Studijní text Tento studijní text je elektronickou kopií výňatku z textu a je určen pouze pro studenty Filozofické fakulty Masarykovy univerzity. Je určen výlučně k použití ve vyučování pro ilustrační účel nebo pro vědecké účely, jak je stanoveno v autorském zákoně (Zákon č. 121/2000 Sb., o právu autorském, o právech souvisejících s právem autorským a o změně některých zákonů, ve znění pozdějších předpisů). Studenti mohou text použít jen pro studijní účely. Je zakázáno text či jeho část jakkoliv dále šířit, kopírovat nebo používat na jiné účely, než je uvedeno výše. 104 AQUILINO RIBEIRO trovão que os atirou um contra o outro a bater os dentes de medo. Robles, castanheiros e olmos lascavam em sinistro fragor, e as aves, alucinadas, corriam o espaço, como setas na batalha dos Anjos Revéis. Um serafim, de cenho raivoso e couraçado, veio voando do alto direito a eles. E, à espadeirada, enxotou-os para fora do horto, em volta do qual surgiram, de golpe, muros altos, insuperáveis. - Perdão, senhor Anjo! - suplicou Eva, ajoelhando. Pecámos por ignorância... - Por ignorância!? - ribombou a voz de Deus entre nuvens. - Ser perverso e astucioso, já o teu coração tinha adivinhado antes de a tua carne o sentir. A mim não enganas tu! Há muito que a tua alma sofria entre o mistério e o desejo. Encontraste; agora ide, ide para o mundo sem fim, sofrer, lutar, correr por entre mil tormentas para a ténue emboscada dum gozo. Eva soluçava; Adão, sacudindo a cabeça em rasgo de decisão, travou dela nos braços: - Que importa, se descobrimos o amor e decifrámos o enigma da vida! Que importa, se conhecemos os segredos de Deus! A criação inteira rompeu empós. E até as aves em seu cantar pareciam dizer: - Também vamos, ó. homem, para o mundo sem fim. Amor, és tudo! As cancelas do divino horto fecharam-se de repelão; a terra e o céu ardiam, as ondas no mar ardiam. Nossos pais meteram, de cabeça dobrada, contra o frio e o vento. Dos animaizinhos, não obstante não terem sido escorraçados do Jardim das Delícias, cada par, mesmo os mochos, disparou para seu souto. Ao fim do amplexo que povoou o mundo, uma voz melopaica murmurejou, subiu em acento, esplendeu num hino , a vida toda. E era um triunfal: - Amor, amor, és tudo! A ti nos rendemos na dor e na alegria! Amor, és tudo! OS SENHORES DE MONTALVO ' t Studijní text je určen pouze pro použití ve výuce pro ilustrační nebo vědecké účely. No seu solar de rocha - águia de prata em campo azul vivia D. Beltrão com sua filha Floripes, último sangue da mui antiga e assinalada cepa dos Montalvos de Riba-Doiro. Não obstante haver dobrado os setenta, conservava-se o nobre senhor rijo e fero, mais poupado da gota que seus pergaminhos da traça. E donzela mais airosa e prendada era capaz de jurar o capelão sobre o cálix e a hóstia que não pisava num redondo de muitas léguas. Por longe, em particular na comarca sueva do Tâmega ao . Ave, gozava fama D. Beltrão de grande opulência e soberbia. Os invejosos contavam que o trigo grelava nas tulhas de Montalvo, repletas com colheitas caudalosas, acumuladas de ano para ano, e que bem possante devia ser a parelha de machos capazes de carregar o oiro e prata amoedados, sepultos nas adegas e armários falsos. D. Beltrão era um velho sobranceiro, sempre a ímpar de orgulho, não se sabia se i& da fazenda mais que de Floripes, a graciosa, ou das cinzas dos avós, caldeadas de santo e navegador. Todas as manhãs, o seu regalo era subir ao mirante e, olhando em roda, proferir, 1 num alarde de bazófia, diante de gregos e troianos e, se não havia tal séquito, com os seus botões, que eram de metal amarelo e falavam, como sempre foi condão de botões em casacas verdes: - Tudo quanto se avista é cá do Beltrão. Mas para lá do campo descoberto, possuía ainda vinhedos, olivais e terras de granjearia, em que mourejavam feudatárias dez aldeias de ratinhos. Studijní text je určen pouze pro použití ve výuce pro ilustrační nebo vědecké účely. 108 AQUILINO .RIBEIRO Assim prendada de dotes naturais e de fortuna, era sina de· Floripes tornar-se o alvo de bastos e magníficos pretendentes. Durante dois meses - que tantos esteve sua mão em hasta-= a estrada velha de laje que ligava o solar com a igreja e as outras baronias faiscou ao tropel dos cavaleiros. E, diante das varandas alpendradas, em justa assanhadíssima de jaguares renhiu o garbo duns com as arcas de oiro doutros. Após laboriosas inculcas, optou D. Beltrão por um abastado gentil-homem que, nas suas quintas, podia dizer, embora fosse discreto como um raposo, espalmando à sua maneira o punhaço no peito, em ares de competição: - Quem é o primeiro morgado da Riba-Tâmega, quem é?! Fixou-se a data dos esponsais e D. Beltrão, chamando Floripes a capítulo, disse-lhe: - Menina, o teu casamento deve celebrar-se com pompa digna dos Montalvos. As nossas burras estão cheiinhas, louvores a Deus e a el-rei, que é seu almotacé. Na nobreza da nossa família, que remonta aos Trastâmaras, não há dente de linhagista que morda, seja ele o Figueiroa. Para grandes empresas grandes honras: vou-me à corte pedir a el-rei, nosso amo, que venha ser teu padrinho. Por certo se há-de lembrar do seu velho servidor e rico-homem. Dito e feito. Em luxuosa equipagem partiu para a capital, recomendando que, durante a ausência, as portas não se abrissem nem a dona nem a conde - vejam lá o precatado! - nem mesmo a enfermo que de socorro necessitasse. Menina e aia prometeram cumprir à risca as disposições do fidalgo, tanto mais fácil que o solar era grande como uma vila e divertido como uma feira. E de facto nos primeiros dias não houve sequer tentação com que lutar. Ocorreu, porém, estando uma tarde à varanda, avistarem um pobrezinho como aqueles em que se disfarçava Nosso Senhor quando ia pelo mundo - traulitando pela rua fora em suas muletas, além de manquitó, cortado de frio. Quando as fisgou à barbacã, tanto gemeu, tanto chorou, que elas se compadeceram e, aindá que com pesar de JARDIM DAS TORMENTAS 109 transgredirem as ordens do senhor, o chamaram para dentro do paço. Acalentaram-no com um bom lume, umas gordas migas, e o homem entesou-se em sua corcova de velho lázaro. Pôs-se, então, a contar a sua história, que era o fadário simples e chão do bom pedinte. Era da Terra Quente e ia de jornada para Santa Eufêmia, onde o pão é alvo e as esmolas às portas ainda mais taludas que as abóboras em cima do telhado do tio Rodrigues. Mas tinha-se extraviado no caminho e há três dias que andava à roa, morro de fome e de enfado. As falas dele eram doces e coloridas, e entretiveram-se a ouvi-lo por muito tempo, quer a dar traça de fidalgos e bons abades que medravam pelos mundos de Cristo anafados e virtuosos, quer a contar passos da sua vida, mais singelos, aliás, que dum santo-justo. Já noite cerrada, Floripes, disse-lhe: - Olhe, aqui se lhe faz a cama e aqui dorme quentinho ao borralho. Não o mandamos sair por uma noite destas, Deus nos livre! Faz muito escuro e os lobos andam sobejos, mas há-de guardar segredo. O pai D. Beltrão, se o soubesse, era capaz de nos esfolar vivas. Desfazendo-se em bem-hajas, prometeu o pobrezinho ser mudo como um peixe na canastra duma varina. E, modo de se confessar agradecido, sacou duas laranjas do bornal: - Laranjas! - exclamou Anastásia. - São do mais fino que produz a Terra Quente. Trazia-as para· uma fidalguinha, muito boa, muito boa, quase tão bonita como a minha menina, que é o meu anjo da guarda. Mas muito ingrato eu era se as não desse à minha flor. Comam as duas, que são mel rosado e dão cores muito finas à pele do rosto. Anastásia, que era rabaceira, imolou logo a sua. Floripes, ou porque lhe repugnasse provar do que vinha no bornal do de mistura com todas as imundícies dos pobres, ou receasse durante a noite os arrotos chocos a que era fingiu que comia, mas nos gorgomilos não lhe passou gomo. Acomodaram pois o pobrezinho ao braseiro e, satisfeitas Studijní text je určen pouze pro použití ve výuce pro ilustrační nebo vědecké účely. llO AQUILINO RIBEIRO daquela boa acção, foram deitar-se. Dormiam na mesma alcova, pudera, que a aia era muito medrosa. Ela caiu logo a dormir como pedra num poço. A donzelinha, essa, por mais que tentasse engodar o sono, não adormecia. Altas horas, vagueava a sua fantasia entre o noivo, ocupado dos calondros e quem sabe lá se a apalpar o patriotismo das moças da jorna, e o pai, baldeado nas liteiras a caminho da corte, sentiu estalar o soalho. Apurando o ouvido, percebeu que era alguém que penetrava no aposento a furta-passo. Bem quis erguer-se, bradar por socorro, mas faleceu-lhe o ânimo e a mais não atinou que a fingir-se adormecida. Um vulto surgiu, parou, errou, debruçou-se sobre ela, depois sobre Anastásia, suspendeu-se à escuta e, afinal, sumiu-se por onde viera. Quando abriu os olhos, já o resplendor duma luz branca se coava pelas salas silenciosas. Floripes afoitou-se a deixar-se escorregar da cama e, pé ante pé, foi abanar a aia pelo braço. Mas nem a safanão, nem a beliscão, nem a murro acordou a dorminhoca empedernida. Então, enchendo-se de ânimo, saiu da alcova a ver o que se passava. Jesus! Na sala que deitava para o pomar, a mão dum finado ardia derramando uma luz alva, fosforescente que nem mil vaga-lumes em cima duma couve troncha. E pela porta, aberta de par em par, um homem -- em que reconheceu o mendigo coxinho - direito e membrudo apitava. Apitou primeiro o grande ladrão, uma, duas vezes, a medo; à terceira vez, estridentemente. Lá fora apenas o vento zumbia, veloz e fino como balas disparadas de mosquete. Apitou quarta vez, com tanta sanha, que a noite de lés a lés pareceu uma peça de chita negra a rasgar-se de cima a fundo. Ouviu-se no mesmo instante, lá para a mata, desencadear-se tropel formidável, ao passo que a silhueta do homem destacava no terreiro através das ombreiras altas. E Floripes - que lera os romances da Madressilva - deu um salto; em sua mão exaltada os ferrolhos correram expeditamente, depois a chave e a grossa tranca de carvalho que se recolhia no muro como em bainha. - Desta estou eu salva! - considerou. - A porta JARDIM DAS TORMENTAS 111 chapeada de ferro não cederia a um aríete romano. Toca a chamar os criados... Mas o tumulto na noite aproximava-se, arremetia para a escadaria... Vozes roufenhas discutiam, praguejavam . Uma muralha de ombros veio colar-se contra a porta, impando, descarregando o alento todo, Os gonzos nem rangeram sequer. A voz do mendigo clamou: - Está bem, está bem, nós vamos embora, mas entregue o candeeiro.. . - Que candeeiro! - A mão, que era de minha avó ... - E arde? - Arde, mas não queima. - Deixá-lo, não lhe pego... ! - Vai a porta dentro! .. . A mão continuava a arder sobre o escabelo, lívida como o luar e, como o luar, não queimando a sua chama. Floripes tentou apagá-la, mas nem a fole de ferreiro tremeria aquela sinistra luz. - Entregue a mão do finado, que lhe dá azar... - tornou a voz. - Pois sim - respondeu Floripes reflectindo. - Passe a sua mão pela gateira... O homem assim fez , e ela lha'cortou cerce com o machado que ali estava. E o sangue, esparrinhando e alagando tudo, apagou a mão morta incandescente. Ainda que às escuras e morta de medo, Floripes tinha esperanças que o pior já passara. Lá fora, no escuro, a quadrilha debandava em pressurosa tropeada. E foi tal o escarcéu que a aia despertou por fim. Logo que de tudo foi ciente, proferiu: - Fui lograda com a laranja. Não sei o que me subiu à cabeça, quando a comi, que tombei na cama como uma defunta. Agora, menina, só lhe peço que me deixe guardar essas duas mãos para memória... - Pois guarda.. . mas salga-as bem salgadas. Se lhes não Studijní text je určen pouze pro použití ve výuce pro ilustrační nebo vědecké účely. 112 AQUILINO RIBEIRO deitas uma arroba de sal em cima, largam para aí um fedor que não há quem pare com a peste, Regressou D. Beltrão com a promessa de el-rei vir ser padrinho de Floripes. Muito maravilhado ficou do que sucedera; mas como aquilo era alto feito para ser lavrado no brasão de sobresselente, nem com a palavra mais branda castigou a quebra de suas ordens. Estava à porta o dia do casamento, e caprichou D . Beltrão oferecer ao genro montada que emparelhasse com o cavalo Azagaia de Floripes. Era este Azagaia um bicho a que pouco faltava para voar. Mais garboso e ardido não se encontrava com duas razões. Pégaso é que devia chamar-se. Mas D. Beltrão e seus eguariços não eram nada fortes em poética, antes grossos, grossos como frecheiros. Levado na sua, expediu D . Beltrão a feiras e coudelarias chalarites que lhe trouxessem por todo o preço animal daquela igualha. Vieram cavalos de muitas bandas, valiosos como condados, imponentes como andores, nenhum, porém, competia com Azagaia, senão na ligeireza, na estampa. - Melhor! melhor! - lançava aos lacaios, de cenho franzido. Procuraram por longe, na planície, onde era de lei que houvesse cavalos galgadores, na serra, onde às vezes se criam mastodontes que metem medo aos próprios cavalos das estátuas equestres. Sempre Azagaia se lhes avantajava, sem rebaixamento doutras prendas, no porte, no galope ou no brio. Trouxeram-lhe sem utilidade hacaneias soberbas de infantas e ginetes ardentes de guerra. Um judeu descobriu-lhe um alazão alto como torre, para estabular o qual fora preciso rasgar as portas da estrebaria. Mas tinha dois dentes cariados e a cauda carecia do indispensável donaire cometário. - Outro! - exclamava iracundo e soberbo D. Beltrão. Esgotaram-se as buscas e, por pregoeiros solertes, a soma de dois mil cruzados foi oferecida a quem apresentasse cavalo capaz de ganhar a Azagaia de algum modo, fosse lá como JARDIM DAS TORMENTAS 113 fosse, na vivacidade ou na cortesia. Acudiram mais corcéis de todas as raças e de muitos reinos; garranos ardegos como touros, facas duma gracilidade de rapariga; nenhum enchia as medidas do tetrarca de Montalvo. - Teu noivo nunca poderá sair a passeio com Azagaia à estribeira - dizia desalentado e no fundo ufano para Floripes. - É bicho para envergonhar a mula do Papa se é certo o que rezam as grandes crónicas do Vaticano. Certo dia, bateu à aldraba um senhor de finas maneiras, tendo consigo três cavalos com os seus pajens. - Trago-lhe três cavalos, três estacas, senhor D. Beltrão; qualquer deles bate Azagaia. Sorriu o orgulhoso velho, se bem que os brutos fossem de generosa aparência, e mandou aparelhar Azagaia. Floripes saltou sobre a sela, como um pássaro salta para um ramo. O homem disse, assentando uma palmada na garupa do seu morzelo: - Este é o mais maneirinho dos três; tem a graciosa andadura duma dama da corte de Trebizonda, e corre como o vento dos ciclones. Chama-se Tigre. Se lhe agrada, custa-lhe dois mil cruzados. .. dois mil cruzados e o mais que se verá... - O mais que se verá.. . quê? - A carta do rei Ordonho com o seu alvará de fidalgo .. . mesmo que esteja roída dos ratos. .. Sou coleccionador. Sorriu o nobre da bravata, por lhe parecer amenidade de vili\o cobiçar-lhe o pergaminho mandado lavrar e assinado pelo punho de el-rei e de sua senhora D . Cunegundes Coração de Leoa, e Floripes e o cavaleiro emparelharam, prontos a edir. · Observou-lhe o desconhecido: - Menina, vergonha terei em vencê-la... - Ora essa! Vergonha tenho eu, montada no meu cavalo, não me considerar uma amazona capaz de correr com o cavaleiro. Seja. Os cavalos abalaram e Azagaia foi batido por dois galões. - Entendido - respondeu D. Beltrão - terá os dois mil Studijní text je určen pouze pro použití ve výuce pro ilustrační nebo vědecké účely. 114 AQUILINO RIBEIRO cruzados e uma boa gorjeta para os pajens. Corra agora os outros cavalos com Azagaia. Os palafreneiros apresentaram o segundo cavalo e o cavaleiro declarou: - Pus-lhe o nome Relâmpago, porque mal arranca desaparece. É tão valente e tão dócil que se deixa montar por um abade com a ama à frente, dois afilhados na garupa e os alforges carregados com os folares da Páscoa. Também é mais caro... dois mil cruzados... e o paço. O fidalgo reprimiu uma injúria ante a graça descortês, e os ginetes partiram. Segunda vez perdeu Azagaia por quase um quarto de pista. - São extraordinários os seus cavalos, não haja dúvida. O senhor não lhes deu por aí alguma mistela mágica a beber? - Água da fonte e um cálice de vinho fino. Os meus cavalos têm paladar como um lorde de Inglaterra. - Vê-lo-emos. Este terceiro, pachorrento como um rocim, não tem ar de defrontar o meu... - Pois deixe repousar o seu cavalinho. Este alazão tem manhas de palafrém, baixa-se para um menino montar, e não há nada mais galgaz. É o que lhe digo ... voa como o pensamento e dá pelo nome de Vingança... - Lindo nome! - gracejou Floripes. - Lindo; e que amor! Traga trinta léguas dum ímpeto e o passo dele é mais macio que andar de liteira levada aos ombros de quatro galegos de Redondela. Precisa, porém, de trato fidalgo e vinho; este bebe como um rei de armas. Logo que Azagaia sossegou, o cavaleiro disse: - Vamos lá! O seu, menina, é realmente um animal catita, mas contra este é como a ovelha para a gazela. Custa-lhe a mão de sua filha, senhor D. Beltrão de Montalvo. - Basta de insolências! - trovejou o fidalgo. - Partamos! - proferiu o facecioso troquilhas por dentes. Abalaram os dois corcéis; logo às primeiras upas Azagaia deixou adiantar Vingança a perder de vista; a sua infer~oridade JARDIM DAS TORMENTAS 115 foi tão manifesta que o mais subtil letrado, da escola não saberia sofismá-la. Satisfeito em realizar os desejos, ainda que agastado pela derrota, propôs D. Beltrão: - Pode entregar as rédeas, que vão ser-lhe contados os seis mil cruzados... - Seis mil cruzados?! Mais me custou a criação. - Sejam oito mil. - Puh! Pouco menos que isso gastam à manjedoira. - Homem, essa! Comem pérolas... caviar? - Comem erva e fava... e até grão, mas há seis veterinários ao seu serviço, e todas as manhãs vem esse grande D. Hyacintho Ferreira, que lhes palpa o lhes coça as partes, lhes examina a espéculo o ânus, como faz ao seu rei... - Dez mil, quer? - Mais gastei a adestrá-los. - Quanto pede? - Quanto já pedi, senhor D . Beltrão. O fidalgo, engasgado de cólera após estas palavras atrevidas chamou a criadagem, que era um exército. Arrancaram as rédeas das mãos dos pajens e, a um sinal de D. Beltrão, o lllordomo desatou uma barriguda saca de coiro. E, enquanto soprava dez mil cruzados ao cavaleiro, que sorria, o fidalgo proferiu, abanando a cabeça em ameaça: - Podia-lhe fazer amargar as impertinências, senhor... senhor quê? Vamos, senhor coudel, e, vê, mando-o em paz com a quantia que ofereci. Dez mil cruzados, Baptista, nem ais um ceitil. .. Já sabia, não tem que se queixar. Vá... vá, iga o que quiser, mas não esqueça que muito paciente foi D. eltrão Montalvo de Trastâmara, do ramo lusitano de iba-Doiro, estreme de malado e bastardia! J.>ara coroar a façanha, D. Beltrão convidou Floripes e o Jyo , que assistira embasbacado a todos os lances, a pntarem os estranhos corcéis. Ele cavalgou Vingança, 'loripes Relâmpago e o morgado Tigre. Mas antes que dessem ~Jrida, ouviu-se zumbir no ar um assobio cadenciado e Studijní text je určen pouze pro použití ve výuce pro ilustrační nebo vědecké účely. 116 AQUILINO RÍBEIRO musical e os cavalos arrancaram. À carga cerrada, primeiro, nem demónios a fugir para o meio do inferno, Depois os lacaios viram-nos tresmalhar e correr para a linha do horizonte como galgos endiabrados. Quando volveram olhos para o que estava à sua volta, cavaleiros e pajens dos cavalos enfeitiçados haviam desaparecido. Azagaia corria em roda, crinas eriçadas, nitrindo lamentosamente, mais desesperado que a burra de Balaão antes de conseguir convencer o amo dos. verdadeiros desígnios de Deus. Por ordem de el-rei, uma força partiu a bater as serranias do Norte, que os bandidos infestavam, e onde se presumia guardassem em reféns o mui nobre e leal senhor D. Beltrão. Era ponto de fé que longa e engenhosa traça, com o fim de roubar e matar, explorando a soberbia do fidalgo, fora aquela dos cavalos que corriam mais que o vento. Se ele era a única vítima, a grande milagre deviam Floripes e o morgado a salvação. À pequena valera-lhe enfiar o cavalo por um tremedal, e ao noivo ser cuspido da sela, embora a troco de duas costelas partidas. Ela chorava, o morgado ria, agradecendo aos santos ter escapado a tais alhadas, comendo agora as boas alheiras dos seus cerdos, temperadas a verdasco de Santo Tirso, oferta congratulatória do abade da freguesia. Ignorava-se, de todo, a sorte de D. Beltrão, posto corressem rumores de que, roubando-lhe a liberdade, lhe houvessem poupado a vida e terem-no de conserva a engordar como um peru que havia de dar para os gastos da consoada. Floripes chorava noite e dia, agastando-se sem repouso a espreitar o horizonte por onde os soldados podiam voltar dum momento para o outro, mas não voltavam, com o paizinho resgatado. Ao cabo de largo mês, só o alferes apareceu, crivado de dardos, tendo perdido metade da gente em peleja com os bandidos. Ficou el-rei muito em cólera com a notícia do desastre e, por sua ordem, depois de um conselho de ministros a que foi chamado a dar seu parecer o proto-alveitar D. Hyacintho JARDIM DAS TORMENTAS 117 Ferreira, que metia nas Pandectas ó mesmo nariz sábio com que especulava a madre das éguas reais, segunda e bem equipada expedição se organizou. Estava esta para abalar quando, em ardido galope, se apresentou um moço imberbe e de elegante parecer por baixo do uniforme da ordem: - Eis a minha guia de marcha. O alferes , reparando na bela afoiteza do adolescente, interrogou admirativo: - Soldado raso? - Porque não? - Pensaste bem nos trabalhos que vais ter? - Não olho a isso; sou tropa como os mais. O alferes, depois de ler a guia, tornou: - Mas porque te alistas tu, rapaz, numa expedição donde não vem glória e só riscos? - É segredo, meu alferes. Partiram. O soldadinho era dos mais animosos na marcha, embora fosse de parecer melancólico e reservado. Mas as suas finas maneiras de pronto cativaram a soldadesca e não menos o alferes, que o escolheu para ordenança. Andando, andando, foram bater a uma aldeia, perdida entre as brenhas, onde homens e lobos viviam em porfiada guerra. Aboletada a força em palheiras, o alferes disse para o impedido, perante o único catre que toparam: - Dormes comigo... Deitaram-se, mas o soldadinho pôs a espada de permeio. Vendo tal, objectou-lhe o alferes: - Pendura a espada, homem, que muito nos há-de magoar em cama tão estreita. Olha que eu não tenho maus costumes... Ao que retorquiu o magala: - Meu alferes, perdoe, mas da espada não me separo, nem de noite nem de dia, nem na vida nem na morte. Assim o jure.i a Nossa Senhora do Livraménto que me tocou na pia benta com a sua coroa de prata. Nasceram certas dúvidas no espírito do oficial quanto àquele maduro de soldado; mas os modos fidalgos do demoStudijní text je určen pouze pro použití ve výuce pro ilustrační nebo vědecké účely. 118 AQUILINO RIBEIRO nico acorbardavam-no de tentar uma inguirição a fundo. Reservou-se, todavia, observá-lo e consigo foi ruminando: - Raios partam o Diabo! As mãos parecem de rapariga, mas o alento é varonil. A voz é de donzela, mesmo uma donzela virgoleira, mas o garbo de cavaleiro. Uma destas?! Não sendo homem, não sendo mulher, só querubim. Ao primeiro combate gue sustentaram, o soldadinho foi freneticamente destemido. Era o ginete dele gue corria na dianteira e a espada dele a mais afoita a acutilar. Um dos bandidos viu pela última vez a 'lua estanhada; o golpe fora, porém, tão penetrante gue nem um suspiro lhe puderam apurar da gorja de moribundo. E a malta desapareceu entre as serranias, sem dar azo a desvendar-se o destino desconcertador do senhor de Montalvo. O soldadinho, gue tão ousado se mostrara durante a refrega, pôs-se a chorar em fonte, e o alferes disse de novo para consigo: - Tinha graça se fosse mulher! Porgue a combater era um alemão, e a chorar uma menina. Resolveu por isso experimentá-lo, e com esse fim levou-o a uma feira. Passando diante das tendas, onde se vendia oiro lavrado, disse-lhe: - Formosas jóias, amigo. Não gostas? O soldado desviou o olhar de brincos e trancelins para os cutileiros: - Formosas, não há que ver. Mas eu cá aprecio mais daguilo, aguelas facas de mato e os alfanges de guerra. As mulheres adoram os enfeites - considerou o oficial e o soldado prefere as armas. Será homem? Mas gue ratão! Uma tarde, gue acamparam nas cercanias de grande terra, o alferes veio ao encontro do soldadinho e, batendo-lhe no ombro, perguntou: - Sabes ser discreto? - Como um morto. - Gostas de mulheres? - Como um turco. - Vem daí. Eu sei de duas beldades, meias pecadoras, de se lhes lamber o beiço, gue não terão dúvidas de nos abrir a porta. JARDIM DAS TORMENTAS 119 Galoparam os dois à rédea solta, cada um mais veloz gue o outro, porque as duas tiranas moravam algures num palacete gue lhes oferecera certo rajá e elas tinham convertido em afrodision. Uma delas, muito esbelta e composta, tinha tez e cabelos da cor do trigo a sazonar; a outra, miudinha e enxuta, era morena e a íris dos seus olhos reluzia mais gue a baga preta do loureiro. À puridade interrogou o alferes: - Qual te agrada? - Agrada-me a morena, gue é das gue cativam, e a loira das gue enfeitiçam. - Qual preferes? - Prefiro a loira para dar beijos e a morena para dar abraços. - Uma.. . meu garanhão, uma. ..? - A primazia é sua, meu alferes. - Não, tire-se à sorte. - ... dos dados? - À sorte da sorte. Elas gue escolham. Sentaram-nas nos joelhos e em deleitoso cológuio e bebendo .vinhos generosos, gue não eram dos mata-ratos fabricados em Cale ou Brachium Argentum, entretiveram o serão. O soldado galanteava a loira e seduzia a morena. Seus olhos diziam a uma: amo-te, e à outra: fosse eu rei, fazia-te rainha. E tão discretamente procedia gue uma supunha: é a mim'que ele ama! e a outra acreditava: está mesmo pelo beiço! Cantavam já os galos e o alferes de cavalos propôs: - Vá; cada uma escolha o seu galã. · - Eu quero o soldado! - gritou uma. - Eu guero o soldado! - exclamou outra. Ficaram os dois interditos perante situação tão caprichosa. O soldadinho falou primeiro: - Não tem siso o gue dizeis. Eu não me posso partir e, já que ambas me elegestes, nenhuma, nem ambas, posso eu guerer. Se vos quisesse a ambas, ofenderia o meu alferes; se preferisse uma, magoaria a outra. Foram-se por donde vieram, cismando o alferes: ./,, J ri,, :1 i Studijní text je určen pouze pro použití ve výuce pro ilustrační nebo vědecké účely. ~ 120 AQUILINO RIBEIRO - A conquistar moças é homem, mas o seu desapego é de mulher; carambinha, minha Nossa Senhora, grande mistério há aqui! Temerariamente se aventurou o alferes com o destacamento aos lugares mais ermos e selvagens. No meio dos bosqUes encontraram por fim os bandidos e rija peleja se travou. Nela caíram muitos combatentes dum lado e doutro e entre eles o soldadinho. Largou o alferes o mais aceso da luta para ampará-lo, pedindo-lhe ele em voz entrecortada: - Enterrem-me vestido como estou. O oficial volveu com grande cólera e dor ao combate e, mal os bandidos foram desalojados, o seu primeiro cuidado foi conduzir a ordenança para uma cabana que ali havia. Ao examinar-lhe as feridas do colo, longe da ardilosa curiosidade que o perseguia, depararam-se-lhe, como uma peanha à medalha em que figurava D . Beltrão de rabona, calção e cabeleira de canudos, dois seios formosíssimos de donzela, como seriam pombos brancos e gémeos, comprimidos, comprimidos, mesmo agachadinhos de medo numa condessinha. E, reconhecendo que tinha diante de si D. Floripes de ·Montalvo, sentiu a alma presa de grande comoção e enternecimento. E, a partir daquele instante, pôs-se a amá-la com delicado e recatado amor. Como el-rei tivesse grande estima por seu fiel vassalo D. Beltrão de Montalvo, mandou pregoar por cidades e lugares do reino uma recompensa de dez mil cruzados a quem lhe trouxesse com vida o nobre desaparecido. Acorreram príncipes das sete partidas, militares e aventureiros de ofício, e luzida e valorosa cavalgada partiu a bater os montes. Floripes, que se acolhera à corte em corpo bem feito de açafata, celebrada por uns, adorada por outros, grata a todos, chorava noite e dia, não havendo lenimento de palavras, piscadela de olhos, toque de bandurras, odes votivas de poetas que lhe minorassem a paixão. Ao cabo de ano, contado hora a hora pelas suas lágrimas, voltaram os expedicionários um aum, estropiados e desiludiJARDIM DAS TORMENTAS 121 dos. A ninguém fora dado ganhar a. alta e perigosa cartada de dez mil cruzados. Só um faltava: o alferes, mas desse não havia novas certas. Sabia-se que porfiava, e a ideia deste sacrifício passava na alma de Floripes como vaporoso e suave bálsamo. Continuamente, perguntava em seu cismar: - Trá-lo-á o bom alferes? E que bravo e simpático homem! Nem mesmo tilintava com o sabre! E passaram meses, e passou outro ano, sem lhe chegar rumor dele, ou do pai. Estavam perdidas as esperanças quando, a hora inesperada, um fidalgo arraiano pediu audiência a el-rei, nestes termos: '-- D. Raimundo de Resquitela, de parte de D . Beltrão de Montalvo. Alvoroçou-se a corte que tal ouviu, e o fidalgo fronteiriço foi chamado. - Julguei que era extinta a estirpe dos Resquitelas observou el-rei para o camareiro. - Se o não é, anda certamente abastardada. Estes plebeus metem-se como piolho na púrpura. Há-de ser preciso esborrachá-los não entre as unhas dos dois polegares, como contam que se via na corte de D. Carlota, mas a cachamorra. Disse el-rei para D. Raimundo de Resquitela, homem dos quarenta, cara dura torrada do suão dos altos, mal foi introduzido: --:-- O meu castelão não é descendente daquele D. Abúndio de Resquitela, homem terso e duro, das hostes do bem-aventurado D. Nuno, que salgava os fígados dos .castelhanos, e os dava a comer em chouriços aos vilões? - É essa uma tradição fabulosa, senhor, inventada por um historiador espanhol, falho de imaginação. Mas sou, sou tetraneto desse valente espadeiro. - Sabeis então onde está D. Beltrão? - Sim, real senhor. - Onde está e porque não veio convosco? - Era arriscado empreendimento, para mim só, tra- zê-lo... - Dar-vos-ei uma força. E onde pára? Studijní text je určen pouze pro použití ve výuce pro ilustrační nebo vědecké účely. 122 AQUILINO .RIBEIRO -'- Numa serra, distante cinco léguas, das velhas, do castelo que me foi berço. Onde só alcançam as águias... Molharam-se os olhos de Floripes e o monarca tornou: - Ide, levai quanta tropa há em Portugal e Algarves, que não há-de ser preciso pedir-se auxílio a Inglaterra, e trazei-me o meu servidor. As alvíssaras são de tentar... - Não me encanta a riqueza. - Outras mercês vos serão dadas. - Outras... de vós, meu amo, as boas graças me bastam. Sou rico, louvores a Deus, e a minha fidalguia toca em Covadonga e no Duque de Fanhões. - Que vo-las dê então D. Floripes - pronunciou el-rei nuin assomo de enfadamento perante tal prosápia. - Dela as aceitarei de bom grado. - Pois que vo-las dê! - Que lhe posso eu dar, nobre senhor? - perguntou Floripes. D. Raimundo, sem tornar resposta, envolveu-a num longo olhar que, para ser terno, só lhe faltava a languidez dos poetas que deram aqui há anos a alma ao Criador, com o verso de pé quebrado. - Meus moinhos que moem prata? -! - Três quintas, onde se criam nabos que põem o ramo no mercado, sitas mesmo à beira-mar? -! - O meu castelo da Lobata? -! - As minhas jóias sem par? -! - Que prémio desejais, senhor? As damas, que o sentiam insatisfeito, ofereceram uma a uma as suas prendas: - Dou uma colcha de Sofala. - E eu, um corcel arreado. - Eu, um brilhante e uma opala. - Um punhal, eu, adamascado. JARDIM DAS TORMENTAS 123 - Um gomil de oiro para se lavar. - Toalhas de damasco e lhama para se limpar. - Pedi por boca, homem de Deus ou de Satanás.. .! El-rei disse, notando a leve melancolia de que parecia ensombrar-se a figura de D. Raimundo: - Estareis vós enamorado? - Real senhor, assim quis minha sina. - De D. Floripes? - Sim, de D. Floripes. - Estava a dizer-me o dedo mindinho. Já vai nos trinta... Para quem está ela a guardar-se... ?! Que fale, eu a autorizo.. . Entre soluços, pálida, a donzela proferiu: - Se outro prémio vos não seduz, será vossa a minha mão. Mas fazei-me a mercê de escolher melhor. .. D. Raimundo abanou a cabeça: - Nenhum outro me seduz. Tudo assente, e já noivo de Floripes, partiu dali o cavaleiro à testa de poderosa milícia. E, volvidos muitos dias, regressou, trazendo após rija referra com os bandoleiros, segundo contaram testemunhas que não arredaram da corte, o nobre senhor de Montalvo. Vinha o mesmo, como sempre orgulhoso e fero, mais crescidos apenas os cabelos no cachaço e na venta, e as unhas com que se coçava. Celebrou-se o resgate com alegres e estrondosas festas, a que não faltou a filarmónica dos zabumbas. Ao mesmo tempo era anunciado o casamento de D. Floripes com D. Raimundo de Resquitela, senhor de altas fidalguias do termo do reino, redouradas pelo bom monarca absoluto. O primeiro noivo de Floripes engordava em seus latifúndios aborrecido de aventuras, tendo mudado de cozinheira para melhor. Este cordon bfett era de França e sabia preparar-lhe a lagosta de cem maneiras e a orelha de leitão sattce diablotine, muito do seu gosto. O bom alferes, esse, arrastava pela corte alegre um ar calamitoso de desditado e uma espada cheia de glória e de ferrugem. Grande arraial foi dado na véspera dos esponsais. Acudiu a primeira nobreza de Portugal e de Espanha e no pátio Studijní text je určen pouze pro použití ve výuce pro ilustrační nebo vědecké účely. 124 AQUILINO RIBEIRO organizaram-se jogos de destreza e de folgar. E houve jogo de pau, exibiu-se um grupo de truões e bateu-se a galharda e a dança dos chifarotes. O contentamento não tinha medida; e Floripes, entre os ranchos jucundos, o que ninguém havia de julgar de sua alma, era uma rosa aberta de alegria. Os convivas abancaram para o banquete, e as taças de cristal e vermeil coloriram com vinho velho de cem anos, genuíno das adegas beltranescas. Neste momento, porém, os brandões apagaram-se e toda a sala ficou mergulhada na escuridade. - Luz!~ urrou o senhor de Montalvo. - Aí vai, senhor! - gritou Anastásia. A aia surgiu, então, com uma luz lívida que empalideceu a sala. Todos os olhos incidiram sobre o estranho archote e viram a mão dum finado. Era a mão dum finado, branca e exangue, que radiava um clarão pálido de lua nova, como só há nos poemas. D. Raimundo de Resquitela deu um pulo para Anastásia, mas braços rijos de lacaio seguraram-no: - Aí, seu teso! Não bula, que é melhor! - Nobres senhores - exclamou a velha aia, com um ricto satisfeito que nem pedido às bruxas da Floresta Negra ao pescarem um anjinho - aí está o capitão de ladrões que assaltou o solar, sequestrou o senhor D. Beltrão e intentava por aleivosia casar com a minha ama e senhora. Olha de que espiga se livrou, coitadinha! A mão que ela lhe decepou aqui está... E, em salva de prata, exibiu a mão mirrada, um cadáver de mão que tirara da salgadeira dentre os chispes dos cevados. Ao mesmo tempo os lacaios desenfaixavam do braço de D. Raimundo a mão postiça, tão bem feita que só fabricada pelo Mafarrico, que faz tudo, até boa ortopedia. - Algemem-no de pés e mãos! - ordenou o senhor de Montalvo. - De pés e mãos não pode ser, meu senhor D. Beltrão! Da canhota e do coto, sim... - permitiu-se rectificar o proJARDIM DAS TORMENTAS 125 ª~G~itar D. Hyacintho, muito exacto em anatomias qua.P~ê'.1-is. - A mão foi-se à gaita... 'oltando-se para os convivas, todos eles maravilhados, rescentou D. Beltrão: -- Pois, algemem-no pelo coto e a canhota! E resta edir-lhes vénia: a festa fica adiada. 'e-- A festa continua, se vossa mercê, senhor pai, o onsente... - atalhou Floripes. - Eis o meu noivo... E, comando-o pelo bràço, boquiaberto, apresentou o róico alferes que, a ombrear com a águia dos Montalvos, eava no brasão, campo partido de oiro e sinopla, o leão dos Sanhudos. Studijní text je určen pouze pro použití ve výuce pro ilustrační nebo vědecké účely.