ETUDES ROMANES DE BRNO 32, 2011, 1 IVA SVOBODOVÁ ARTIGO DEFINIDO E NULO COM OS ANTROPÓNIMOS E TOPÓNIMOS 1. Valor estilistico do artigo definido ou nulo no caso dos antropönimos E nosso objectivo sugerir um metodo de anälise das interpretacöes semäntico-estilisticas do artigo acompanhado por antropönimos e topönimos em portugues contemporäneo, tendo presente näo so as concepcöes europeias da Estilistica como tambem a divisäo funcional da lingua na qual se baseia a Estilistica Fun-cional, cujo fundador foi o Circulo Linguistico de Praga. A procura dos valores estilisticos activos do artigo tem a sua justificacäo na falta de explicacöes formalizadas de todos os semas do artigo, o que resul-ta tambem em superficialidade da compreensäo do artigo por parte dos falantes näo nativos da lingua portuguesa (que carecem de competencia e da intuicäo linguistica essenciais para um uso adequado do artigo correspondente ao tipo de texto - do contexto, co-texto e macrocontexto). Propomo-nos, no presente estudo, investigar a lingua portuguesa a nivel da subjectividade, pressupondo que esta possibilidade näo desvie de tendencias actuais da linguistica portuguesa que veio a adquirir, durante as ultimas decadas, um matiz interdisciplinar, centrando o foco de atencäo no estudo de variacöes diasträticas, sociolögicas e diafäsicas. No presente trabalho partiremos da definicäo tradicional do artigo, que e definido tradicionalmente como operador dos processos de determinacäo mas, ao mesmo tempo, procuraremos os efeitos estilisticos secundärios que o artigo e ca-paz de provocar no caso dos antropönimos e topönimos. Os nossos resultados seräo destinados, sobretudo, aos falantes cuja lingua materna ou carece de artigo (sendo que näo o necessita porque consegue, atraves do contexto tanto linguistico como extralinguistico, determinar os nomes sem determinantes) ou conta com a presenca do artigo, mas este apresenta regras de utilizacäo diferentes. Propor-nos-emos incluir no nosso estudo o ponto de vista pragmätico-estilis-tico omitindo os movimentos semänticos do artigo esbocados, por exemplo, por tais personalidades como foi Gustave Guillaume que analizou os movimentos de trajectöria do concreto para o abstracto, do abstracto para o universal, ou do universal para o concreto. Este estudo partirä de uma serie de artigos publicados 158 IVA SVOBODOVÁ pela autora que se mostraram inovadores sobretudo por incluir na análise o cha-mado "valor estilístico", termo que costuma estar estreitamente ligado, sobretudo na Estilística da Lingua Checa, á divisáo funcional de lingua (ou com os diferentes estilos funcionais - registos: escrito (literário), oral, formal, familiar, etc.). E como o presente trabalho parte de uma investigacáo a longo prazo, permi-timonos constatar que oferece solucoes para questoes-chave que ainda náo foram formalmente respondidas, porque a linguística portuguesa tentou, até há pouco tempo, evitar a subjectividade nos estudos linguísticos que seguiram as teorias chomskianas. Para podermos analisar os valores estilísticos do artigo, partiremos da classi-ficacáo dos valores estilísticos em trés tipos: constantes, aderentes e inerentes. Os valores estilísticos que sáo constantes nascem quando uma unidade estilística se repete em tipos de contextos idénticos. O valor constante é denominado em Gramática Construtural da Lingua Portuguesa como "constáncias" que sáo definidas, na mesma obra, como "os elementos constantes que náo podem ser eliminados, trocados ou alterados, sob a pena de mudanca de significado ou de incompreensáo" (Back, Mattos, 1972: 725). Exemplifiquemos o valor estilístico constante (Svobodová, 2009: 123) pelo uso constante do artigo em determinadas funcoes sintácticas (evidente, por exem-plo, no caso do predicativo do predicado nominal quando o nome refere nocio-nalmente uma profissáo ou nacionalidade) ou o uso do artigo zero nos títulos dos textos jornalísticos, o uso do artigo com os nomes próprios de pessoa em diferentes registos, etc. (veja-se nos seguintes capítulos). (1) A Maria é professora. (portugués comum) (2) O Mario é portugués. (portugués comum) (3) Médico segura coragao do bebé. (registo jornalístico) O valor estilístico aderente (Svobodová, 2009: 123) consiste na adesáo de um significado estilístico secundário ao próprio significado lexical (como por exem-plo no caso das palavras que sofreram alteracáo semántica da extensáo do significado (Bechara, 2001: 403), ganhando um matiz expressivo-emotivo adequado muitas vezeš apenas ao registo oral/informal. Exemplifique-se o valor aderente do artigo com a firase abaixo exemplificada em que o artigo enfatiza o significado de todo o texto: (4) É o vens! (valor ertfático - registo oral/irtformal) (5) É a loja! (valor ertfático) (6) As criancas sao os piratas! (valor ertfático) (7) Ele é o poeta! (valor ertfático) O valor estilístico inerente (Svobodová, 2009: 123) cobre as necessidades co-municativas numa determinada esfera de comunicacáo: termos técnicos e palavras especializadas que fazem parte de uma linguagem especializada, já que neles foi desenvolvido um pleno significado nocional, mas suprimida a componente ARTIGO DEFINIDO E NULO COM OS ANTROPÓNIMOS E TOPÓNIMOS 159 pragmática da comunicacáo (Krčmová et.al, 1997: 128). Estes lexemas sáo dis-tribuidos apenas em esfera de comunicacáo profissional. O valor inerente do arti-go seria patente, por exemplo, no caso do artigo definido utilizado com os termos técnicos e especializados (a cirurgia x I *uma cirurgia). Todos esses valores estilísticos sáo designados genericamente pelo nome "valor estilistico contextual" (Bechara, 2001: 153) e sáo colocados em oposicáo com o valor "atualizador" ou "designativo". Este tipo de valor estilistico é resultado da intencáo criativa do autor que tem a capacidade de criar urn contraste entre dife-rentes expressoes, partindo da predicabilidade ou impredicabilidade das palavras em diferentes tipos de textos. Este valor pode também ser observado na alteracáo do uso do artigo com antropónimos (tanto nomes como e apelidos). Vejamos como o artigo pode criar um contraste entre os diferentes registos nas seguintes frases onde o artigo coloca em oposicáo as linguagens formal e familiar: (8) Joao Vasco é o nosso novo colega. (discurso formal) (9) O Joao Vasco também vai á palestra. (discurso familiar)) Na presente investigacáo propomo-nos aplicar os conceitos introduzidos pelo linguista eslovaco, Ján Findra (2002: 96): "estilema", "pragmema" e "informe-ma". O "estilema" é definido, por ele, como a unidade minima estilistica, capaz de activar ou desactivar um texto, e que tem dois componentes semánticos: prag-mático e informativo, denominados pragmema (valor pragmático - expressivo - emotivo - aderido) ou informema (valor informativo - neutral - nocional). Sob estas premissas propomo-nos fazer equivaler (i) o sema pragmático do artigo ao valor estilistico aderente do artigo e (ii) o sema informático do artigo ao valor constante do artigo. A classificacáo semántica resultante do artigo poderia corres-ponder ao modelo abaixo desenhado. informema pragmema forma náo marcada forma marcada Sentido nocional sentido emocional e expressivo Sentido neutral matiz estilistico Relativamente á capacidade estilistica do artigo de activar e desactivar o texto, podemos adicionar ainda mais uma classificacáo de Findra, que consiste na sub-divisáo em dois grupos: estilemas macro-paradigmáticos e estilemas micro-pa-radigmáticos. Esta classificacáo é vista por Findra como a base funcional para a formacáo de camadas estilísticas que nascem das - por ele chamadas - "re-servas paradigmáticas" (Findra, 2002: 96). Nelas podem ser sintetizados tanto os meios expressivos marcados com os náo marcados, contribuindo ambos, paralelamente, e com a mesma intensidade, para a construcáo do perfil estilistico do texto. A paradigmática, portanto, náo é formada apenas por elementos estilísticos activos como também por elementos passivos. O Estilo é, ao nível sistemático da lingua, percebido como resultado das funcoes das configuracoes 160 IVA SVOBODOVÁ de todos estes meios expressivos utilizados e potencialmente utilizáveis. Como potencialmente activos säo considerados todos os meios expressivos que podem dar origem a um contraste estilistico, sendo colocados em oposicäo os elementos marcados e os näo marcados, os predicáveis e os impredicáveis. O perfil estilistico pode ser construido pelos meios linguisticos em todos os niveis linguisticos: fónico, lexicológico, morfológico e sintáctico, ou seja, a ŕuncäo do estilema pode ser desempenhada por fonema, lexema, morfe e sintagma. Ján Findra divide os estilemas em linguisticos, construtivos (conexöes, conectores, factores superora-cionais, perspectividade funcional, discurso do autor, discurso directo, discurso indirecto) e cinéticos (gesticulacäo, mímica, linguagem do corpo, contexto). Com esta sua classiŕicacäo tenta fazer valer a opiniäo de que näo há motivos para negar a existencia da "sistematicidade" ás línguas ŕuncionais, já que o estilo funcional linguístico representa um conjunto intersubjectivo de regras e leis que se activam na subconsciéncia do locutor e que, ao mesmo tempo, se actualizam individu-almente de acordo com as exigéncias dos factores estilísticos relevantes e das normas de comunicacäo. Na presente investigacäo tentaremos aplicar a metodológia de Findra, procu-rando os informemas e pragmemas do artigo acompanhado tanto por antropóni-mos como por toponímicos. Durante a nossa investigacäo de muitos anos que dedicámos ä observacäo e ä procura dos semas do artigo ligados aos seus matizes e valores estilísticos constante e aderente em diferentes registos linguisticos, chegámos a relevantes conclusöes que talvez näo sejam inovadoras para a Linguística Portuguesa mas que ainda näo foram formalmente aceites ou expostas por ela. 2. Valor estilistico do artigo definido e nulo no caso dos antropónimos Para os fins da nossa análise onde tentamos procurar os componentes semánti-cos do artigo, tivemos que partir dos valores estilísticos expostos acima e da sua funcäo de operador de processos de determinacäo. O valor aderente, que o artigo pode adquirir, pode estar relacionado, como j á vimos nos exemplos menciona-dos, entre outros, com o tipo do discurso: oral/escrito, formal/informal, sendo que é possível constatar que o artigo apresenta certas especificidades no registo jornalístico. A interpretacäo correcta destes semas depende muitas vezes também dos tipos de compatibilidade que o artigo apresente no eixo sintagmático com outros constituintes, tendo em conta a ŕuncäo sintáctica e classemática do SN (det+nome). A variabilidade de interpretacöes possíveis será mais vasta no caso dos antropónimos, do que, por exemplo, no caso dos nomes massivos. Veja-se, como um exemplo ilustrativo, o uso do artigo com os antropónimos onde surgem várias questóes relativamente ä omissäo do artigo. Apesar de a omissäo do artigo com os nomes próprios (sem apelido) neste caso näo ser considerada normal (veja-se a seguinte citacäo), esta näo pode ser recusada absolutamente, sendo documentada apenas em determinados registos. ARTIGO DEFINIDO E NULO COM OS ANTROPONIMOS E TOPONIMOS 161 Por urn lado oferece-se-nos a opiniao exposta por Raposa (1999): "Em portu-gues europeu, os nomes proprios de pessoa (quando usados referencialmente) sao obrigatoriamente precedidos de um artigo definido [...] todos os nomes proprios se encontram submetidos a este comportamento" (citado em Soares, 1999: 496). Por outro lado, nao obstante, verificamos ausencia do artigo com os nomes proprios de pessoa em casos especificos, sendo tal uso reservado para os dis-cursos literarios ou formais, o que documentam numerosos exemplos presentes em textos jornalisticos (reportagens, analises literarias, etc.). Veja-se o contraste entre os semas nas seguintes duas frases: (10) O Marko estuda agriculture tecnologica e a Iva prepara-se para concluir gestae (registo oral) (11) Marko estuda agricultura tecnologica e Iva prepara-se para concluir gestae (registo escrito (formal)/jornalistico) (P. C. Rodrigues, Visao, 30.7.2007, O Regresso do pintor) Poderiamos concluir que os semas do artigo nulo e definido, nos dois casos acima mencionados, sao diferentes, ja que nao poderiam ser substituidos no eixo paradigmatico um por outro sob pena de ser substituido o registo familiar pelo formal. Outros autores parecem apoiar a nossa conviccao, como por exemplo, M. R. Lapa e Ines Duarte Soares, que nao recusam absolutamente a omissao do artigo com os nomes proprios caso se trate de um maior grau de formalismo. (12) Maria nao se esquece nunca dos seus deveres. (registo oral/escrito - formal) (13) A Maria estuda aplicadamente as ligoes. (registo oral/escrito - portugues comum) (Soares, 1999: 496) "Quanto aos nomes proprios de personagens historicos (especialmente quando designados no contexto de um discurso literario ou historico relativamente formal, nao requerem nem permitem para alguns falantes), um artigo definido" (Soares, 1999: 496). Nao obstante, nao raramente encontram-se tendencias para usar o artigo definido com os personagens historicos num registo oral e informal. Compare-se as seguintes duas frases onde o artigo desloca o discurso a um certo grau de fami-liaridade: (14) Cavaco Silva fez um discurso cauteloso no dia 25 de AMI. (registo oral/escrito - formal) (15) O Cavaco Silva fez um discurso (cauteloso) no dia 25 de AMI. (registo oral - informal) Se se tratar de uma noticia na televisao, num jornal ou noutro meio de comu-nicacao social, esperaremos que o jornalista encarregado de a transmitir utilize a primeira frase. E uma situacao de formalidade, e o jornalista esta obrigado pelo seu dever de isencao a manter algum distanciamento em relacao aos factos e pessoas tratados na noticia. Se, por outro lado, esse mesmo jornalista estiver num cafe a conversar com os amigos sobre este tema, ja sem o fardo do dever 162 IVA SVOBODOVÁ profissional, esperaremos que use a segunda frase, com o artigo presente, pois trata-se de uma situacáo informal e náo existe a necessidade de distanciamento que existia na situacáo anterior. Os efeitos estilísticos produzidos pelo artigo sáo. pois, sobretudo de menor distanciamento e de maior intimidade. No caso dos antropónimos (nomes e apelidos) de pessoas existentes em sub-consciéncia de uma comunidade menor, podemos ver uma relacáo analoga, ou seja, o nome junto com o apelido pode ou náo ser acompanhado pelo artigo, sen-do que é o grau de formalidade o factor decisivo no seu uso. Náo obstante, podemos pressupor que haverá maior numero de casos em que se nos oferece o artigo. Compare-se, novamente, as seguintes frases: (16) Pedro Caldeira Rodrigues é o nosso novo colega. (maior grau de formalidade) (17) O Pedro Caldeira (Rodrigues) está á nossa espera. (menor grau de formalidade) Para terminar a teoria acima aplicada, falta responder a uma pergunta essen-cial: quando definir o artigo junto com os nomes próprios de pessoa como infor-mema e quando como pragmema? Veja-se, mais uma vez, as seguintes frases: (18) O Marko estuda agricultura tecnológica e a Iva prepara-se para concluir gestao. (informema em registo oral) (19) Marko estuda agricultura tecnológica e Iva prepara-se para concluir gestao. (informema em registo jornalístico) (20) Maria nao se esquece nunca dos seus deveres. (pragmema em registo oral) (21) A Maria estuda aplicadamente as ligoes. (pragmema em registo jornalístico) De acordo com as nossas investigacoes, o artigo definido com os nomes próprios de pessoa sem o apelido, apesar de ser definido por Lapa (Lapa, 1984: 120) como elemente que insinua um grau de familiaridade e expressividade, é visto como sema estilístico constante, sendo o seu uso táo frequente e automatizado que, segundo a nossa opiniáo, provavelmente náo poderá ser considerado como um meio linguístico de matiz expressivo-emotivo, ou seja, como pragmema (ou valor aderente). Mesmo que implique um sema de familiaridade, este semaapenas é visível quando colocado em oposicáo com o artigo nulo, o qual, sim, apresenta um alto grau de formalidade, marginalidade e uma marcacáo evidente (e em cujo caso podemos definir o artigo nulo por meio do valor aderente). Situacáo oposta ocorre no caso do uso do artigo nulo em registo jornalístico que implica objec-tividade do autor, um certo grau de formalidade do texto do jornalista, dever de isencáo e um distanciamento em relacáo aos factos e pessoas tratados na notícia. Conclui-se que, segundo o seguinte quadro, a variabilidade semántica do artigo definido e do artigo zero depende altamente do tipo do registo. Poderíamos chamar esta variabilidade de "diafásica": ARTIGO DEFINIDO E NULO COM OS ANTROPÓNIMOS E TOPÓNIMOS 163 Artigo junto com os nomes próprios de pessoa: artigo nulo artigo definido artigo nulo artigo definido pragmema informema informema pragmema forma marcada forma nao marcada forma nao marcada forma marcada alta formalidade sentido nocional, informativo (o artigo expletivo) sentido nocional sentido emocional e expressivo matiz estilistico sentido neutro sentido neutral matiz estilistico registo oral/escrito registo oral/escrito registo escrito - jor-nalístico/análises literárias/ linguagem jornalisti-ca, discurso literário 3. Valor estilistico do artigo definido e nulo no caso dos topónimos Passamos, nesta parte, a expor os nossos resultados relativos ä interpreta-cäo semäntico-estilística do artigo com os nomes geográficos de países. Soares (1999:496) regista uma apreciável inconsisténcia no caso de ocorréncia do artigo com múltiplos topónimos, o que evidencia também irregularidades frequentes no uso do artigo com os nomes de localidades, vilas, cidades, etc., que segundo a hi-pótese aventada por Celso e Cunha (1985), quando formados a partir de nomes comuns, conservam o artigo. Apesar de existirem regras pré-estabelecidas, a observacäo do uso do artigo com toponímicos revelou-nos movimentos por nós imprevistos, mas que tém a suajustiŕicacäo. Um caso que documenta uma surpreendente evolucäo do uso do artigo é ilus-trado pelo nome de uma vila algarvia, chamada Burgau, que tinha sido usado ori-ginalmente sem o artigo mas que passou a "adoptar" oficialmente o artigo como parte da sua denominacäo há relativamente pouco tempo. Assim chegou a ter as mesmas características aventadas por Celso e Cunha e que podem ser documen-tados pelos nomes de outras vilas, o Alvor, o Vau, a Praia da Rocha, etc., ou seja, localidades cujos nomes partiram dos nomes comuns correspondentes. No caso da vila Burgau podemos supor a existencia de uma referencia comum, provindo o nome da vila do nome "francés burgau que significa: cascalho ou molusco de concha univalve da qual se extrai nácar" (Dicionário da Lingua Portuguesa Con-temporánea, 2001: 597). Uma tendencia oposta que consiste no uso do artigo com topónimos, também foi verificada por Soares (1999) no caso dos nomes de cidades como Fatima, Alijó, Pombal, Tróia. Esta tendencia, contudo, näo foi "gramaticalizada" como no caso anterior. "Se para a maioria dos falantes estes nomes ocorrem sem artigo, para outros tal näo acontece. Os falantes locais dizem consistentemente e sem qualquer problema, "Vou ä Fatima / ä Alijó / ao Pombal / ä Tróia, por exemplo. Portanto, mesmo nos casos em que o artigo, em regra, näo é usado, nada parece 164 IVA SVOBODOVÁ impedir que ele surja, ainda que tal aconteca em relacáo a um grupo particular de falantes" (Soares, 1999: 498). Por ultimo, náo podemos deixar de mencionar cidades que em portugués apa-recem sob duas formas: Eis o exemplo de "Lagoa" que tem duas formas sendo o artigo o "localizador" da cidade: Lagoa em Portugal (vila algarvia, sem artigo) e outra nos Acores: a Lagoa, sendo que um grupo particular de falantes acorea-nos que conhecem o Algarve tiram indevidamente o artigo á cidade acoreana da Lagoa. Conclui-se que o artigo adquire um valor aderente que implica a capacidade estilística de deslocar o texto a um outro registo. Alem děste valor aderente veri-ficámos a sua capacidade localizadora (Lagoa vs a Lagoa). Em macrocontextos mencionados, o artigo com os nomes de cidades e povoacoes pode ser conside-rado como um estilema no sentido de ser a unidade minima activa, impredicável num fundo estilisticamente neutro, que também pode ser visto como um desvio á norma. Um uso inconsistente foi verificado também no caso de nomes geográficos de países. Soares (1999: 500) trata da ocorréncia do artigo junto com os nomes de países como Franca e Itália. [... ] em alguns nomes de países como "Franga" ou "Itália", entre outros, pode em portugués as-sistir-se, em determinadas construgoes, á supressao do artigo. Quando nao ocorrem em posicao de sujeito e sim de complemento, diz-se, por exemplo, "Estive em Franga" e o nome surge uni-camente regido de preposicao. Contudo, o mesmo já nao acontece no caso do nome "Dinamar-ca", entre outros, em que, na mesma construgao se usa o artigo e se diz "Estive na Dinamarca". Nós verificámos o mesmo uso no caso dos nomes Espanha e Inglaterra. Para percebermos melhor as diferentes "nuances" existentes entre o uso ou náo do artigo, elaborámos um questionário que teve como objectivo verificar o movimento semántico-estilístico do artigo junto dos quatro nomes de países acima mencionados (Franca, Inglaterra, Espanha, Itália). A maioria dos participantes respondeu que o uso do artigo definido com os nomes dos países mencionados resulta menos elegante, menos correcto, mais popular ou menos frequente, opostamente á omissáo do artigo que foi, neste caso, caracterizada como mais elegante, mais correcta e mais frequente. Náo obstante, temos que realcar neste ponto o facto de nenhum dos participantes do questionário ser emigrante, já que estes usam o artigo com estes quatro países de um modo correspondente ao estado de lingua dos anos 80. O uso ou náo do artigo náo pa-rece ser rigorosamente proibido ou ordenado pelas gramáticas existentes, sendo que a única informacáo que obtemos é que o artigo pode ser suprimido em determinadas construcoes (Soares 1999), ou que ás vezeš pode ser ou é usado sem o artigo definido (Celso Cunha, 1985). Do ponto de vista de um falante náo nativo permitimos constatar que aqui falta uma explicacáo mais transparente. Segundo os resultados do questionário chegámos a perceber que o artigo, novamente, pode ser percebido como estilema - náo no sentido do desvio á norma (espero termos deduzido correctamente das prescricoes gramaticais existentes que o uso do ar- ARTIGO DEFINIDO E NULO COM OS ANTROPÓNIMOS E TOPÓNIMOS 165 tigo nestas situacöes näo fosse proibido), mas sim como estilema que desloca. novamente, o discurso para outro tipo de registo. As formas cräticas e näo cräticas das preposicöes foram procuradas no corpora NATURAPUB e os resultados ob-tidos correspondem, em grande medida, com as interpretacöes dos participantes. No nosso quadro das formas procuradas no corpora acima mencionado apresen-tamos apenas as preposicöes que ultrapassaram o nümero 100 de ocorrencias. As outras ocorrencias (com outras preposicöes) foram encontradas muito raramente. razäo, pela qual resulta, no caso doutras preposicöes e para o nosso objectivo de anälise, relevante a interpretacäo dos falantes nativos. Itália: 1. Visitámos a Itália. 2. Visitámos Itália. 1. Esteve em Itália. 2. Esteve na Itália. 1. Passaram as férias em Itália. 2. Passaram as férias na Itália. 1. Trouxemos livros de Itália. 2. Trouxemos livros da Itália. 1. Da Croácia, passaram para Itália. 2. Da Croácia, passaram para a Itália. correcto, correcto, correcto, correcto, correcto, correcto, correcto, correcto, correcto, correcto. mais popular mais "elegante" mais "elegante" mais popular mais "elegante" mais popular mais "elegante" mais popular mais "elegante" mais popular Espanha: 1. Visitámos Espanha. 2. Visitámos a Espanha. 1. Trouxe livros de Espanha. 2. Trouxe livros da Espanha. 1. Passaram as férias em Espanha. 2. Passaram as férias na Espanha. 1. Estiveram em Espanha. 2. Estiveram na Espanha. 1. Foi viver para Espanha. 2. Foi viver para a Espanha. correcto correcto correcto correcto correcto correcto correcto correcto correcto correcto mais "elegante" mais popular mais "elegante" mais popular mais "elegante" mais popular mais "elegante" mais popular mais "elegante" mais popular Franca: 1. Viveram muitos anos emFranga. 2. Viveram muitos anos na Franca. 1. Apaixonou-se por Franca. 2. Apaixonou-se pela Franga. 1. Mandou a carta para Franga 2. Mandou a carta para a Franga. 1. O Pierre é de Franga. 2. O Pierre é da Franca. correcto correcto correcto correcto correcto correcto correcto correcto mais "elegante" mais popular mais "elegante" mais popular mais "elegante" mais popular mais "elegante" mais popular Obtivemos interessantes resultados relacionados com a profissäo dos participantes: duas de vinte pessoas questionadas säo professoras no ensino bäsico e se-cundärio e aceitaram apenas a Variante sem o artigo; o resto dos participantes (18 artistas que trabalham activamente em diversificadas areas relacionadas com arte e cinema) caracterizaram o uso do artigo junto destes nomes como menos frequen- 166 IVA SVOBODOVÁ te (socialmente menos elevado) e menos elegante, näo rejeitando a possibilidade da ocorrencia do artigo definido. Semelhantes resultados foram obtidos do corpora: http://lusiadas.linguateca.pt/acesso/corpus.php?corpus=NATPUBLICO. Italia na 23 ocorréncias em 146 ocorréncias da 39 ocorréncias de 86 ocorréncias Espanha Na 8 ocorréncias em 214 ocorréncias Da 27 ocorréncias de 299 ocorréncias Franca na 17 ocorréncias em 353 ocorréncias da 97 ocorréncias (junto dos atributos geográficos -Sul da Franca, Sudeste da Franca, Tága da Franca, Ministros da Defesa da Franca, etc, muitas vezeš foram encontradas construcoes agramaticais das frases reduzidas do infinitivo pessoal onde apare-ceram as formas cráticas na funcao do N sujeito) de 166 ocorréncias Inglaterra na 18 ocorréncias (muitas ocorréncias foram encontradas no ámbito do mesmo artigo com o que a im-portáncia do numero e"elevado" do artigo diminui) em 85 ocorréncias da 33 ocorréncias (muitas vezeš trata-se da localiza-cao geográfica, por.ex. no Nořte da Inglaterra, ou to uso do nome a Inglaterra - como nome representati-vo de equipas deportivas; na maioria das vezeš trata--se ou de colocacoés fixas.) de 82 ocorréncias 0 mesmo resultado foi verificado no caso de um ünico nome de continente, i.e., Africa. Este resultado trouxe-nos uma informacäo nova porque as gramäticas existentes da lingua portuguesa näo excluem este continente do grupo dos continente s para o qual vale a mesma regra - o uso do artigo definido. 1. Viver em Africa e uma aventura. correcto, mais "elegante" 2. Viver na Africa e uma aventura. correcto, popular ARTIGO DEFINIDO E NULO COM OS ANTROPÓNIMOS E TOPÓNIMOS 167 Corpus Natura Pub AFRICA na 140 ocorrencias Quase sempře o nome Africa aparece acompanhado de atribute: Africa do Sul, Africa do Norte, Africa Oriental, Africa Sub-Sahariana, Africa Austral (1 ocorrencia apenas com Africa"sem atribute) Em 80 ocorrencias (Africa sem atribute) da 184 ocorrencias Sempře junto com Africa do Sul, Africa do Norte, Africa Oriental, Africa Sub-Sahariana, Africa Austral (5 ocorrencia apenas com Africa) De 107 ocorrencias (Africa sem atribute) Constate-se que existe também uma outra oscilacáo que desvendámos durante a nossa investigacáo relativa ao uso do artigo com Africa de Sul, baseada em investigacáo do material espontáneo em corpora do portugués, onde muitas vezes ocorre tanto "MUNDIAL NA AFRICA DO SUL" como "MUNDIAL EM AFRICA DO SUL". Outros interessantes resultados foram registados no caso do pais Angola onde cinco dos vinte participantes dos questionärios consideram o uso do artigo na pri-meira firase como correcto. No corpus näo foi encontrado nenhum caso do nome geogräfico Angola com o artigo, o que se deve ä concepcäo do corpus cuja tarefa principal consiste em proporcionar sempre o material linguistico, baseado em lingua correcta. 1. A Angola e o meu lar. correcto 2. Angola e o meu lar. correcto, mais "elegante", mais formal A questäo do uso ou näo do artigo junto do nome Angola näo ficou completa-mente esclarecida mas pressupomos que talvez se träte da influencia do registo escrito/literärio da lingua portuguesa falada em Angola, sendo que na literatura africana näo raramente aparece o artigo com o nome do pais Angola. Outra pos-sivel teoria baseia-se no facto de muitos ex-combatentes Portugueses em Angola terem utilizado este topönimo com o artigo, considerando normal tal uso ate hoje. E escusado lembrar que o jornalismo, novamente, apresenta as suas especifi-cidades no caso do uso do artigo, sobretudo nos titulos jornalisticos, caracteri-zados por brevidade e vivacidade e onde ocorrem certas violencias gramaticais. Apesar de os titulos deverem conter, expressos ou implicitos, sujeito, predicado e complemento (directo ou indirecto), outros elementos da firase, nomeadamente algumas particulas e artigos (definidos e indefinido), devem ser retirados (Gra-dim, 2002). 168 IVA SVOBODOVÁ Nós verificámos a auséncia do artigo definido na posicäo de sujeito, sendo mais frequente o uso do artigo definido na posicäo do sintagma preposicional. Compare-se os seguintes títulos jornalísticos (Publico, 30-07-05): EUAtentaram impedir saída de artigo sobre bioterrorismo. Canada aprovou casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Marrocos leva a tribunal a porta-voz do mais poderoso movimento islamista. SEF contra nova lei da nacionalidade. (Servigo de Estrangeiros e fronteiras) FBI investiga mořte de trés pessoas ligadas ao consulado dos EUA em Ciudad Juárez Caga coordenada ás mafias russa e georgiana já vai com 69 detencöes na Europa 4. Conclusöes Com as reflexöes acima procurou mostrar-se que o artigo em portugués con-temporäneo pode ser entendido näo só como operador dos processos semanticos de determinacäo, mas também como instrumente capaz de enriquecer - activar estilisticamente o texte de acordo com estratégias cognitivo-estilísticas e de co-municacäo. Para os fins da aquisicäo da lingua portuguesa pelos falantes cuja lingua näo tem artigo, estes movimentos semäntico-estilisticos do artigo carecem de uma ex-plicacäo sistematizada e oficialmente aceite ou formularizada. Apenas com bases empiricas de investigacäo e observacäo atenta e detalhada das regularidades e das assimetrias e peculiaridades do uso do artigo em situacöes diferentes podemos deduzir e criar modelos prototípicos. Esta conclusäo aponta para a necessidade de investigar métodos e instrumentos estilisticos exactos que contribuam para es-tudos mais complexos do uso do artigo e para reforcar a importäncia da estilistica em linguistica portuguesa. A finalizar esta reflexäo sobre a procura dos significados estilisticos do artigo, gostariamos de apresentar sugestöes de pesquisa sincrónica actual dos valores e significados estilisticos do artigo em portugués contemporäneo. No presente trabalho, dedicou-se maior atencäo aos significados estilisticos do artigo, tendo sido levada em consideracäo sobretudo a divisäo funcional das linguagens em oral e escrito, formal e informal. Näo obstante, é de realcar o facto de o artigo se poder apresentar como estilema no registo jornalístico, onde nos títulos é fire-quentemente omitido, ou no caso dos textos literários, onde muitas vezeš parece ser anteposto "o rema" com determinante zero. Para reforcar a ideia de o artigo ter valor estilístico, seria útil estudar o seu uso por exemplo em poesia, onde, segundo as nossas predicöes, é utilizado muitas vezeš para manter o numero de sílabas no verso, em textos administratives e jurídicos, onde é maior a probabi-lidade de ser omitido o seu sema pragmático, prevalecendo o seu valor ineren-te. Também nos textos pós-modernos é omitido o artigo com maior frequéncia. No conjunto de questöes relativas aos processos de determinacäo poderiam ser expostas situacöes em que o uso do artigo difere de acordo com o tipo de cada situaeäo de comunicaeäo. ARTIGO DEFINIDO E NULO COM OS ANTROPÓNIMOS E TOPÓNIMOS 169 Bibliografia ACADEMIA DAS CIENCIAS DE LISBOA. Dicionário da língua portuguesa Contemporänea. Lisboa: Editorial Verbo, 2001. BACK, Eurico; MATTOS, Geraldo. Gramática Construtural da Língua Portuguesa. V. II. Säo Paulo: FTD, 1972. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37a ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001. 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