AnAIS DO XV CONGRESSO NACIONÁL DE LlNGUÍSTICA E FILOLÓGIA A LEXICOLOGIA E A TEÓRIA DOS CAMPOS LEXICAIS Celina Márcia de Souza Abbade (UNEB/UCSAL)1 celinabbade@gmail.com 1. Apresenta^äo Lingua e cultura säo indissociáveis. A lingua de um povo é um de seus mais fortes retratos culturais. Essa lingua é organizada por palavras que se organizam em frases para formar o discurso. Cada palavra sele-cionada nesse processo acusa as características sociais, econômicas, etá-rias, culturais... de quem a profere. Partindo dessa premissa, estudar o lé-xico de uma lingua é abrir possibilidades de conhecer a história social do povo que a utiliza. A lexicologia enquanto ciéncia do léxico estuda as suas diversas relacöes com os outros sistemas da lingua, e, sobretudo as relacöes inter-nas do proprio léxico. Essa ciéncia abränge diversos domínios como a formacäo de palavras, a etimologia, a criacäo e importacäo de palavras, a estatística lexical, relacionando-se necessariamente com a fonologia, a morfológia, a sintaxe e em particular com a semäntica. Os campos lexicais representam uma estrutura, um todo articula-do, onde há uma relacäo de coordenacäo e hierarquia articuladas entre as palavras que säo organizadas ä maneira de um mosaico: o campo léxico. As palavras säo organizadas em um campo com mútua dependéncia, ad-quirindo uma determinacäo conceitual a partir da estrutura do todo. O significado de cada palavra vai depender do significado de suas vizinhas conceituais. Elas só tém sentido como parte de um todo, pois só no campo teräo significacäo. Assim, para entender a lexia individualmente é ne-cessário observá-la no seu conjunto de campo, pois fora desse conjunto näo pode existir uma significacäo, uma vez que a mesma só existe nesse conjunto e em sua razäo. A teoria dos campos lexicais, segundo a direcäo estrutural propos-ta por Coseriu, propöe que um campo se estabelece através de oposicöes 1 Doutora e Mestre em Letras pela Universidade Federal da Bahia, Professora Titular da Universida-de do Estado da Bahia- UNEB, atuando no ensino de graduagäo e pös-graduagäo (PPGEL) e na Coordenagäo do Curso de Licenciatura em Letras/Portugues pela UAB/UNEB. Professora Adjunta da Universidade Catölica do Salvador- UCSAL, atuando no ensino de graduagäo. Söcia efetiva do CIFEFIL, ABRALIN, GELNE e söcia-correspondente da ABF. celinabbade@gmail.com Cadernos do CNLF, Vol. XV, N° 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 p. 1332 ANAIS DO XV CONGRESSO NACIONAL DE LlNGUÍSTICA E FILOLÓGIA simples entre as palavras, e termina quando urna nova oposicäo exige que o valor unitário do campo se converta em tracos distintivos onde näo só as palavras se opôem entre si, mas urna oposicäo de ordem superior opôe campos lexicais distintos. Os campos podem ser mais ou menos complexos e disso vai depender a organizacäo dos mesmos. O presente trabalho tem como proposta demonstrar a possibilida-de de um estudo estrutural do léxico, mesmo sabendo que ainda é muito difícil apresentar uma teória concisa sobre a estruturacäo dos campos lexicais, uma vez que existem ainda problemas difíceis de resolver ou até mesmo sem solucäo. 2. Os estudos lexicológicos: a lexicologia A lexicologia é uma ciéncia recente, mas os estudos acerca das palavras remontam a Antiguidade Clássica. Sem o lugar merecido, os estudos lexicais permaneceram em segundo piano durante um bom tempo da história linguística. Relegados a segundo piano, os estudos lexicais fo-ram deixados de lado para dar lugar äs preocupacôes acerca dos estudos fonéticos, morfológicos e sintáticos. Quase nada se fazia com as palavras de uma lingua além de organizá-las alfabeticamente e buscar suas defini-côes a partir de sua literatúra. Apenas a lexicografia tinha uma funcäo de-finida até o início do século XIX, pelo menos. Nos finais do século XIX, com a marca triunfal da geografia linguística e consequentemente o flo-rescimento da onomasiologia, o interesse linguístico passa pouco a pouco da investigacäo fonética para a dos problemas lexicais. No VII Congres-so Internacionál de Linguística, em 1952, na cidade de Londres, os con-ceitos linguísticos gerais säo elaborados sobre uma base fenomenológica, significando um sistema de referéncias extralinguísticas. Algumas distincôes säo fundamentais para os estudos lexicológicos. É o caso da distincäo básica entre palavra, lexia e vocábulo. Enten-dido por muitos como uma espécie de sinônimos, poderíamos dizer que näo haveria distincäo propriamente entre eles. Na verdade, todos sabem o que é uma palavra: é um termo genérico, tradicionalmente utilizado na lingua, fazendo parte do vocabulário de todos os falantes. Mas, se a palavra é um termo que faz parte do vocabulário do falante, subtende-se que palavra e vocabulário säo conceitos distintos. Qual é essa distincäo? O vocabulário pode ser entendido como o subconjunto que se en-contra em uso efetivo, por um determinado grupo de falantes, numa de- p. 1333 Cadernos do CNLF, Vol. XV, N° 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 AnAIS DO XV CONGRESSO NACIONÁL DE LlNGUÍSTICA E FILOLÓGIA terminada situacäo, melhor dizendo, vocabulário é o conjunto de pala-vras utilizadas por determinado grupo. E a lexia? Dizer que lexias säo as palavras de uma lingua, estaríamos tor-nando-a sinônimo da pala vra. Entäo, qual a diferenca entre esses termos? É que a lexia, diferente da pala vra, é a unidade significativa do léxico de uma lingua, ou sej a, é uma palavra que tenha significado social. A palavra é uma unidade significativa, mas a sua significacäo näo é só lexemática, pode também ser morfemática, isto é, gramatical. A lexia, ao contrário, tem significacäo externa ou referencial, ou seja, apenas lexemática. A sua referencia pode ser as coisas concretas ou abstratas. Assim, na frase "a escada é velha", temos quatro palavras, porém apenas duas lexias: escada e velha. Säo as lexias com funcäo apenas referencial ou lexical. Elas também säo palavras, assim como o artigo a e o verbo de ligacäo e, que tém funcäo também gramatical além da funcäo referencial. Säo exemplos de palavras gramaticais ou morfemáticas, os arti-gos, as preposicôes, as conjuncôes. Estudam-se na gramática e säo em numero limitado. As palavras lexemáticas ou referenciais, melhor dizendo, as lexias, constituem a maior parte do léxico de uma lingua e säo de numero indeterminado. Estäo organizadas nos dicionários. Há uma necessidade de se realizar um estudo estrutural do léxico, no entanto, a lexicologia tradicional näo tem sido estrutural. Os pontos de vista funcionais ou estruturais do léxico näo säo vistos explicitamente nos dicionários das línguas. Eugenio Coseriu (COSERIU, 1977) atribui äs razôes para que isso ocorra ao fato de, nesse estudo, se realizar fre-quentemente a identificacäo entre significado linguístico e realidade ex-tralinguística. Além disso, considera-se como lexicologia basicamente o que une o piano da expressäo ao piano do conteúdo e o caráter diferente que é dado ao léxico com relacäo ä gramática. Há uma confusäo entre o conteúdo linguístico e a realidade extralinguística, uma falta de distincäo entre palavra e coisa. A esses fatos pode-se acrescentar o exemplo dado por Coseriu para uma pergunta do tipo: - Como se designa árvore em a-lemäo? E a resposta séria simplesmente - baum. Dessa maneira, o léxico passa a ser um sistema de nomenclatura com palavras que nomeiam coisas. Mas nem sempře existe uma única palavra para cada coisa, e se a mesma pergunta fosse feita para a lingua romena, a resposta näo séria täo simples porque copac é o genérico, mas uma árvore frutífera chama-se pom. Em certos contextos, é necessário usar o termo arbore porque näo Cadernos do CNLF, Vol. XV, N° 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 p. 1334 AnAIS DO XV CONGRESSO NACIONÁL DE LlNGUÍSTICA E FlLOLOGIA existe copac genealogica ou pom genealogica, apenas arbore genealogi-ca. Por outro lado, diferente da gramática que estuda expressäo e con-teúdo separadamente, no que diz respeito ao léxico é comum näo haver essa distincäo, e esse vinculo vai acabar por provocar um entendimento do léxico como uma nomenclatura. Para que a lexemática diacrönica possa realizar-se, é necessário partir-se do conteúdo e utilizar-se da expressäo exatamente como expressäo, ou sej a, manifestacäo das distin-cöes existentes para esse conteúdo. 3. A lexemática: o estudo funcional do léxico A lexemática, ou a semäntica estrutural é uma ciéncia cujo objeto é o significado léxico. Nessa ciéncia lexicológica, só vai interessar o estudo de palavras que manifestem configuracäo semäntica do léxico. Exis-tem palavras que näo possuem significado léxico (interjeicöes; partículas de afirmacäo ou negacäo; palavras morfemáticas como artigos, preposi-cöes; categoremas como pronomes), assim como os nomes próprios e os numerals que näo säo estruturáveis. Essas palavras, embora participem na maioria dos fenömenos lexicais e pertencam ao vocabulärio da lingua, näo säo objeto da lexemática. A lexemática näo estuda o significado da palavra no texto ou dis-curso, e sim o seu significado como conteúdo de lingua. Ela näo se ocupa do que é análogo como "significado de fala", nem das oposicöes do ato de fala. Estuda sim, o significado do ponto de vista da propria lingua, ou sej a, mesmo em contextos totalmente diferentes, o significado será idén-tico. Para a investigacäo lexicológica, o estudo funcional do vocabulärio pode justificar-se tanto frente ä lexicologia e semäntica tradicionais, como frente ä gramática gerativa. Frente ä lexicologia e semäntica tradicionais, o ponto de vista funcional justifica-se na hierarquia dos feitos que seräo investigados. A semäntica trata do piano do significado na fala, das variantes, enquanto que a lexemática trata das invariantes do significado. As variantes do significado podem explicar-se através das invariantes, porém o contrario näo é possivel. Frente ä gramática gerativa, é na autonomia do piano das línguas, e consequentemente também, do conteúdo do piano léxico por elas estruturadas dentro da linguagem em geral, p. 1335 Cadernos do CNLF, Vol. XV, N° 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 AnAIS DO XV CONGRESSO NACIONAL DE LlNGUISTICA E FlLOLOGIA que o estudo fancional do vocabulärio encontra sua justificativa e razäo de ser. As unidades funcionais de uma lingua näo podem ser comprova-das nas linguas histöricas, pois näo funcionam nessas linguas como tais. Uma lingua funcional e uma lingua delimitada dentro de uma lingua histörica e homogenea, visto que a lingua histörica e o conjunto de dialetos, niveis e estilos de lingua. Ela se chama funcional exatamente porque fun-ciona imediatamente ao ato de falar. E as unidades funcionais so podem ser identificadas na lingua funcional porque essa lingua funcional real-mente existe. Assim, a lingua funcional pode comprovar suas unidades e estruturas comuns atraves de uma lingua histörica. Em suma, a lingua funcional, suas unidades e estruturas, devem identificar-se no piano funcional do sistema da lingua, pois, tanto o estudo da norma, como o tipo linguistico, supöe o piano como ja conhecido. A lexemätica e composta de quatro principios gerais que valem näo so para a lexemätica, como para o estudo funcional das linguas em geral, porque säo os mesmos principios do estudo funcional da lingua. Säo eles: funcionalidade, oposicäo, sistematicidade e neutralizacäo. A funcionalidade consiste na existencia das unidades funcionais como tais e estä baseado na relacäo entre o piano do conteüdo e o piano da expressäo na linguagem em geral e nas linguas; A oposicäo se refere ao modo de existir das unidades idiomäticas desde o ponto de vista funcional, e, ao mesmo tempo, a maneira como funcionam enquanto unidades. As unidades existem (funcionam) prima-riamente por meio de oposicöes. Exemplo: jovem# velho# novo. Assim jovem pode ser analisado como näo velho, mas apenas para seres anima-dos; A sistematicidade se refere a uma suposicäo razoävel e empirica-mente justificada. Parte do principio de que, em um sistema linguistico, as mesmas diferencas se apresentam sistematicamente (comumente). Para isso, e necessärio esperar a repeticäo de diferencas para se comprovar se em cada caso a repeticäo se da efetivamente ou näo; E a neutralizacäo existe quando se quer expressar o generico, o que e comum aos termos de uma oposicäo. Isso significa que as oposicöes podem se neutralizar. Exemplo: noite / dia (oposicöes). Mas, quando se diz: 'Viajei oito dias', a palavra dia sera generica para ambos. Segundo Coseriu: Cadernos do CNLF, Vol. XV, N° 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 p. 1336 Anais do XV Congresso Nacional de Linguística e Filológia La tarea fundamental de la lexemática en cuanto disciplína estructural descriptiva consiste en deslindar dentro de las lenguas funcionales e describir de manera sistemática y exhaustiva la paradigmática y sintagmática del voca-bulário en el piano del contenido. Su especificidad frente al estudio funcional de las lenguas en general de lo especifico de las estructuras paradigmáticas y sintagmáticas que considera. (COSERIU, 1987, p. 229) Coseriu classifica as seguintes estruturas lexemáticas: 1) Estruturas paradigmáticas: primárias (campo léxico e classe léxica) e secundárias (modificacäo, desenvolvimento e composicäo). 2) Estruturas sintagmáticas: afinidade; selecäo; implicacäo. Dentro dessas estruturas lexemáticas, E. Coseriu determina o campo lexical que é caracterizado por ele da seguinte maneira: Un campo léxico és, desde el punto de vista estructural, un paradigma léxico que resulta de la repartition de un contenido léxico continuo entre dife-rentes unidades dadas en la lengua como palabras y que se oponem de manera inmediata unas as outras, por medio de rasgos distintivos mínimos. Asi, por ejemplo, la serie jung - neu - alt ("joven"- "nuevo"- "viejo") es, en alemán, um campo léxico.(COSERIU, 1987, p. 146). O campo léxico é, pois, uma estrutura paradigmática primária do léxico, ou melhor dizendo, é a estrutura paradigmática por excelencia. As relacôes internas de um campo léxico enquanto estruturas de conteúdo säo determinadas pelas oposicôes semänticas em que funcionam. Em consequéncia, uma tipologia dos campos deve fundamentar-se em uma classificacäo das oposicôes lexemáticas. Os tipos formais de oposicôes constituem um ponto de partida necessário e um critério importante na tipologia dos campos. Tipos de oposicôes formalmente diferentes podem funcionar em um mesmo campo. Assim grand / petit constituem uma oposicäo privativa, mas as oposicôes petit / minuscule, grand / énorme, que funcionam no mesmo campo, säo oposicôes graduais. Quando se caracterizam campos inteiros (que em certo nível podem ser microcampos), os tipos formais de oposicäo servem para distin-guir subtipos de campos, mas näo os tipos principals que englobam esses subtipos: com efeito, numa classificacäo estritamente formal, o critério dos tipos formais de oposicôes se revela como subordinado ao do numero de "critérios semänticos" (ou "dimensôes") que funcionam nos campos. A estruturacäo e funcionamento dos campos näo dependem unicamente dos tipos formais de oposicôes, mas também do tipo de sua relacäo com a "realidade" extralinguística, que elas organizam ou formám a partir do ponto de vista semäntico. Logo, as relacôes formais internas de um cam- p. 1337 Cadernos do CNLF, Vol. XV, N° 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 AnAIS DO XV CONGRESSO NACIONÁL DE LlNGUÍSTICA E FILOLÓGIA po pertencem também ao tipo de relacäo existente entre os significados e sua expressäo. A lexemática, apesar de ser uma disciplina muito jovem (fundada nos anos sessenta), já pode ser considerada hoje como amplamente de-senvolvida, pelo menos no que se refere ä teória e ä metodológia. Porém, como disciplina descritiva, como estudo sistemático do vocabulário de diferentes línguas, a lexemática ainda está no comeco. Até agora apenas alguns domínios e pouquíssimas línguas foram estudados e descritos su-ficientemente do ponto de vista lexemático. Os estudos realizados até en-täo, j á abrem caminhos importantes para a compreensäo da estrutura das línguas, tornando a lexemática uma disciplina indispensável para a lin-guística Aplicada no que diz respeito principalmente ao ensino das línguas, a lexicografia unilíngue e ä teória e prática da traducäo. 4. Para uma semäntica diacrônica estrutural: a teória dos campos le-xicais Os estudos dos campos lexicais remontam ao dos campos linguís- ticos. A teória dos campos linguísticos tem como um de seus precurso-res, Jost Trier (1931). Suas ideias constituíram uma grande revolucäo na semäntica moderna. Trier vai estudar as palavras visando ao setor concei-tual do entendimento, mostrando que elas constituem um conjunto estru-turado onde uma está sob a dependéncia das outras. Assim as palavras se unem como numa cadeia, onde a mudanca em um conceito acarreta mo-dificacäo nos conceitos vizinhos, e assim por diante. Nesse sentido, as palavras formám um campo linguístico através de um campo conceitual e exprimem uma visäo do mundo de acordo com a reconstituicäo que e-las possibilitam. A teória proposta por Trier possibilita L. Weisgerber a incluí-la em uma ampla teória linguística e, nessa teória, surge o conceito de campo linguístico que abarca tanto os campos léxicos, quanto os campos sintáticos. Assim, desses campos linguísticos, surgem os campos lexicais e os campos semanticos. Enfim, as ideias de Trier deram origem a numerosos trabalhos e a sua nocäo de campo linguístico, como qualquer coisa que é revolucioná-ria, provocou, e continua provocando inúmeras críticas e sugestôes. Es-sas críticas väo desde a adverténcia para näo valorizar demais a teória do campo, até aos seus resultados propriamente ditos. Tantas críticas existi- Cadernos do CNLF, Vol. XV, N° 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 p. 1338 AnAIS DO XV CONGRESSO NACIONÁL DE LlNGUÍSTICA E FILOLÓGIA ram porque faltava um método para a teória do campo, näo existia uma técnica linguística ou procedimentos linguísticos para esse estudo. As investigates estavam fundamentadas em intuicôes, daí tantas críticas a respeito dessa teória. A busca desse método é propósito de Eugenio Co-seriu em seus esforcos para criar uma semäntica estrutural. A teoria do campo lexical de Eugenio Coseriu propöe uma análise estrutural do vocabulário, determinando o campo lexical dentro de estru-turas lexemáticas onde os lexemas constituem um sistema de oposicöes. Essa teoria do campo lexical vem desde F. de Saussure, demonstrando que a lingua é uma estrutura onde as palavras formám sistemas relacio-nados entre si. Ferdinand Saussure no Curso de Linguística Geral (SAUSSURE, 1970, p. 142-7) escreveu sobre a rede de associacöes que se desenvolvem em torno de uma palavra, e afirma que: "Um termo dado é como o centra de uma constelacäo, o ponto para o qual convergem ou-tros termos coordenados cuja soma é indefinida". (SAUSSURRE, 1970, p. 146) Assinala Horst Geckeier que o conceito de campo já se acha no Cours de Linguistique Generale (parte 2, cap. 4), aí estando os princípios avant la lettre do pensamento em categorias de campo, ao tratar-se das relacöes associativas (GECKLER, 1976, p. 104-5). Enquanto Saussure partiu da relacäo significante/ significado, tra-balhando com o desenvolvimento histórico dos significantes e com as mudancas estruturais dos significados, E. Coseriu, em lugar de trabalhar com os termos saussurianos, preferiu os termos de L. Hjelmslev, expres-säo / conteúdo. Eugenio Coseriu nos mostra que é possível um estudo diacrônico estrutural das significances das palavras, desde que se entenda a forma ou substancia semäntica como substancia linguisticamente formada. Ele deixa isso muito claro em Para una Semäntica Diacrónica Estructural (COSERIU, 1977), através de exemplos latinos e de línguas romänicas, nos quais Coseriu vem mostrar a necessidade e a possibilidade de um estudo diacrônico estrutural da significacäo das palavras. O problema ex-posto é basicamente o das mudancas estruturais do léxico que, em termos saussurianos, näo diz respeito ao desenvolvimento histórico dos significantes, nem äs suas substituicöes ao longo das histórias das línguas. Dentro de um estudo diacrônico estrutural do piano do conteúdo, esse conteúdo é entendido como a substancia semäntica linguisticamente formada. Para um estudo estrutural, é necessário analisar a lingua funcional, en- p. 1339 Cadernos do CNLF, Vol. XV, N° 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 AnAIS DO XV CONGRESSO NACIONÁL DE LINGUÍSTICA E FILOLÓGIA tendida como lingua enquanto sistema, ou sej a, uma lingua até certo pon-to unitária dentro de uma lingua histórica e näo aquilo que se refere a uma lingua histórica tomada em seu conjunto que geralmente compreen-de uma série de línguas funcionais que äs vezes säo bastante diferentes. As unidades funcionais de uma lingua devem estabelecer-se ali onde fun-cionaram, e mediante as oposicôes em que funcionam. Em El Estudio Funcional del Vocabulário (COSERIU, 1987), Coseriu trata da lexemática, entendida como o estudo funcional do vocabulário, o estudo da significacäo do léxico, a semäntica estrutural lexical. O conteúdo linguístico é composto de significacäo, designacäo e sentido. A significacäo é o conteúdo linguístico de determinada lingua, a designacäo, a relacäo com a realidade extralinguística, e o sentido é o conteúdo especial de um texto ou de uma unidade de texto. Entende-se entäo que, só há significacäo nas línguas e näo no falar em geral. Assim como a designacäo é a referencia ä realidade enquanto representacäo, feito, es-tado de coisas, independente da estruturacäo de tal lingua e existe no falar em geral, a significacäo é a estruturacäo em uma lingua das possibili-dades de designacäo. A designacäo é um ato de falar, é a utilizacäo de uma significacäo. A significacäo (significado) e a designacäo funcionam como significante (signo material), com respeito ao seu significado (conteúdo). Coseriu classifica a significacäo em cinco tipos: lexical, categori-al, instrumental, sintática ou estrutural e ôntica. A significacäo lexical diz respeito ao sentido da palavra e é o que vai interessar aos estudos em lexicologia. A categorial refere-se ä cate-goria das palavras (substantivo, adjetivo, verbo etc.); a instrumental ao sentido dos instrumentos gramaticais (desinéncias, prefixos, sufixos, a-cento, ritmo etc.); a sintática ou estrutural ao significado das construcôes gramaticais (lexemas + morfemas) que formám o singular, plural, presen-te, pretérito etc.; e a significacäo ôntica que só ocorre no piano das ora-côes, pois é o valor existencial na intuicäo significativa ao 'estado de coisas' apresentado em uma oracäo (afirmativo, negativo, imperativo etc.). A lexemática ocupa-se apenas da significacäo lexical, excluindo os outros tipos de significacäo, tomando como objeto de análise uma lingua particular na sua individualidade, ao estabelecerem as suas estruturas paradigmáticas. Assim, as unidades funcionais já estäo lexicalizadas, isto é, j á existem na lingua. Cadernos do CNLF, Vol. XV, N° 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 p. 1340 AnAIS DO XV CONGRESSO NACIONÁL DE LlNGUÍSTICA E FILOLÓGIA Dessa forma, Eugenio Coseriu, ao estudar a estruturacäo dos campos lexicais, propôe sempře um estudo diacrônico e estrutural do léxico onde se possa investigar o funcionamento de uma lingua, partindo-se da signiŕicacäo estrutural para a designacäo, ou sej a, a lingua é descri-ta como estruturacäo de conteúdos. Coseriu lembra que um estudo diacrônico estrutural da lingua, só terá valor quando se estuda a lingua en-quanto sistema, ou sej a, a lingua funcional. Ora, o funcionamento de uma lingua difere muitas vezes de sua história. Logo, toda descricäo estrutural de uma lingua histórica, deve ser realizada em cada uma das línguas fun-cionais que ela abarque. A lingua funcional, suas unidades e estruturas, devem identificar-se no piano funcional do sistema da lingua, pois, tanto o estudo da norma, como o tipo de lingua, supôe o piano como j á conhe-cido. Para que a lexemática diacrônica possa realizar-se, é necessário partir-se do conteúdo e utilizar-se da expressäo exatamente como expressäo, ou seja, manifestacäo das distincôes existentes para esse conteúdo. O campo léxico é, pois, uma estrutura paradigmática primária do léxico, ou, melhor dizendo, é a estrutura paradigmática por excelencia. As relacôes internas de um campo léxico enquanto estrutura de conteúdo, säo determinadas pelas oposicôes semänticas em que funcionam. Dessa forma, uma tipologia dos campos deve fundamentar-se em uma classificacäo das oposicôes lexemáticas. Desse modo, tipos formais de oposicôes constituem um ponto de partida necessário e um critério importante na tipologia dos campos. Quando se caracterizam campos inteiros (que em certo nível podem ser microcampos), os tipos formais de oposicäo servem para distinguir subtipos de campos, mas näo os tipos principals que englobam esses subtipos: com efeito, numa classificacäo estritamen-te formal, o critério dos tipos formais de oposicôes se revela como su-bordinado ao do numero de "critérios semänticos" (ou "dimensôes") que funcionam nos campos. A estruturacäo e funcionamento dos campos näo dependem unicamente dos tipos formais de oposicôes, mas também do tipo de sua relacäo com a "realidade" extralinguística, que elas organi-zam ou formám a partir do ponto de vista semäntico. Logo, as relacôes formais internas de um campo pertencem também ao tipo de relacäo e-xistente entre os significados e sua expressäo. O fato de os sistemas serem mais numerosos no léxico do que na gramática e na fonologia significa apenas que a descricäo lexical será mais complicada e empiricamente mais difícil. Porém, apesar das inúme-ras diferencas de uma lingua, incluindo aí a lingua histórica e a funcional, p. 1341 Cadernos do CNLF, Vol. XV, N° 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 Anais do XV Congresso Nacional de Linguística e Filológia existe um fundo lexical comum onde é possível se organizarem estrutu-ras precisas. Nessa mesma lingua existem também as estruturas impreci-sas que, do ponto de vista estrutural proposto por Coseriu, deveräo ser apresentadas exatamente como säo. Näo é necessário que se imponham estruturas "perfeitas" para que um estudo estrutural tenha valor. O impor-tante é apresentar o funcionamento real da lingua. Além do mais, muitas estruturas aparentemente imprecisas, poderiam ter precisäo se fosse possível fazer-se a distincäo sistema e norma, ou estrutura e uso de uma lingua. Ainda é muito dificil apresentar uma teória concisa sobre a estruturacäo dos campos lexicais, uma vez que existem problemas dificeis de resolver ou até mesmo sem solucäo. 5. Considera^ôes finais A lingua de um povo faz parte da sua cultura, pois ela é a expressäo desse povo. Mesmo sabendo que a fala é individual, o seu objetivo é socializar-se para que haja comunicacäo, principal funcäo da fala. Se comunicar é pôr em comum, falar é expressar o individual de forma social para que a comunicacäo se estabeleca. Com base nesses principios, a teória funcionalista da linguagem visa o estudo da lingua e da fala em seu momento de uso. Conforme o próprio nome já diz, o Funcionalismo vem tratar do funcionamento da linguagem. O enfoque principal dado ao tra-balho foi a perspectiva proposta por Eugenio Coseriu de estruturacäo os campos lexicais. Se a linguagem tem caráter dinämico, näo se pode estu-dar a lingua de um povo de maneira estática, pois se perderá de vista a evolucäo da lingua no sistema linguístico e social. Um estudo estrutural do léxico deixa claro que, ainda que näo se possa abarcar todo o léxico de uma lingua, pode-se comecar a realizar a estruturacäo desse léxico a partir de um corpus delimitado. A teória dos campos lexicais proposta por Eugenio Coseriu nos dá a possibilidade de realizar um levantamento de um léxico específico e, consequentemente, poder conhecer algum aspecto específico da socieda-de em que se está realizando tal estudo. Longe de se esgotar, os estudos em lexicologia necessitam de pesquisadores que se aventurem na história de um povo a partir o seu vo-cabulário. Cadernos do CNLF, Vol. XV, N° 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 p. 1342 AnAIS DO XV CONGRESSO NACIONAL DE LlNGUÍSTICA E FILOLÓGIA REFERÉNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBADE, Celina Márcia de Souza. Um estudo lexical o primeiro ma-nuscrito da culinária portuguesa: o Livro e Cozinha da Infanta D. Maria Salvador: Quarteto, 2009. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999. 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