --Vamos a pique, Alberto? -v- exclamou elay lahcando-se-ifte nos braces. ■ . : . —^ Esperanca, Eugénia-—disse, cle com impostora tranquil r; Ľ ä procela mugia. Algumas vpzes o portale- descera ao nivel ajjljt água. Os mastros rangiam, e: as junturas da escuna, impe-~$da de vagä a vagä, respondiam, estalando ao bramido da term •jjestade. Alberto, desenlacando-se dos bracos ■ trémulos de Eugénia, '.para a quab as palavras animadoras riäo . bastavam já, subiu Ijtcima impetuosamente,. e, quando cruzava os bracos contem-..plaiido as chusmas de homens, que viravam! o cabrestante sobre a äncora, ouviu um estalo,; e empalideceu: era b mastaréu de -gurupés que se partira. t —Espia. ferro — bradou Alberto; - Espia ferro — bradou mais äl'to o capitäo1. E esperou. O mastŕo da: ré parecia: saltar;fora do enerava-douro. Um marujo segredou ao ouvido; do capitäo que havia rombo ä ré. — - Os arpéus näo mordem terra!—- bradou: o: piloto. - Entäo, como vamos. a: pique?-—pCrguntou Alberto com azedume. —As unhas. da áneora..: garram, .porque näo há pedras, é tudo laje — respondeu o. piloto. --Mahde cottar os mastros, capitäo.—-disse .Alberto, e des-ceu ä cámara, onde encontrou sua mullier Chorändo,: e ampa-rando uma eriada que desmaiara. — Recolham-se...—disse Alberto, tomando nos bra5os a eriada desfalecida, que levou ao seu beliche. — Ouve-me, Eugénia... ■ ■ -Vais dizer-me que morremos, Alberto? -Näo...'Vöu dizerr-.te que. é. preciso. vivermos. Quero toda a tua coragem, e,: ap näo a tens, recebe-ade niim.;. . —í Sim, sim,: quero que.nos salvemos... que hei-de eu fazer? - O navio está perdido... perto de nos está a costa... Em poucos minutos estaremos salvos...;. Sim?... EnSäo {ji.ic lern«? -Terno que cnfraquecas... : — Näo temas, .Alberto;-imas.näo me deixes sem. ti um instante... 872 MISTERJOS DE LISBOA Vamos entrar na lancha... Eu e tu, entendes?.. MISTÉŘIOS DE LTSBOA 873 meu sos.;. pode ser que a lancha seja absorvida; nesse caso...^ bem... logo que eu te disser abraga-me, hás-de cingir-rrtér dest modo... pela cintura... näo me prives os bragos.,. mas Bŕgura.^ com toda a tua forca... compreendeste-me, Eugénia? ^ — Sim.., e esse abraco... lalvcz seja o ultimo... Oh! Al berto... agora me disse o coragäo que vamos morrer!.,. Ohi meu filho,:: que täo pouco durou a npssa fcMcidade!..; Ai Deus, que morte täo aflita Vai ser a.nossa!... - Sik'ncio, Eugénia... E necessário que sej as egoista da vida neste momento... Se choras assim, essas mulheres näo te dei-xaräo sair daqui... Sobe comigo... depressa... Olha lá esse leme!—gritou o capitäo. ''■i-- Saltou fora! — respondeu o piloto. — Depressa!—repetiu Alberto. — Ajuda-me a subir, que eii näo tenha forcas...■— murníu-rou Eugénia, abracando-se-lhe ao pescbco. Desatraea a lancha!— bradou Alberto. ■ Pcrdcu-sc!—respondeu o capitäo. — Perdeu-se!? — tornou Alberto, com aflicäo. — Qjiebrou'a amarra! .■ -—: Oh! tiuui Deus! exclamou Eugénia, quando viu o mar proceloso, o navio desarvorado, a palidez da morte em todas as faces, e alguňs marujos, que se lancavam ao mar, enqimnto outros, abracados aos mastros partidos, que. escorregavam do tombadilhOj.'iredopiaVam no: marulho das ondas. Alberto con--duziu sua mulherä proa, tomou-llie a face sobre o peito, e mur-murou: - Espcrenios! : O qui"::'... a mor lei'... — E se for a morte? — Bem-vinda seja!... ■ Isso é coragem ou resignacäo, ininha filha? — Resignacäo... :Eu sóu fraca, meu anjo! Deus, Nosso jSe% nhor, nos salve; e, a näo nos salvar, quenos^ perdoe!.. - Minha mäe, suplica ao Senhor por nos... Angela, mihha querida amiga, foste uma santa, pede a Maria Santtssima.que nos näo. deixe morrer assim... Alberto, pede ťambém a Deus!..: ergue as mäos comigo... ■;. — Já pedi... e verás que nos.; salva... Eugénia!.-.-. Gonŕianga em mim e em Deus!... ■— Sim, sim... eu tenho toda. a conŕianca... vamo-nos salvar... jg, ■— Lembras-te das tuas palavras nos Pisöes? 6p—Sim... Vivemos pouco, porque era muka a felicidade.,. agui Mítansa-se no seio da morte... Bem hajas tu, que mas lembraste... - Capitäo! —bradou Alberto. Ér — O capitäo langou-se ao mar —• respondeu um marujo. |4» — E vós porque o näo imitais, ŕapazes? í%"—Os que restam säo dez dos vossos antigos soldados... näo L)os conheceis? m.— Conheco... Salvai-vos! ' ■—Os vossos antigos soldados morreräo ao pé de vós. jfsí Neste momento a ré da eseuna era submergida. Alberto es-Jícorregara com sua mulher nos bracos e apegara-se diôcultosa- 1 iTiente ao estibordo. — Rapazes! vede se salvais essas mulheres que estäo na ciivrd.ru— Se o conseguirdes, nunca mais. lutareis com as .tem- .Ipestades... Eugénia... cinge-me pela cintura... assim... muito ;.ánimo... nunca mais nos. separaremos... .. . ; Os dois corpos caíram no mar; 876 MISTERIOS DE LISBOA MISTÉRIOS DE LISBOA 877 Que tenho eu com Alberto de Magalhäes? Que ascendi-i i quer este hörnern empregar sobre mim?... Eu sei que podij, S.C feliz... Posso e quero sé-lo... Se me suicido, a sociedadé iív-c (. veřá o irieü nome no catálogo dos doudos ou dos••c.övätclťs' Ainda ontem Um lorde se suicidou, e ós seús amigos o mais ru^ fizeram: foi coňcordar em que todo p: hörnern tinha direito ' retirar-se do iugär em que se näo sehtia bem... Mas < u quci0 que alguém me lamente... Sou só-rib mundo... näo tari un, lágřima... Elisadeve detestar-me, e^eu... meu Deus..v-vö«. \|liU. que aquela miilher é necessária ä miňha vida! — Vergonha!.-" Será: forooso que a minha alma Se nutřa de torpezas! Dia 26 • '• ■ -íVk..s|lls Näo me venco! Isto é um destino!.., A reaccäo custa-me a vida!... Falham-me todas as tentativas!... Näo há recurso 1 que eu näo tenhä sonliado!... Ncrn o jogo, ueru a devassidäo, nem ä'embriaguez...i Ela sempře a meu lado!... Esta dor embrute-; ce-rue!... 1 lá seis dias que procuro explicar-me o estado, da minha alma, e näo posso. Eu devo; amá-la muito! Aquela muriner é um anjo infamado! Só terei descanso quando ela nie perdoar!:: Porque á näo oúvi eu? Porque me humilhei ans přece i tos desse :hómem: que detesto?: Foi ele: que me ensinou aquelas malditas palávras, que a mataram!... Foi ele... um estranho... um•' infame generösoj que nie envenenou uma vida inteira!.:'. Näo sou eu Umhömem!.:. Se o coracaó rae impele para aquela mulher,r porque näo hei-de eu buscar a minha felicidade, em-bora tenha de descer a um abismo de impudéncia?... Quantos hömehs, ainda hoje, dariarn a vidä por um sorriso de Elisa!... E todoS ignoram essa fatalidade da sua vida,.. Se o coracäo lhe perdoa, porque näo há-de perdoar-lhe a consciéncia?!...... 'No dia 27, D. Pedro da Silva passara para Franca. De Paris eserevera ao visconde de Armagnac,. e naoi teve resposta.; Esta. carta: deviá::ser uma tocante exposieao da sua alma, e uma; súpiiěa de conforto para nao ceder, sem vergonha, a uma pai-xao que se debatia cotu o puudonor. • Escreveu segunda. Nesla devia; ser mais viva a cxprcssao. Talvez implorasse a proteccao do visconde. Talvcz desccsse ás ;mas fraquezas de um moco, cuja alma näo tinha ainda o ■ tacto que a experiéncia ensina, e que muitas vezeš a socie-« reputa acrisolada honra. Esta segunda carta näo teve ^pOSta. _ :. tósim contrariado, e ofendido no seu brio, tocou o grau da iperacäo. Foi ele proprio a Angouléme. .) visconde näo existia já na sua quinta. Tinha parúdo no 20, com a duquesa de Cliton, Para onde? Ninguém lhe dizer! O capeläo de Cliton aconselhou D. Pedro que con-jjjiltasse o medico, únicá pessoa, alem do visconde,. que entrara jju intimidade da Sr.Duquesa. O filho de Angela arrancou outor uma difícil revelacäo. Elisa de Montfort partira para J jgglaterra. As suas tencöes eram exercér uma nobre vinganca Spire o assassino da sua honra e de seu irmao. J).i Pedro da Silva tornou a Londres. Empregou: todos, os /KiciüS de espionagem, e näo encontrou veštígios em Londres, ■jinde a polícia^ tem um pronto conhecřmento do mais obscúro 1 forasíeiro, que transpós: as suas fronteiras. ..; i." No dia. 8 devia ;Alberto: chegar a Southampton. Estaria: ali |j duquesa? Esperaria ela, no desembarque, Alberto de Maga-jjiäes? Este varonil desforco pintaVa-lha na imaginacäo abra-saáa como um ente superior.' Partiu para o canal de Inglaterra. jroeurou-a.;Nem :o ■.■ 'mais ligeiro indício 1 O .ouro de D. Pedro näo destrufa os milagrešj que estaVa fazendo o ouro da duquesa de Cliton. 'ti A situa5ao do pupilo de Alberto de Magalhäes era amat-gurada! O pobre mo^o, nas suas indaga5oes, passava por doudo. "Á,.polícia de Southampton chegou: a ameacá-lo de o prender, spor se. tornar incómodo com as suas misteriosas pesquisas. . No.dia 10 de Outubro, oito dias děpois que:a escuna Alcíone saíra de Lisboa, D. Pedro da Silva recebeu casualmente um jornal, que se entregava no seu hotel. Passava-o pelos olhos dis-traidamente, quando; encontrou o seguinte: .. : : «GATASTROFE Temos a lamentar o naufrágio da escuna portuguesa Alcíone, que foi a pique, dez. milhas: dis taňte děste, porto. Transportava . para Inglaterra o seu rico proprietário Alberto de Magalhäes, ; e sua; familiar Um märujo da tripula^äo, com quem acabamos 'de falar,. conta tum. extraordinário sucesso, que nós ■ contaremos 878 MISTERIOS DE LISBOA MISTÉRIOS DE LISBOA 879 0W[. .ill" simplesmente como de nos foi contado pelo comovidö n h e i ro. A escuna foi abandonada quando já näo havia' esprr.in alguma de salvacäo. O valoroso Alberto lancara-se ao mar c;0j^ sua esposa,: abra$ada ä cinturä, e pedira a ■ alguns maritiheu-0^ que nunca o abandonaram, que salvassem as criadas. O relator deste infausto. sucesso lancbu-se a nado a par com Alberto, que äs ondas impeliarh favoravelmente para a ur,\A O valente portugués muitas vezes exclamou a sua mulher qyt tivesse änimo, por que estavam salvos. A infeliz senhora solťava gritos de terror a cada: onda que. parecia tragá-la, e ä supcr-fície da quäl sen marido: äparecia :sempre äbracado com elj O : marinheiro, inseparável daquele grupo, digno de oomover a piedade divina, empregava corajosos esforcos em expot n SCu corpo quase desfälecido ao choque das ondas. Uma dostas an\> jou-os impetuosamente a terra,:. .'■../-: ■ Albertoy estirado sobre a präia, quis desatar os bracos de sua mulher, que lhe cingiam a cultural e näo [.»öde. Estavam hirtos, e inflexíyeiš como de ferro. Palpoü-Ihe o cora^äo, que já näo : balia- Geláŕä-se4he o: sangue.■.. Ghamou-a :com desespera-cäo... Tomou-a nos bracos, ,comprimiu-a ao cora$äo, comoi se o calor pudesse passar äquele peito manimado... Estava mortal,.. Seguiu-se uma cena horŕorosa! Alberto de Magalhäes ajoelhou ao pé do cadaver de Sua mulher;;;. deu-ľhe um beijo noslábios... > arrancou um punhal do bolso interior do colete, e cravou-o no peito, cxclamarido: «liu näo falfo aos itieus jurawentos, Eu-génia!» O marinheiro, estupefacto,: lancara tarde; a mäo ao punhal!; O suicida estrebuchou alguns minutos, e expirou, levando aos lábios a mäo de sua mulher J));;.;......;...1.';............................. mgi ■ Tj[),eado de si, incapaz de consciéncia, ferido pelas duas como-fefs simultaneas, esperou que a duquesa viesse ao pé dele. Foi que veio. Trazia nos lábios um sorriso diabólico, e nos olhos line do rancor que a queimaVa por dentro. Tomou das mäos ftes do mancebo o jornal, apontou a palavra catástrofe, e ,c, com voz tremida, mas enérgica e impossivel de ser imi-a por mulher: A§&*- A vinganca de Deus antecipou-se á minha! Alberto de - galhäes näo contará as minhas infámias a outro hörnern! n benefício que ele vos lez, Sr. D. Pedro da Silva, pagai-lho : com sufrágios por sua alma. A máquina näo se moveu. A duquesa de Gliton saíra, e viera I íentar-se a par do visconde de Annagnac, que a esperava em ; 0i: tílburi ä porta do hotel. : . — Que fostes aí fazer, Sr.a Duquesa? — perguntou o vis-Fui despedir-me do vosso amigo, e dar-Ihe cartas de reco-^endaeao para o.Oriente, visto que:Alberto de Magalhäes o sgäo: acompanha. me-.— A- vinganca endurece-vos a. alma, senhora! sífssv— A alma?: Tenho-a eu-porventura! Achais que a alma é iflguma■ bala de ferro, que. resíste. ao. fogo da desesperacäo?... ■V'iscotide! eu morri primeiro que Alberto de Magalhäes! O que restu em mim, éa por$ao de demónio que ontra na organiza^ao de todas as eriaturas! . . O jornal continuava a descrieao do uaufi'agio. Numerava as vítimas.-Eram toda a tripula$äo, excepto cinco marujos, até ao momento em que a tristě notíciá era publicada no jornal. D. Pedro nao lera as últimas linhas. Aquilo parecia-lhe um sonho! Fixara os olhos no ■ papel,:que lhe tr.emia nas:mäos, e ficara1 aí ňéssa situacäo indefiriível do pasmb, da absor§äo, da morl.e passageira do espírito. Neste momento abriú-se a porta da sala. D. Pedro maquinal-menfe olhou para. ali, e viu... a duquesa de^Gliton! Petriíicoúl