ETUDES ROMANES DE BRNO 30, 2009, 1 IVA SVOBODOVÁ Ä PROCURA DE VALORES ESTILÍSTICOS DO ARTIGO EM PORTUGUÉS CONTEMPORÄNEO: TEMPO E ESPACO COMO FACTORES LINGUÍSTICOS E EXTRALINGUÍSTICOS QUE COMPÖEM O SEMEMA DO ARTIGO I. Posicäo da Estilistica na Linguística Checa e Portuguesa Durante a história da Linguística Geral, a posicäo da Estilistica visualizou-se só no século XIX quando se tornou parte da Antropológia que estuda a cultura através dos meios da linguagem e no ambite da qual se introduz a preocupacäo de considerar os factores extra-linguisticos como medida de avaliacäo semántica de discursos ilocutórios, facto que leva a um carácter eclético e interdisciplinar da linguística, sobretudo na segunda metade século XX. Ao longo dessa história, elaboram-se estudos complexos das condicöes fisiológicas e psicológicas do uso da linguagem tanto individual como colectiva, em diferentes ambientes sociais. Estas questóes tornam-se também objecto da Estilistica sendo a sua implantacäo em diferentes paises europeus realizada de modos diferentes. O objectivo do nosso estudo será a comparacäo dos métodos da Estilistica usados em linguística checa e em linguística portuguesa, com o propósito de mostrar os métodos estilísticos enraizados, recentemente, na linguística checa, e a possi-bilidade de os aplicar na análise de fenómenos gramaticais - concretamente do uso do artigo em portugués contemporäneo. Neste artigo pretendemos sugerir um instrumente que talvez possa, em grande medida, ajudar a explicar melhor o sentido da categoria gramatical de que a lingua checa carece. Para justificar a possibilidade de utilizar tal método, parece-nos indispensável lembrar que a Estilistica se enraizou em Portugal como disciplina linguística já nos anos cinquenta do século passado e que tem uma base forte em que pode construir as suas análises estilísticas, apesar de sérem assentes nas concepcöes de linguistas franceses como Ch. Bally ou M. Rifaterre. II. Diferencas entre a Estilistica da Lingua Checa e a Estilistica da Lingua Portuguesa Apesar de as concepcöes e o aparato terminológico em diferentes paises näo sérem homogéneos, poderiamos constatar que os princípios desta disciplina säo 244 IVA SVOBODOVÁ idénticos em ambos os países, como ilustraremos adiante pela comparacáo das duas estilísticas. Referiremos, brevemente, cada um dos aspectos: as semelhancas e as diferenci as entre as concepcoes da dita disciplina. Quanto aos pontos idénticos, é de realcar o facto de que em ambos os ca-sos a estilística vé-se estreitamente ligada com a funcáo comunicativa da lingua e com a expressividade dos meios linguísticos. Nas poucas obras que se ocupam da estilística da lingua portuguesa, encontramos basicamente todos os princípios nos quais se baseia também a da lingua checa. Num primeiro lugar, citemos a importante divisáo iniciál estilística das pala-vras em palavras intelectuais e sentimentais (em linguística checa poem-se em oposicáo a sentimentalidade e náo sentimentalidade), citada já na obra pioneira Estilística da Lingua Portuguesa, de Manuel Rodriques Lapa, onde sáo colo-cadas em oposicáo as linguagens intelectual e sentimental. Analogamente, em Contribuigao á Estilística Portuguesa de Mattoso Cámara Jr, considera-se a lin-guagem como um acto individual, como um instrumente de exteriorizacáo náo só do intelecto mas também do mundo interior, sendo necessário para os estudos estilísticos dos meios expressivos aperceber-se do limite de tal exteriorizacáo causado pelas competéncias e performances do falante. Em segundo lugar mencionemos a importáncia de definir o objecto da estilística o que acontece já nos anos cinquenta no livro Le style et ses techniques de Marcel Cressot, obra traduzida para portugués pelo próprio autor que compara a estilística das línguas francesa e portuguesa. A estilística é, analogamente á estilística da lingua checa, concebida como a disciplina cujo objectivo consiste em seleccionar os meios linguísticos de acordo com o tipo de linguagem e com o objectivo de assegurar o maior efeito possível do acto ilocutório. Acrescen-te-se que M. Cressot, ao contrário de Ch. Bally, aponta para a possibilidade de estudar náo só os meios expressivos na lingua falada como também na lingua escrita. Em terceiro lugar, destaquemos a divisáo da estilística segundo diferentes pianos linguísticos - em ambas as linguísticas, hátendéncias para estudar os valores estilísticos dos meios linguísticos nos pianos individuals da lingua - no piano fo-nético-fonológico, lexicológico - semántico, sintáctico e morfológico. Como tra-balhos estruturais-estilísticos podem ser caracterizados, por exemplo, Gramática Construtural da Lingua Portuguesa, da autoria de Eurico Back e Geraldo Mattes, influenciado por Michael Riffaterre e pela sua Estilística Estrutural. O estilo é estudado aqui, analogamente ao que se faz na estilística francesa, com base nos desvios á norma, constituindo a norma a "Linguagem zero", neutral. A dicotomia norma x desvio á norma também entra na estilística da lingua checa. Parece que também nos anos oitenta, quando é publicada Análise de comuni-cagao, Estilística e análise textual, encontramos mais um ponte convergente que consiste na divisáo funcional das línguas em diferentes estilos chamados "regis-tos" (linguagem padráo, linguagem falada, profissional e social), termo traduzido do inglés "register". Á PROCURA DE VALORES ESTILÍSTICOS DO ARTTOO EM PORTUGUÉS CONTEMPORÁNEO 245 Referiremos, a seguir, os pontos divergentes investigados. Partindo de longas investigates chegámos a várias conclusoes. A pesar de que em ambos os casos a estilística é caracterizada como um ramo interdisciplinar que colabora com diferentes disciplinas linguísticas (como ateo-ria de interaccáo verbal, contextualismo, tipologia textual, linguística cognitiva, etc.) a estilística da lingua checa é, apesar do carácter ecléctico, cada vez mais concebida como disciplina autonoma, o que náo acontece no caso da estilística da lingua portuguesa, que parece ser invisível e perdida entre as outras disciplinas. Uma forte posicáo da Estilística no contexto checo parte da sua tradicáo mais lon-ga: já nos anos trinta e quarenta do século passado foram publicadas náo poucas obras relativas á problemática da sua estilística (os autores mais importantes sáo J.V Bečka; B. Havránek, J. Mukařovský, F. Danes, L. Doležel, K. Hausenblas, M. Weingart, etc.). Na linguística portuguesa encontrámos apenas um autor que se ocupe desta disciplina, ie. Manuel Rodrigues Lapa. Sublinhemos também que, actualmente, há um grande esforco de continuar a elaborar, profundamente, as teorias das análises estilísticas da linguagem na linguística checa. Em linguística checa é reforcada cada vez mais a sua posicáo por estudos cada vez mais comple-xos dos seus objectivos e dos métodos científicos exactos que justifiquem a sua existéncia e posicáo "independente". Uma das provas que fazem valer a sua funcáo autonoma consiste em definir, de forma mais exacta possível, a unidade minima estilística, chamada "estilema", que é percebido por autores checo-eslovacos como um elemento que tem um carácter estrutural, sendo que existe em diferentes pianos linguísticos. Náo obstante, o termo "estilema", em Portugal só se refere á marca distintiva de um autor, quer seja determinada pelo gosto da época a que pertence esse autor quer seja uma invencáo singular a nível formal ou linguístico. Esta definicáo talvez possa explicar a tendéncia de perceber a estilística como uma interdisciplina antes lite-rária, o que reflecte a sua posicáo, por exemplo, em Franca. Vejamos, brevemente, as definicoes existentes do estilema na linguística checa. Primeiro, o estilema pode ser definido como qualquer unidade do texto capaz da sua activacáo estilística. A actividade estilística das unidades textuais em diferentes pianos linguísticos consiste em acrescentar ao significado nocional das unidades textuais um valor estilístico. O valor estilístico náo deve ser confundido com o significado estilístico. O valor estilístico vincula-se ao processo geral da formacáo e da percepcáo do acto ilocutório, no ámbito do qual um único lexema pode ter mais "significados estilísticos". O seu valor estilístico é, náo obstante, unificado e é fortemente relacionado com a divisáo funcional da linguagem. O significado estilístico faz parte da característica do lexema enquanto o valor estilístico de um lexema pode ser dado também pelo seu uso individual sem mudar o significado da palavra. Segundo, há autores que definem o estilema como a unidade textual capaz de náo activar estilisticamente o texto, como também predeterminar o carácter do texto, havendo também uma forte vinculacáo com a divisáo funcional das línguas. 246 IVA SVOBODOVÁ Terceiro, o estilema pode ser percebido também como desvio ä norma. III. O valor estilístico e o significado estilístico Como já foi referido, o valor estilístico vé-se estreitamente ligado com a di-visäo ŕuncional da lingua mas näo pode reduzir-se só aos estilos funcionais (re-gistos), apesar de a divisäo dos estilos segundo a funcäo dos textos, em que se estabelecem os valores estilísticos, servir de base ä estilística checa. Também outros factores estilísticos inŕluenciam a concepcäo do valor estilístico - como por exemplo a questäo da divisäo da lingua em lingua escrita e lingua falada em que säo válidas normas estilisticas diferentes - por exemplo arcaísmos x neolo-gismos, sentimentalidade x formalidade, oficialidade x familiaridade, etc. Os valores estilísticos säo constantes e nascem quando uma unidade estilística se repete em tipos idénticos de contextos. O valor constante é um termo que figúra em Gramática Constutural da Lingua Portuguesa sob o nome "constancias" que säo definidas como os elementos constantes que näo podem ser eliminados. trocados ou alterados, sob pena de mudanca de significado ou incompreensäo. Os valores estilísticos säo de diferentes tipos: aderente - quando foi aderido um significado estilístico ao próprio significado lexical (como por exemplo no caso das palavras expressivas que tém um valor estilístico aderido e que säo tí-picas para a lingua falada afectiva mas näo podem ser usadas por exemplo em textos especializados). Na periféria do vocabulário encontramos o valor estilístico inerente. Trata-se de lexemas criados para cobrir necessidades comunicativas numa determinada esfera de comunicacäo: termos técnicos e palavras especializadas. Estas palavras fazem parte de um sistema especial, j á que nelas foi desenvolvido um pleno significado nocional, mas suprimida a componente pragmática da comunicacäo. Estes lexemas säo distribuídos apenas em esfera de comunicacäo profissional. Um outro tipo de valor é o chamado valor estilístico contextual, baseado em actualizacäo do sentido e da forma de palavras em determinados contextos. Este tipo de valor estilístico é resultado da intencäo criativa do autor que, por exemplo, cria oposicäo entre diferentes expressôes partindo da predicabilidade ou impre-dicabilidade das palavras em diferentes tipos de textos, sendo que estes valores estilísticos säo frequentes na lingua falada ou publicitária. IV. Factores estilísticos objectivos e subjectivos No nosso artigo reservámos ä estilística vários objectos de estudo: estudo de diferentes estilos de linguagem; estudo dos meios linguísticos de acordo com o tipo de linguagem e com o objectivo de assegurar o maior efeito possível do acto ilocutório; estudo de valores e significados estilísticos dos lexemas e unida-des superiores a eles. A PROCURA DE VALORES ESTILISTICOS DO ARTIGO EM PORTUGUES CONTEMPORANEO 247 Aos objectos citados deveriamos acrescentar mais um, que consiste implici-tamente em estudar os processos da comunicacao verbal e com ele o processo da criacao de estilo. Para podermos criar um estilo, ha de haver pressuposicao da existencia de mais possibilidades ao nivel fonetico-fonologico, morfologico. estilistico, lexical, sintactico e textual. O autor do acto ilocutorio pode alterar os meios de linguagem, actualizar o seu uso, eventualmente criar novos meios ex-pressivos. Todos os factores que influenciam a seleccao dos meios de linguagem e o resultado final do estilo sao denominados "factores estilisticos". A estilisti-ca divide estes factores em objectivos e subjectivos. Os factores objectivos sao aqueles que incluem todas as circunstancias objectivas que condicionam a forma final da comunicacao, os factores subjectivos, denominados tambem individuals, sao estreitamente ligados com o individuo e a sua individualidade. Refiramos, a seguir, factores objectivos e subjectivos estilisticos. Entre os factores objectivos contam-se: a funcao da lingua (de comunicacao profissional, educativa, directiva, operativa, persuasiva, estetica, etc.), o cunho da comunicacao (publico, familiar, oficial), a forma de comunicacao escrita ou falada, o grau de preparacao do falante e do ouvinte, o tema da comunicacao, o tempo e espaco da comunicacao Entre os factores subjectivos mencionemos: a capacidade e competencia mental - intelectual dos participantes, a capacidade de abstraccao e de pensamento logico, o conhecimento da lingua falada e escrita, tanto normativa como nas suas variantes estilisticas, experiencias de vida, culturais e sociais, a educacao e for-macao dos participantes da comunicacao, etc. Como vemos, os objectivos da estilistica parecem com efeito convergir com as tendencias actuais da linguistica, cuja questao central foi deslocada da inves-tigacao da gramatica generativa para questoes processuais, tornando as questoes descritivas complementares daquelas. Opinamos que este facto e de extrema im-portancia nao so para a "humanizacao" da linguistica como tambem, implicita-mente, para o esclarecimento das gramaticas de diferentes linguas. No nosso artigo centraremos a atencao na aquisicao da lingua portuguesa como a lingua segunda, em cujo ambito surgem, por parte dos estudantes esla-vos, grandes problemas na percepcao de alguns fenomenos gramaticais, como, por exemplo, o uso dos determinantes em portugues contemporaneo (o artigo de que a lingua checa carece), os tempos e os modos verbais (de que a lingua checa carece: a lingua checa so tem tres tempos: futuro, presente e passado), e outros. V. Tempo e espaco como factores estilisticos do uso do artigo em portugues contemporaneo Das investigacoes que foram realizadas nos ultimos anos permitimos constatar que o artigo tem um forte valor estilistico (sendo o seu uso dependente do registro e do ambiente da comunicacao), e que e, do ponto de vista estilistico, semanti-camente polivalente. No seu uso e interpretacao semantica e em seus valores es- 248 IVA SVOBODOVÁ tilisticos, como veremos adiante, interferem sobretudo dois factores estilisticos: o tempo e o espaco da comunicacäo. Näo obstante, como tentaremos mostrar no nosso estudo, o tempo e o espaco näo so constituem factores estilisticos externos e determinant os diferentes con-textos da comunicacäo, mas tambem podem ser vistos como factores internos, microlinguisticos, que podem determinar a funcäo do artigo (tempos verbais, espaco sintäctico em que o sintagma nominal, cuja parte e o determinante - artigo, desempenha diferentes funcöes sintäcticas). VI. O tempo e o espaco como factores externos No primeiro caso, o tempo e o espaco fazem parte do contexto extra-linguis-tico que abränge tudo o que existe fora da lingua num dado espaco e tempo. 0 artigo pode fazer parte do sintagma nominal (referencial) que existe no contexto extra-linguistico, o qual pode ser directo (existe num dado espaco e tempo da comunicacäo) ou indirecto (näo tem que existir obrigatoriamente no espaco e no tempo da comunicacäo). Entre os directos mencionemos: Contexto fisico: o sintagma nominal e referencial, directo, sendo que existe um referente concreto no espaco e no tempo da comunicacäo. Fecha a janela! Nos sintagmas referenciais indirectos podemos incluir todos aqueles que fazem parte dos seguintes contextos: Contexto empirico: o sintagma nominal alude indirectamente ä tal realidade extra-linguistica que näo pode ser percebida pelos örgäos dos sentidos, mas existe na subconsciencia do falante e do ouvinte num determinado espaco e tempo. Ja veio a mäe? Contexto natural inclui todos os contextos empiricos conhecidos por todos os participantes da comunicacäo, sendo o tempo e espaco factores irrelevantes, por-que se trata de conhecimentos gerais relativos ä natureza. O mundo e simplesmente assim. Contexto ocasional - o sentido do substantivo/ ou da fräse e dado pelo tempo e espaco em ela se usa: Meteu a cabega na areia /escondeu-se. Ä PROCURA DE VALORES ESTILÍSTICOS DO ARTIGO EM PORTUGUÉS CONTEMPORÁNEO 249 Contexto cultural e histórico representa todos os conhecimentos do nível cultural e histórico que os participantes da comunicacäo deviam ter para que seja possível a comunicacäo entre eles. No ämbito da pragmática linguística é usado frequentemente a classificacäo do contexto em contexto verbal imediato (chamado também contexto textual -que inclui as relacöes dentro do texto escrito ou falado), contexto situacional (que inclui todas as informacöes decorrente de uma dada situacäo), contexto socio - cultural (denominado macro-contexto), que inclui todas as informacöes sócio-culturais que condicionam a "performance", o resultado e a forma final da expressäo verbal. VII. O tempo e o espaco como factores internos No segundo caso falamos do contexto linguístico (verbal ou textual), no ämbito do qual o tempo e o espaco seräo percebidos como factores "gramaticais" ou "microlinguísticos" que influenciam o uso, a funcäo, o valor e a interpretacäo semántica do artigo. a) o tempo De acordo com as nossas investigacöes constatamos que os tempos verbais (neste caso ponhamos em relacäo dicotómica os tempos passado x futuro) säo semanticamente relevantes na medida em que podem predeterminar as funcöes atributiva e de individuacäo (do artigo definido) ou intensional e extensional (no caso do artigo indefinido). Definamos a funcäo de individuacäo como funcäo que consiste em apontar para um referente concreto, já existente de acordo com o conteúdo da frase su-bordinada, cuja existéncia näo se pode negar. Ao contrario, a funcäo atributiva aponta para um referente que só no futuro (tanto proximo como distante), existirá e que corresponded com a característica expressa na frase subordinada. Vejamos os nossos exemplos onde os tempos verbais que figurám nas oracöes subordina-das relativas podem, em grande medida, predeterminar a funcäo do artigo que faz parte do SN na oracäo principal: A pessoa que eu conheci era medico. fungäo de individuagäo (passado) Vou comprar a casa da qual eu gostar mais. fungäo atributiva (futuro) As gramaticas da lingua portuguesa mencionam semelhantes exemplos para ilustrar a polivaléncia semántica do artigo mas näo pondo em relacäo o uso dos tempos verbais com a interpretacäo funcional do artigo. Exemplos como os acima mencionados podem ser caracterizados como prototipicos, com cuja base poderia comecar a realizar-se a genese de outras frases idénticas quanto ä funcäo do artigo, onde o verbo no tempo passado e no modo indicativo na oracäo subordinada aponta 250 IVA SVOBODOVÁ para as accöes realizadas no passado, o que aumenta a probabilidade de o artigo ter a funcäo de individuacäo na oracäo principal. Ao contrario, os sintagmas no-minais, cujo referente pode näo existir, ligados com o modo do conjuntivo ou com os tempos futuros na oracäo subordinada, implicam uma hipótese, possibilidade de existéncia, mas näo se referindo ao objecto ou pessoa já existentes, concretes. Poderíamos entäo constatar que existe uma relacäo directa entre os tempos e modos verbais e a interpretacäo semäntica das funcöes do artigo definido. Näo obstante, haverá casos que poderäo negar as nossas observacöes, como por exemplo as construcöes de clivagem, onde, no ambite do SN que aponta, em circunstäncias normais, sempře para um referente concreto, a funcäo do artigo é de individuacäo, sendo aderido ao SN um valor de destaque. Foi o queijo que o corvo comeu. Será o queijo que o corvo comerá. E o queijo que o corvo come. Quanto äs funcöes do artigo indefinido, as gramáticas mencionam a funcäo especifica do artigo que aponta, analogamente com o definido, ou para uma existéncia inegável de um referente concreto, dada pelo conteúdo da fräse subordinada e a funcäo näo especifica (intensional) que consiste em apontar para um referente que só num futuro proximo ou distante existirá e que corresponderá com a caracteristica expressa na fräse subordinada. No caso do artigo indefinido, as funcöes parecem mais vinculadas aos modos verbais, como, por exemplo o conjuntivo, o condicional, com verbos que referem mundos possiveis (desejar, esperar, querer) ou alguns verbos modais (dever, poder, ter de), como ilustram os seguintes casos. Compraria um carro mas näo tenho dinheiro. Desejo comprar um carro. Podias iazer-me um favor? Tenho que comprar uma nova casa Também a modalidade oracional pode predeterminar a funcäo näo especifica do artigo indefinido, como por exemplo as interrogativas de sim ou näo, declara-tiva negativa com predicado positivo. A Ana conhece um cineasta? O Joäo näo tem uma casa de praia. b) o espa^o Também o espaco no qual se movimenta o sintagma nominal do qual o artigo faz parte é um dos factores positivos e relevantes quanto ä determinacäo do significado estilistico do artigo. Como veremos adiante, o tipo da estrutura Ä PROCURA DE VALORES ESTILÍSTICOS DO ARTIGO EM PORTUGUÉS CONTEMPORANEO 25 1 sintáctica pode decidir sobre a interpretacäo do componente semäntico do arti-go. Com base em observances de muitos anos do uso da lingua portuguesa em diferentes registros chegámos ä conclusäo de que a funcäo do artigo näo consiste só na actualizacäo ou determinacäo do substantivo mas também no enriqueci-mento estilístico do texto. Com base das definicöes do estilema mencionadas no segundo capitulo deduzimos que também o proprio artigo pode ser definido como um "estilema", unidade minima estilística, capaz de activar ou desactivar um texto e que pode ter duas componente s semänticas: pragmática e informativa (determinativa), denominados nas obras de Ján Findra como pragmema (valor pragmático - expressivo - emotivo - aderido) ou informema (valor informati-vo que transmite neutralmente uma pura informacäo no ämbito do processo de determinacäo), termos conhecidos em linguistica portuguesa sob o nome de valor intelectual e valor sentimental da palavra e que, estudados pormenorizadamente em linguistica checo-eslovaca, säo classificados no seguinte esquema: informema pragmema Forma näo marcada Forma marcada Sentido nocional Sentido emocional e expressivo Sentido neutral Matiz estilístico Observemos, com base nos exemplos abaixo mencionados, como estas duas componentes semäntico-estilísticas do artigo permutam no eixo sintagmático e paradigmático e como säo influenciadas pelo tipo da construcäo sintáctica: movimento semäntico do artigo no eixo sintagmático a) artigo definido: informema: O médico é bom. Deves visitar o médico. pragmema Ele é o médico. SN - sujeito SN - complemento directo SN - predicativo do predicado nominal (valor de énfase) b) artigo indefinido: informema: Ela gosta de um homem. pragmema: Esse é que é um homem. Aquilo é um homem / Ele é um Dom Quixote (valor estilístico de intensificacäo) SN- compl. indirecto SN- predic. do PN c) artigo nulo: pragmema: informema: Transeuntes paravam, carros passavam... SN -sujeito (uso literário) Lá encontraram transeuntes, carros... (valor específico) SN - complemento directo 252 IVA SVOBODOVÁ substituicäo do artigo no eixo paradigmático: Contos de Teresa. Contos da Teresa. informema pragmema (- ) Irene Lisboa tem hoje uma palestra na Faculdade de Letras. informema A Irene Lisboa tem hoje uma palestra aqui na Universidade. pragmema Uma Irene Lisboa utilizava outras palavras. pragmema A Maria estuda as licöes. (- ) Maria (senhora, dona Maria) está de servico. (- ) Mario Soares é presidente da República Portuguesa. O Mario Soares é um grande coleccionador de arte. informema pragmema informema pragmema Eu sou a senhora Soares. Eu näo sou uma Soares. informema pragmema VIII. Conclusöes Com as reflexöes acima procurou-se mostrar que o artigo em portugués con-temporáneo pode ser entendido näo só como operador dos processos semánticos de determinacäo, mas também como instrumente capaz de enriquecer - activar estilisticamente o texte de acordo com estratégias cognitivas e de comunicacäo. Para os fins da aquisicäo da lingua portuguesa pelos falantes cuja lingua carece do artigo, estes movimentos semánticos do artigo säo insuficientemente sistema-tizados e pouco esclarecidos. Apenas com bases empiricas de investigacäo e ob-servacäo atenta e detalhada das regularidades e das assimetrias e peculiaridades do uso do artigo em situacöes diferentes podemos deduzir e criar modelos proto-típicos. Esta conclusäo aponta para a necessidade de investigar métodos e instru-mentos estilisticos exactos que contribuam para estudos mais complexos do uso do artigo e para reforcar a importäncia da estilistica em linguistica portuguesa. A finalizar esta reflexäo sobre a procura dos significados estilisticos do artigo influenciado pelos factores do espaco e do tempo extra e intra linguisticos, gosta-riamos de apresentar sugestöes de pesquisa sincrónica actual dos valores e significados estilisticos do artigo em portugués contemporäneo. No presente trabalho dedicou-se maior atencäo aos significados estilisticos do artigo, sendo deixada de lado a procura do seu valor estilistico de acordo com a divisäo funcional das linguagens. Näo obstante, é de realcar o facto de o artigo ter um valor estilistico forte, por exemplo, no caso dos textos jornalísticos, onde já nos títulos é frequen-temente omitido, ou no caso dos textos literários, onde muitas vezeš parece ser anteposta a parte remática com determinante zero ao SV (Transeuntes paravam, janelas abriam-se....). Mas como se trata de uma problemática mais complexa, näo a incluímos aqui para evitar eventuais superficialidades. Para reforcar a ideia Ä PROCURA DE VALORES ESTILÍSTICOS DO ARTIGO EM PORTUGUÉS CONTEMPORÁNEO 253 de o artigo ter valor estilístico, séria útil estudar o seu uso por exemplo em po-esia, onde, segundo as nossas predicöes, é utilizado muitas vezes para manter o numero de sílabas em verso, em textos administratives e jurídicos, onde é maior a probabilidade de omitir a sua componente pragmática. Também nos textos pós-modernos é omitido o artigo com maior frequéncia. No conjunto de questöes relativas aos processos de determinacäo poderiam ser expostas situacöes em que o uso do artigo difere de acordo com o tipo de cada situacäo de comunicacäo. O único facto que nós, os falantes näo nativos da lingua portuguesa, vemos, é que o uso do artigo é muito subjectivo. Mas näo há estudos que se ocupem de tal subjectividade e só Portugueses nativos poderiam preencher esta lacuna e contribuir para uma mais fácil aquisicäo da lingua portuguesa. Bibliografia ALONSO, Amado, Estudios linguísticos, Madrid, Temas Esparto les 1951. ALONSO, Amado, „Estilística y gramática del artículo enespařtol", Estudios Linguísticos, Madrid, Temas Espařtoles 1974. AND RADE PERES, Joäo, Areas Críticas da Lingua Portuguesa, Lisboa, Telmo Móia 1995. ASSIS, Wilem A., Linguística e estilo, Säo Paulo 1964. AUSTIN, John. L, How to Do Things with Words, Oxford, Oxford University Press 1962. AZEREDO, Jose Carlos de, Lniciaqäo ä Sintaxe do Portugués, Rio de Janeiro, Jorge Zahar 2000. 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Ä PROCURA DE VALORES ESTILISTICOS DO ARTIGO EM PORTUGUES CONTEMPORÄNEO 255 Abstract and key words The usage of the article is a very complex problem that has to be studied from various angles and we try to incorporate here aspects that influence the correct selection of the articles, such as the type of contexts and objective and subjective factors. Till today, the theories and the analysis witch concern to this linguistic theme have been limited to the traditional grammars and some partial works. There are not a lot of theories witch clarify minutely all the aspects of the values of the indefinite, definite and zero article in the Portuguese language. The grammars of Portuguese language refer only the typical examples of the individualization, but they don't explain, for instance, the sense of the different contexts, they don't classify the different meanings and values of the articles. There is a lot of aspects to be studied, as, for instance, the synonymous relation between the definite and indefinite article, the knowledge of the extern reality, or the influences of the syntactic functions influence that affect the selection of the correct article. The article can be viewed as a stylization medium, which can, according to the context and to the operation of determination, influence the resulting meaning not only of the name but also of the phrase. We try to prove that the article has a very strong stylization's valor Stylistics, register, specific function of the article, atributive function of the article, intensional function of the article, extensional function of the article, context, stylem, pragmem, informem, subjective stylistic factors, objective stylistic factors