José Cardoso Pires,    por Eunice Cabral

O Delfim é o romance, geralmente considerado a sua obra-prima. Apesar de não ter semelhanças
_______ os livros anteriores, o autor foi aprimorando a narrativa focalizada _____  partir de um
olhar “forasteiro”, aparentemente descomprometido ______ uma realidade percebida como anacrónica. A
Gafeira, aldeia inexistente, inventada a partir ______ tantas outras portuguesas, é o local
________ eleição e objeto de um determinado modo _______ ver e de interpretar o Portugal
marcelista, a seis anos ______ uma mudança drástica. O centro do relato diz respeito _______ um
crime, que consubstancia o estilhaçar de um mundo que se apresenta como perfeito e imóvel, mas que
começa a ser infiltrado do exterior ________ mudanças modernas que o irão alterar ________ sempre.
Esta tensão é narrada __________ um discurso perspetivístico, distanciado, sendo, então, impossível
o registo narrativo de tipo realista. Mesmo sendo um romance profundamente experimentalista,
____articulação ______ as vanguardas europeias desta década, mantém, _______ a sua urdidura, a
noção de “documento humano” _______ a necessidade de traçar, _______ um rigor irónico, paródico,
____ vezes “hiper-realista”, as coordenadas portuguesas num período de profundas mudanças. Tendo
sido recebido até 1974 como romance neorrealista, tem despertado um interesse crescente como
narrativa pós-modernista. Pode efetivamente ser lido como o primeiro romance português ______o qual
confluem as principais linguagens estéticas norteadoras do futuro pós-modernismo português devido
______ mistura de géneros, à polifonia, à fragmentação narrativa e à metaficção.
____________________________________UMA SIMPLES FLOR NOS TEUS CABELOS CLAROS.... Estavam de mãos
dadas, vizinhos _______mar e, ______ verdade, quase sem o verem. Havia a memória das águas ______
pele cintilante da jovem ou ________eco discreto das ondas através da névoa; ou ainda _______
rastro de uma vaga mais forte que se prolongava, terra adentro, e vinha morrer ________ pés deles
_______um distante fio de espuma. E isso era o mar, todo o oceano. Mar só presença. Traço de água a
brilhar ________ instantes num rasgão ______ nevoeiro.... Com o cair____ tarde a névoa
desmanchava-se pouco a pouco. Ficava unicamente a cobrir o mar, a separá-lo de terra como uma
muralha apagada, e, ________ surpresa, as dunas e o pinhal da costa surgiam numa claridade humilde
e entristecida. Já ______pé, Paulo avistava _______ longe a janela iluminada ______restaurante.
... «Partiram _______gargalhadas. _______ medida que se afastavam ______mar, a areia, sempre mais
seca e solta, retardava-lhes o passo e, é curioso, sentiam as noite abater-se ________ eles.
Sentiam-na vir, muito rápida, e entretanto distinguiam cada vez melhor, as piteiras encravadas
______ dunas, a princípio pequenas como galhos secos e logo depois maiores do que lhes tinham
parecido ______ chegada. E ainda as manchas esfarrapadas dos chorões rastejando _________ ribas
arenosas, o restaurante ermo, as traves; de madeira roídas _______maresia e, cá fora, as cadeiras
_______verga, que o vento tombara, soterradas  na areia. ...«Sim. Parecia mesmo gente lá__________,
na sala. Se soubesses os sustos que apanho quando estou ________insónias. A Nanda lá nisso é que
tem razão. Noite _______ que não adormeça veste-se e vai dar uma volta ______ o marido, a qualquer
lado. Acho um exagero, eu nunca seria capaz ______te acordar... mas, enfim, ela lá sabe. O que é
certo é que se entendem _______ maravilha um ______ o outro. E isso, Quim, apesar de ser a tal
tipa, que tu dizes. Também, ainda estou para ter uma amiga que _______tua boca não seja uma tipa ou
uma galinha.»

José Cardoso Pires,  Jogos de Azar,               Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1999 (7ª ed.).