SBORNÍK PRACÍ FILOZOFICKÉ FAKULTY BRNĚNSKÉ UNIVERZITY STUDIA MINORAFACULTATIS PHILOSOPHICAE UNIVERSITATIS BRUNENSIS L 29, 2008 IVA SVOBODOVÁ ESTILÍSTICA E A SUA POSICÄO DENTRO DO CONTEXTO DA LINGUÍSTICA PORTUGUESA Evolucäo da estilística dentro do contexto europeu Apesar de esta disciplina ter as suas raizes num longínquo passado, sendo que se fala dela como sobre a base da Retórica Aristotélica, definida como arte, arte de argumentar e de discursar, arte de persuadir através do discurso, poderíamos constatar, que no ámbito da Linguística Geral, a sua posicäo se afirmou mais visivelmente só no século XIX. Só neste periodo é que a Estilística se tornou parte da antropologia, que estuda a cultura através dos meios da linguagem. Neste periodo a linguística teve um cunho histórico, limitando-se a procurar respostas äs questöes concernentes, entre outras, ä evolucäo das línguas, ä classificacäo genética das línguas indo-europeias, aos problemas da fonética acústica. Só no ämbito da antropologia linguística é que se comecou a pór em enfoque o estudo e a investigacäo de factores exteriores do uso da linguagem, o que provam, por exemplo, as opiniöes de Wilhelm Von Humboldt e do seu aluno, Heymann Steinthal, representantes do romantismo germänico, que afirmavam que a linguagem cria o pensamento e forma o espírito nacionál, e que apontavam para o facto de existirem variedades linguisticas que reflectem as mentalidades das diferentes nacöes e sublinhando, também, a importäncia da linguagem individual que re-flecte o mundo interior do falante. Nos finais do século XIX, quando foi fundada a Escola Psicológica e Socio-lógica Francesa, o interesse pelos factores exteriores do uso da lingua levou a estudos complexos das condicöes fisiológicas e psicológicas da evolucäo das línguas. Um representante da dita escola, Antoine Meillet, elaborou uma análise de todas as possíveis influéncias que os factores sociológicos exercem na criacäo de uma lingua (como por exemplo a relacäo existente entre a hierarquia das classes sociais e os estilos linguísticos), definindo a lingua como um conjunto de diferentes estilos, produto de diferentes ambientes sociais (entre outros menciona a linguagem de rua, a linguagem administrativa, militar, etc.). O facto de a linguística comecar a estudar a lingua também děste ponto de vista contribui a que os linguistas franceses se comecarem a orientar näo só para a estilística clássica 58 IVA SVOBODOVÁ (chamada também estilística literária), mas também para a estilística social, con-centrando-se nos estudos dos estilos linguísticos de diferentes ambientes sociais. Henri Delacroix, na sua obra "Le langage et la penséé" (1924), faz uma ainda mais detalhada classificacäo dos estilos linguísticos, dividindo-os em individual, colectivo e geral incluindo, dentro dos objectivos da estilística, o estudo de todos os meios expressivos que se desviassem de qualquer maneira da norma grama-tical, explicando tais desvios como consequéncia das influéncias dos factores psicológicos e sociológicos. Entre os defensores da Estilística como de uma disciplina autonoma, pertence também Joseph Vendryés, representante da linguística afectiva, Hugo Schuchar-dt, representante da Escola de "palavras e coisas", Benedetto Croce, Karl Vossler, e outros que reconhecem como relevante a ligacäo existente entre o mundo interior, psicológico, das pessoas e a lingua que o reproduz, sendo a linguagem comparada a um espelho que reflecte a esséncia do homem e sendo o estilo carac-terizado como uma expressäo individual do ideal estético do homem. Estas tendéncias evolutivas da Linguística foram enfraquecidas, nos anos cinquenta do século passado, pela influéncia do modelo generativo de Noam Chomski, sobretudo pela sua teoria do mecanismo inerente da aprendizagem e utilizacäo da lingua, modelo que acabou por se tornar marginal uma década mais tarde, por só ter estudado frases isoladas, sem tomar em consideracäo tais factores pragmáticos do processo de comunicacäo como säo, por exemplo, a re-lacao entre o falante e o ouvinte, a influéncia do contexto e da situacäo na criacao do discurso, etc., razäo, pela qual a linguística, nos fins dos anos sessenta, vive uma importante reviravolta pragmática comecando a acentuar todos os possíveis factores pragmáticos do processo de comunicacäo. Aos acima mencionados adicionemos ainda outros factoores, como o tipo do contexto, o conhecimento dos participantes do diálogo sobre o tema do discurso, as condicöes sociais dos participantes, a relacäo de superioridade ou inferioridade entre os participantes do diálogo, o tempo e o ambiente do discurso, etc., ou seja, factores extra linguísticos que conduziram ao nascimento de outras disciplinas, como sociolinguística, neurolinguística, linguística textual, linguística cognitiva, disciplinas que com a linguística colaboram estreitamente. A Estilística e o seu lugar na Linguística Portuguesa Apesar de a base da linguística portuguesa pareceter sido posta no intransi-gente modelo do estruturalismo e do generativismo, outras disciplinas macro-lin-guísticas, como a psicolinguística, linguística cognitiva, pragmática, comunicacäo verbal, e semántica, etc., também constituem uma parte importante dela. Näo obstante, á base dos materiais acessíveis permitimo-nos constatar que a Estilística parece representar, no ämbito da Linguística Portuguesa, uma area antes marginal. Esta nossa conclusäo baseia-se, entre outros, na comparacäo do sistema terminológico e das análises estilísticas existentes e profundamente elaboradas ESTILÍSTICA E A SUA POSICÄO DENTRO DO CONTEXTO DA LINGUÍSTICA PORTUGUESA 5 9 na linguística eslava e na linguística portuguesa a qual, raramente, se ocupa de uma investigacäo profunda dos componentes ou factores estilísticos. Mas apesar disso, se podemos constatar que a Estilística pode ser percebida como uma das vertentes linguísticas existentes no contexto da linguística portuguesa, é pelo facto de térem sido publicadas várias (embora poucas) obras que estudam a lingua a partir de diferentes factores estilísticos. Trata-se ou de obras que se inspiraram fortemente em teorias que játinham sido publicadas e introduzidas noutros países ou de obras traduzidas para o portugués. Tanto umas como outras, apesar de näo térem contribuído com nada de novo a esta disciplina, pelo menos visualizaram, ou apontaram para a existéncia desta disciplina linguística o que permite a pos-sibilidade de os falantes das línguas eslavas estudarem e perceberem a lingua portuguesa, também do ponto de vista estilístico. Nos anos quarenta e cinquenta do século passado säo publicadas trés obras essenciais que podem ser consideradas como obras pioneiras que encaram a estilística de maneira diferente, destacando, cada uma delas, diferentes pontos de vista do uso estilístico da linguagem. Estilística da lingua portuguesa, de Manuel Rodrigues Lapa, publicada pela primeira vez em Lisboa, em 1945, Le style et ses techniques, de Marcel Cressot, autor e tradutor desta obra (a traducäo para a lingua portuguesa foi feita em 1947), e Contribuigäo á estilística portuguesa, de Mattoso Cámara Jr, publicada em 1952, em Säo Paulo. Estilística da Lingua Portuguesa foi, para os anos cinquenta, uma verdadeira inovacäo dentro do contexto da linguística portuguesa (näo geral) no sentido de Lapa defender a opiniäo de que também a lingua falada, viva e espontänea dispöe de um sistema de meios expressivos colocando em oposicäo duas linguagens: a intelectual e sentimental. "Em presenga das coisas, o nosso espírito reage da seguinte maneira: ou as percebe ou as sente. Quase sempře estas duas operagöes, a percepgäo e o sentimente andam ligadas, mas, por via de regra, em proporgöes diferentes. Praticamente há objectos que despertam mais a nossa inteligén-cia, outros que chocam mais a nossa sensibilidade. Assim, também as palavras: uma těm uma dominante afectiva, outras uma dominante intelectual"1. Lapa é fortemente influenciado na sua obra pela terminologia e pelos métodos de Charles Bally, que estuda exclusivamente a lingua falada, divide as impressöes emocionais que os meios expressivos podem evocar em impressöes naturais (evocadas pelos meios expressivos que denotam tristeza, admiracäo, respeito, despeito, etc.) e impressöes evocativas (evocadas por aqueles meios expressivos que apontam para uma čerta classe social ou para um periodo). Mas nem em rudo Lapa concorda com Bally que diz que é necessário fazer uma nitida e rígida fronteira entre a lingua falada e a lingua escrita, argumentan-do com a seguinte opiniäo que o faz aproximar-se mais dos idealistas estéticos, como Vossler e Spitzer: LAPA, M.R., „Valor sentimental e intelectual das palavras", Estilística da lingua portuguesa, pp. 30-31. 60 IVA SVOBODOVÁ "...até mesmo o hörnern culto temá sua disposigäo línguas diferentes, conforme a diversidade das situagöes em que se vé empenhado. Se encontra um amigo íntimo, um camarada de escola. emprega uma linguagem livre, salpicada aqui e ali de termos populäres de forte expressividade. Se lida com pessoas de cerimónia, emprega um vocabulário e uma construcäo de frases já mais cuidados. Enfim, se é escritor e se senta á mesa de trabalho, já a frase e as palavras sáo mais rebuscadas, menos correntes, menos naturais."2 O livro Le style et ses techniques3, veicula-nos a comparacäo do uso de todos os possíveis meios expressivos nas línguas francesa e portuguesa. Cressot, para-lelamente com Lapa, baseia-se na opiniäo de que o objectivo da Estilística näo deve incluir só o estudo da lingua falada mas também da lingua escrita, literária. uma vez que ela nos oferece uma rica variedade de meios expressivos. Elabora muito mais profundamente a parte teórica, elevando a relacäo existente entre o pensamento e o discurso, definindo os objectivos da Estilística e sugerindo os processos que deviam ser aplicados na análise estilística. Em princípio, trata-se de uma obra pioneira no sentido de, em Linguística portuguesa, ela oferecer uma teoria estilística mais profunda em todos os possíveis pianos linguísticos. Con-tribui para o estabelecimento mais firmě desta disciplina que estava, na mesma altura, alicercando a sua firme posicäo em Franca, onde os estudos estilísticos já abordavam tais problemáticas como a variedade do texto, uso dos meios expressivos de acordo com o cunho da comunicacäo, diferencas existentes entre diferentes tipos de linguagens (linguagem das criancas e dos adultos, a linguagem doméstica e solené, a linguagem universitária, espontánea e formal), e onde a Estilística já era percebida como a disciplina linguística cujo objectivo era selec-cionar os meios linguísticos de acordo com o tipo de linguagem, com o objectivo de assegurar o maior efeito possível do acto da comunicacäo. Cressot näo defende univocamente a opiniäo de que aos meios expressivos se devessem atribuir afectos psicológicos, porque tal atribuicäo resultaria muito relativa, uma vez que seriam negados dois princípios da Estilística: um princípio que consiste em que näo é possível estudar bem as emocöes só no ämbito das for-mulacöes existentes que temos ä disposicäo, e um segundo princípio de a expres-säo das emocöes näo depender só das reaccöes do utilizador da linguagem mas também das suas capacidades linguisticas e do cunho da comunicacäo. As emocöes só podem ser exprimidas nos matizes qualitatives e quantitativos que sabe-mos exprimir no material linguistico, com o qual somos equipados. Apesar disso, Cressot näo se insurge contra o estudo das relacöes existentes entre o mundo exterior e interior, colocando em relacäo dicotómica duas vertentes artisticas que tem uma relacäo directa com a linguagem: expressionismo e impressionismo: A frase expressionista é uma frase meditada, preocupada com a ligagäo de factos ás suas causas e consequéncias. Daqui podemos prever uma frase longa, rica em subordinadas, rigorosamen-te articulada. Alem disso, dado que o pensamento atingiu a sua maturidade e estando os seus elementos rigorosamente classificados e amalgamados, teremos uma frase continua, de desen- LAPA, M.R., Estilística da lingua portuguesa, p. 45. CRESSOT, Marcel, O Estilo eAs Suas Técnicas. ESTILÍSTICA E A SUA POSICÄO DENTRO DO CONTEXTO DA LINGUÍSTICA PORTUGUESA 61 volvimento regular, sem quebras, donde a sequéncia progressista e, em ...há finalmente uma preponderäncia do ritmo concordante, o mais adequado á sugestäo de equilíbrio, de unidade dos factos e do pensamento que os organiza.4 O impressionismo, recusando o estabelecimento de relagöes de causa e efeito, tenderá, natu-ralmente, para urna frase curta: há urna justaposigäo de factos á medida que väo subindo á consciéncia, e a cada um corresponde urna individualidade, donde urna linha descontínua, a que se chamou pontilhismo, e frequentes discordäncias rítmicas, ...As frases longas também säo certamente utilizadas: a ultrapassagem do quadro iniciál e a auséncia de estrutura rigorosa daräo testemunho da mesma tendencia.5 Com uma semelhante divisäo da lingua e com a influéncia do contexto no discurso deparamo-nos também na obra de Mattoso Cämara Jr Contribuigäo á estilísticaportuguésa, (1952). O autor parte da divisäo tripartitiva das funcöes de lingua, definidas por Karl Buhler como funcao representativa, correspondente ao que é chamado a lingua intelectual, a funcäo expressiva que consiste em exprimir e saber exprimir os estados de alma, e a funcao apelativa que consiste no facto de o falante tentar obrigar o ouvinte a exercer um determinado acto. Mattoso Cämara, opostamente a Cressot, considera a Estilística como disciplina que "estuda a lingua como meio de exprimir estados psiquicos (expressäo) ou de atuar sobre o interlocutor".* Cämara considera a linguagem como um acto individual, como um instrumente de exteriorizacäo näo só do intelecto (do mundo objectivo) mas também do mundo interior näo polemizando sobre o limite de tal exteriorizacäo causado pelas competéncias e performances do falante "... ajunta-se-lhe espon-täneamente a exteriorizacäo do estado d'alma em que tais representacöes (do mundo interior e exterior) nos lancam, e o impulso de fazer o proximo partilhá-lo connosco"7. Cämara reserva ä Estilística trés funcöes: 1) caracterizar, de maneira ampla, urna personalidade, partindo do estudo da linguagem: 2) isolar os tragos do sistema linguístico, que näo säo propriamente coletivos e concorrem para urna como que lingua individual: 3) concatenar e interpretar os dados expressivos, determinados pela Kundgabe e pelo Appell, que se integram nos tragos da lingua e fazem da linguagem esse conjunto complexo e amplo de enérgeia psíquica.8 Também nesta obra deparamos com os estudos estilísticos em diferentes pianos: fonético, lexical e sintáctico. No ämbito da Estilística fónica säo destacadas as chamadas ."tonalidades afec-tivas", que nos ajudam a exteriorizar o nosso estado de alma e que säo usadas CAMARA, Mattoso, Jr., Contribuigäo ä estilística portuguésa, Säo Paulo 1952, pp. 19-20. Ibidem, pp. 19-20. Ibidem, p. 5. Ibidem, pp. 19-20. Ibidem, p. 26. 62 IVA SVOBODOVÁ em poesia a propósito de exprimir clareza, forca, escuridäo e outras impressöes. Entre outros meios expressivo-estilisticos menciona as diferentes qualidades vo-cálicas, a colocacäo do acento no lugar das vogais átonas: "... de um lado, (a estilística fónica) pode dar tonicidade a uma partícula átona, em que se con-centra a emocäo ou o impulso volitivo (...) de outro lado, pode elevar a tönicaplena uma sílaba feita subtönica pela sua posicäo no sintagma: Umbelo livro!, com a förca de emissäo de be- em predomlnio söbre a de Ii- numa inversäo do ritmo acentual progressivo."9 J. M. Cämara menciona, entre outros factores que influem no discurso esti-listicamente matizado, diferentes possibilidades de realizacöes consonänticas e vocálicas, introduzindo na linguistica portuguesa o termo "forma marcada" e "näo marcada" (a realizacäo laringal de r- no inicio de uma palavra, realizacöes dialectais e regionais do -s final, de b e v iniciais, válidas näo só no contexto do portugués do Brasil mas também no contexto do portugués europeu, onde tais va-riantes surgiram ao longo da evolucäo da lingua portuguesa e que säo evidentes, sobretudo, nas partes fronteiricas). O seu objectivo, näo obstante, é aplicar o termo "a variante marcada" ao estu-do das capacidades vocálicas e consonänticas de exprimir diferentes estados de alma, mencionando, por exemplo, uma implosäo mais intensiva da realizacäo do b no inicio de uma palavra que exprime um certo grau de impaciéncia e nervosis-mos, e outros, facto, pelo qual se afasta da Escola de Praga: ;'...o valor dos fonemas podem evocar estados d'alma, aspectos naturais concretos ou concep-cöes abstractas, como, entre muitos outros, os sentimentos de cólera, admiragäo, dor, melan-colia, as sensagöes de arrepio, rogamento, ronco, estalo, ou as idéias de fluidez, lentidäo, peso, amplitude, tenuidade."10 Quanto ä Estilística lexical, salienta a importäncia das palavras emocionaliza-das, as chamadas "loaded words", acentuando o carácter polissémico da palavra que pode apresentar duas funcöes: a informativa e expressiva: "A funcäo infor-mativa (...) procura empregar (as palavras) de maneira a reduzi-las ao seu sig-nificado neutro. A expressividade, ao contrario, faz delas instintivamente cabos elétricos de mais alta tensäo."11 Na parte dedicada á Estilística sintáctica estuda diferentes valores estilísticos das construcöes sintácticas. Nos anos sessenta säo publicadas duas obras essenciais que se dedicam ao estudo estilístico da lingua portuguesa: Gramática secundaria da lingua portuguesa, de M. Said Ali12 que se limita a abordar diferentes construcöes sintácticas estilisticamente activas, e Linguistica e estilo13que oferece ao leitor processos CAMARA, Mattoso, Jr., Contribuigäo ä estilística portuguesa, Säo Paulo 1952; p. 49. Ibidem, p. 49. Ibidem, p. 26. ALI, M. Said, Gramática secundaria da lingua portuguesa, Säo Paulo 1964. Linguistica e Estilo; autoria colectiva de Nils Erik ENKVIST, John SPENCER a Michael J. GREGORY, obra traduzida por WilmA. Assis, Säo Paulo 1964. 9 10 11 12 13 ESTILÍSTICA E A SUA POSICÁO DENTRO DO CONTEXTO DA LINGUÍSTICA PORTUGUESA 63 metodológicos da análise estilística, sublinhando a importáncia do contexto e da sua influéncia na seleccáo dos meios estilísticos e na sua organizacáo e fazendo diferenca entre a micro-estilística (que estuda os níveis micro-linguísticos) e ma-cro-estilística (que estuda os níveis macro-linguísticos, ao quais pertencem os factores estilísticos exteriores, como sáo o tempo e o lugar do discurso, relacáo entre os participantes do diálogo, predicabilidade ou impredicabilidade contextual dos itens linguísticos). E aqui pela primeira vez que encontramos o termo "marcador de estilo", in-troduzido pela Estilística funcional praguense, que corresponde aos componentes que estáo em oposicáo com os componentes estilisticamente neutrais, componentes esses que sáo usados conforme os chamados factores pragmáticos ou confor-me a motivacáo extra-linguística. Os anos setenta sáo influenciados ainda mais pela estilística funcional e es-truturalista. Aparecem pela primeira vez as traducoes das obras de importantes personalidades como sáo Roman Jakobson Linguística e comunicagáo14, ou Michael Riffaterre Estilística estrutural15, cujas influéncias sáo evidentes, embora náo incluídas na bibliografia da Gramática Construtural da Lingua Portuguesa16, da autoria de Eurico Back e Geraldo Mattos17. Alem de ser acentuada a funcáo comunicativa da lingua tanto falada como literária (porque é esta que nos oferece uma ampla escala de situacoes em que sáo utilizados diferentes meios linguísticos expressivos e impressivos) e poética, o estilo é aqui definido, analogamente como na estilística francesa, com base dos desvios á norma, constituindo a norma a "linguagem zero, neutra". Semelhantemente á classificacáo estilística elaborada por J.Cámara, também aqui nos deparamos com uma semelhante divisáo concer-nente ao contexto que pode ser de dois tipos: o micro contexto (que talvez possa ser comparado com o contexto verbal) e o macro contexto (compare-se com o contexto extraverbal): o micro-contexto que representa um certo processo esti-lístico interno (verbal), no ámbito do qual o efeito estilístico é conseguido pela predicabilidade e impredicabilidade dos elementos num marcrocontexto, que é percebido como um mecanismo exterior estilístico (extraverbal) que ora pode intensificar o efeito estilístico do micro-contexto, ora atenuar, eventualmente li-quidar o efeito estilístico. A funcáo estilística consiste, portanto, na valorizacáo das palavras e das ex-pressoes, que em circunstáncias normais náo chamariam especial atencáo, mas usados em contextos diferentes podem ser estilisticamente activos (relevante também é a reaccáo do recipiente que atribui aos sinais linguísticos os próprios valores). Para conseguir um efeito estilisticamente activo sáo usados os meios estilísticos pares e ímpares. Os elementos pares sáo os que podem ser encontra- BLIKSTEIN, Izidoro, Linguística e comunicagáo, Sao Paulo 1970. RIFFATERRE, Michael, Estilística estrutural, traduzido por Daniel Delas, Sao Paulo 1973. Gramática Construtural da Lingua Portuguesa, obra colectiva de Eurico BACK e Geraldo MATTOS, Sao Paulo 1972. Ibidem. 14 15 16 17 64 IVA SVOBODOVÁ dos no eixo sintagmático (os elementos verbais), os elementos ímpares säo os que podem ser encontrados no eixo paradigmático (todos os elementos supra-segmentais). Na Gramática Construtural säo acentuadas as necessidades de conhecer, in-condicionalmente, as características construturais: ou sej a, características morfo-nológicas, sintácticas, semánticas e lexicais dos sinais linguísticos. Aconstrutura de uma palavra ou de um discurso inclui tanto a sua "construcäo" (características morfo-fonológicas), como a sua "estrutura" (características sintácticas), e as suas características lexicais e semánticas. Estes estudos construturais predeterminam o carácter dedutivo da estilística construtural. A pesquisa estilística tern sido indutiva, em todos os trabalhos realizados até o presente: partem de vários estilos pessoais e pretendem atingir o estilo social; comparam vários estilos de época e tentam desembocar no estilo de lingua, evidentemente intuído pelos vários tratadistas que abordam o problema estilístico. A nossa técnica nos proíbe o método indutivo: pela primeira vez, uma lingua de grande civilizagäo possui desvendadas as suas construturas lexicais e semánticas e nos permite o exame estilístico dedutivo, principiando pelo estilo de lingua.18 Nos anos oitenta é publicada a obra Análise de comunicagäo, Estilística a aná-lise textual19, a qual parte da ŕuncäo comunicativa da lingua e dos seus compo-nentes: o contacto ou contexto verbal, contexto extraverbal, mensagem, canal e código. O efeito estilístico é conseguido por meio dos recursos estilísticos usa-dos de acordo com a ŕuncäo da lingua (entre outros recursos estilísticos men-cionemos: aliteracäo, palavras onomatopaicas, ritmo, rima, metonímia, alegória, eufemismo, disfemismo, irónia, hipérbole). Entre as principais ŕuncôes comunicativas säo aqui consideradas: - a ŕuncäo inŕormativa ou reŕerencial que parte do contexto extraverbal e que aponta para o espaco exterior (tempo e lugar) da lingua, - a ŕuncäo poética que acentua o conteúdo e forma da mensagem, - a ŕuncäo expressiva que parte do auto-discurso do ŕalante e da exterioriza-cäo das suas emocôes, - a ŕuncäo apelativa que exprime a intencäo de inŕluenciar o ouvinte, de o obrigar a executar algum acto, - a ŕuncäo metalinguística que acentua a forma propria da lingua utilizada. Esta obra oŕerece-nos também a divisäo linguística horizontal geográŕica, diabetica e ŕuncional da lingua (linguagem padräo, linguagem ŕalada, proŕissional, social). Eurico BACK, Geraldo MATTOS,Gramática Construtural, Sao Paulo 1972, pp. 725. Análise de comunicagáo, Estilística a análise textual; obra colectiva de Maria Beatriz FLORIDO, Maria Emilia DUARTE DA SILVA, Joaquim FONSECA, Porto 1981. ESTILÍSTICA E A SUA POSICÄO DENTRO DO CONTEXTO DA LINGUÍSTICA PORTUGUESA 65 O carácter eclético da estilística Apesar das publicacöes acima mencionadas, e das tentativas de estudar os factores estilisticos da lingua escrita e falada, evidente, por exemplo, nas obras re-cém publicadas, como o Livro de Estilo10, que explica os principios éticos e deon-tológicos do jornalismo ou Teória de Comunicagäo11, que explica as estratégias de comunicacäo nos mass-média, etc., a Estilística como se perdesse no meio da longa série de disciplinas linguísticas. Em comparacäo com a posicäo que a Estilística ocupa noutros países europeus, a Estilística portuguesa pede emprestado o "sistema terminológico" doutras disciplinas: da comunicacäo verbal, análise textual, linguística quantitativa, linguística pragmática, teoria dos actos de fala, psicolinguística, neurolinguística, linguística quibernética, filisofia de lingua, etc., disciplinas que, evidentemente, manifestant uma posicäo muito mais forte dentro do contexto da linguística portuguesa. Comparacäo da terminológia estilística nas línguas checa e portuguesa Em ambos os casos, a Estilística está ligada com a ŕuncäo comunicativa da lingua, com a seleccäo dos meios expressivos por meio do desvio ä norma, com a variedade linguística, com o estilo colectivo ou individual da lingua. Enquanto que no contexto checo, por longos anos predominou a estilística ŕun-cional com base na classificacäo funcional das línguas estabelecida por Havránek nos anos 30-40 do século passado, no contexto portugués tal divisäo formal das línguas como se näo existisse. As duas linguísticas, näo obstante, compartilham pontes em comum. Em ambos os contextos, a estilística é dividida em duas ciéncias: linguística e literária, o que comprova a definicäo desta disciplina no Dicionário da lingua portuguesa contemporänea ou como "3. Ramo da linguística que estuda os valores afectivos dos meios expressivos e dos processos de estilo de uma lingua." Ou como "4. Liter. Estudo científico do estilo nas obras literárias de um autor, de um género ou de um periodo literário."22 Enquanto que no contexto checo, a estilística está a ser percebida antes como estilística linguística (ou estilística dos meios expressivos) que se aproxima muito da sociolinguística e da linguística textual, no contexto portugués (ou románico) podemos constatar que está a predominar a vertente literária (que corresponde, talvez, na linguística checa com a Poética), concentrada nos estudos da classificacäo dos generös, especificidades de autores e de obras, embora haja aspectos em Livro de estilo, Lisboa, Publico-Comunicagäo Social, AS 2005. Wolf MAURO, Teoria de Comunicagäo, Lisboa 2003. Dicionário da Ungua Portuguesa Contemporänea, Academias da Ciéncias de Lisboa, I volume, p. 1579. 20 21 22 66 IVA SVOBODOVÁ que esta se apresenta estreitamente ligada com a linguistica: estudo de diferentes estruturas sintácticas, da riqueza do vocabulário, etc. O motivo de acentuarmos a posicäo da Estilística é o facto de ela, alem de poder explicar diferentes usos dos meios expressivos, poder ser percebida como uma disciplina linguistica autonoma. Na obra do linguista eslovaco Ján Findra. "Styléma a paradigmatika stylistiky"23, a autonomia desta disciplina é justincada pela estrutura complexa daunidade estilística chamada "o estilema", termo que no contexto da linguistica portuguesa näo existe, sendo exclusivamente relacionado com a literatura: encontramo-lo ligado com os nomes próprios: estilema queiro-siano, lispectoriano, estilema camoniano, e por mais que procuremos, encontra-mos apenas uma única definicäo existente do termo estilema: "Marca distintiva do estilo de um autor, quer sej a determinada pelo gosto da época a que pertence esse autor quer seja uma invencäo singular a nível formal e/ou linguístico"24. Näo obstante, nos estudos checos referidos a problemática da disciplina, o estilema é definido e encarado mais profundamente: pode ser qualquer elemento, tanto do "valor intelectual" como do "valor sentimental" da palavra, näo predicá-vel num determinado contexto, ou seja, um elemento estilisticamente activo que cháma a atencäo do ouvinte e que se acentua num fundo estilisticamente neutral. O estilema pode ser dividido em expressivo-emotivo (chamado pragmema, ou componente pragmático) ou informativo (chamado informema ou componente informativo). Por outras palavra, num texto (ou discurso) infantil, uma palavra infantil pode ser percebida como estilisticamente passiva (pode ser considerada como informema - num fundo estilisticamente neutral näo se salienta nem a sua forma nem o seu significado), e ao contrario, num discurso formal, a mesma palavra infantil pode resultar estilisticamente activa construindo um componente pragmático. Daí se infere que as palavras, isoladamente, näo conseguem ser estilemas. As palavras podem tornar-se marcadores de estilo distintivos e näo distintivos dentro de um contexto, sendo que comparticipam no perfil estilístico do texto. Analo-gamente ä divisäo vertical da lingua, poderíamos tracar uma estrutura vertical do estilema que consiste no facto de ele poder existir a todos os niveis linguisticos verticals: fónico, lexical, morfológico, sintáctico e semäntico, sendo a funcäo do estilema desempenhada, respectivamente, pelo fonema, lexema, morfe, sintagma e sema, que, do ponto de vista pragmalinguistico, podem assegurar tanto a base informativa do discurso como a sua emocionalizacäo. Com base no cunho estrutural do estilema apoia-se a nossa conviccäo de que a Estilística podia existir, também dentro da linguistica portuguesa, como uma disciplina autonoma, já que apresenta tanto a sua hierarquia vertical (camadas linguísticas) como horizontal (diferentes tipos de linguagens classificados segun-do os factores regionais, dialectais, sociais e outros), facto muito importante que possa contribuir a que os estudos de uma lingua (tanto materna como estrangeira) Tradugäo da obra: „Estilema e a sua paradigmática". http://www.fcsh. unl.pťedti/verbetes/E/estilema.htm. ESTILÍSTICA E A SUA POSICÄO DENTRO DO CONTEXTO DA LINGUÍSTICA PORTUGUESA 67 näo se limitem a estudar apenas a norma gramatical, mas também possibilidades estilisticas da lingua tanto falada como escrita. Bibliografia ASSIS, Wilem A., Linguística e estilo, Säo Paulo, Editora Cultrix 1964. BACK, Eurico, MATTOS, Geraldo, Gramática Construtural da Lingua Portuguesa, Säo Paulo, Brasil 1972. BLIKSTEIN, Izidoro, Linguística e comunicagáo, 4a edigäo, Säo Paulo, Cultrix 1970. CAMARA, Mattoso Jr, Lntrodugäo á Estilística, Säo Paulo 1997. CEIA, Carlos, Dicionário de termos linguísticos e literários, http://www.fcsh.unl.Pt/edtl/verbetes/E/estilerna.litm CRESSOT, Marcel, O Estilo e As Suas Técnicas, Lisboa, Edicöes 70 1947. CROCE, Benedetto, Aesthetika vědou výrazu a všeobecnou linguistikou, 2 tomos, tradugäo de Emil Franke, Praga, Otto 1907. ČERNÝ, Jiří, Dějiny lingvistiky, Olomouc Votobia 1996. CHLOUPEK, Jan, Stylistika češtiny, Praga SPN 1990. Dicionário da lingua portuguesa contemporánea, Lisboa, Acadamia das Ciéncias de Lisboa e Editorial Verbo 2001. FINDRA, Ján, „Styléma a paradigmatika stylistiky", em Sborník prací filozoficko-přírodovědné fakulty Slezské Univerzity v Opavě, řada jazykovedná, (D2) 2002. FLORIDO, Maria Beatiz, DU ARTE DA SILVA, Maria Emilia, FONSECA, Joaquim, Análise de comunicacäo, Estilística a análise textual, Porto, Porto editora 1981. HILL, A. 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