O USO DAS CONJUNgÓES 'MAS' E 'EMBORA' EM TEXTOS DE ALUNOS DA EDUCAgÄO BÁSICA Rosemeire Lopes da Silva FARIAS UnB1 RESUMO Analisamos o uso de oragoes concessivas e adversativas em textos de estudantes do Ensino Médio de urna escola pública de Campo Grande, MS. Foram selecionados dois tipos de sentenga que nao correspondent h configuragao prevista na norma padrao: (i) a oragao introduzidapela conjungao 'emborá'com o verboflexionado no indicativo (nao no subjuntivo); (H) a oragao introduzida pela conjungao 'mas' na primeira posigao (e nao na segunda). Nossa hipótese é a de que está havendo urna tendencia ä neutralizagao das conjungoes 'mas' e 'embora', o que se relaciona ä auséncia do subjuntivo. ABSTRACT We examine concessive subordinate and adversative coordinate clauses in essays produced by secondary school students in a state school of Campo Grande, MS. Two types of sentences were found, which do not correspond to standard Portuguese: (i) a clause introduced by the subordinate conjunction embora' with indicative (not subjuntive) inflection on the verb; (ii) a clause introduced by the coordinate conjunction mas' in the first position (not in the second). Our hypothesis is that there is a tendency to the neutralization between the conjunctions mas' and embora', which correlates with the absence of the subjunctive. PALAVRAS-CHAVE Subordinagao concessiva. Coordenagao adversativa. Indicativo. Subjuntivo. KEYWORDS Concessive subordination. Adversative coordination. Indicative. Subjunctive. © Revista da ABRALIN, v. 7, n. 2, p. 299-321, jul./dez. 2008. O USO DAS CONJUNQÖES 'MAS' E 'eMBORa' EM TEXTOS. Introdu^ao Neste artigo, examinamos construcoes concessivas e adversativas, em particular as introduzidas pelas conjuncoes 'embora' e 'mas', em redacoes de estudantes do Ensino Medio de uma escola publica de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Para reunir os dados, foram realizadas värias atividades de producao textual e de construcao de periodos compostos em que deveriam aparecer as conjuncoes 'mas' e 'embora. Do total de 100 sentencas, selecionamos 30 que nao correspondem ä configuracao prevista na norma padrao, identificando dois tipos de divergencia: (i) oracoes introduzidas pela conjuncao 'embora' com o verbo flexionado no indicativo (nao no subjuntivo); (ii) oracoes introduzidas pela conjuncao 'mas' na primeira posicao (e nao na segunda). Desse total de 30 sentencas, 17 foram construidas por meio de exercicios que solicitaram a construcao de sentencas, em que os alunos deveriam usar as conjuncoes 'mas' ou 'embora. As 13 sentencas restantes foramretiradas dos textos dediferentes tipologias produzidos pelos estudantes. A escolha de trabalhar com os alunos do Ensino Medio justifica-se pelo fato de eles estarem inseridos em urn contexto escolar, que os coloca em contato com diferentes tipos de textos e estudos gramaticais, os quais buscam sistematizar o uso das subordinadas concessivas e coordenadas adversativas. Dessa forma, a hipötese nula e a de que o aluno tern acesso na escola ä expressao sintätica da semäntica da oposicao conforme prevista pela norma padrao, seja em textos escritos, seja mediante estudos gramaticais que buscam sistematizar essas possibilidades na variedade padrao. Cabe considerar que sao expostos äs formas da norma padrao, tambem, no discurso oral. Embora tenham acesso ä visao sistematizada da gramätica, que geralmente e a predominante nos livros didäticos, alguns alunos apresentam uma forma particular de construir as oracoes adversativas e concessivas e, aparentemente, nao as diferenciam. Nossos resultados nos levam, porem, a constatar que pode haver casos-fronteira na oposicao entre subordinadas e coordenadas, conforme sugere 300 RosEMEiRE Lopes da Silva Farias Matos (2003). Como se vé, trata-se de tema relevante para o estudo da gramática, e para a reflexao acerca de questoes educacionais. O artigo está organizado da seguinte forma: primeiramente, fazemos breve estudo sobre a oposicao subjuntivo/indicativo; na seqiiencia, apresentamos algumas teorias para o desenvolvimento do tema proposto, abarcando a visao da gramática tradicional e a posicao de alguns lingüistas; dando prosseguimento, analisamos os dados colhidos do corpus em estudo, e, por ultimo, expomos as conclusoes a que pudemos chegar diante dessa análise. 1 Subjuntivo vs indicativo 1.1 O subjuntivo e o indicativo na gramática tradicional Para Cunha e Cintra (2001), usamos o modo indicativo quando o fato expresso pelo sintagma verbal é considerado certo, real (no presente, passado ou futuro). Já, ao usarmos o subjuntivo, encaramos a existencia ou nao existencia do fato expresso pelo sintagma verbal como incerta e duvidosa. Segundo esses autores, o subjuntivo (do latim subjunctives = subordinar) "denota uma acao, ainda nao realizada, concebida como dependente de outra" (p. 466). Nesse sentido, o subjuntivo é encarado como o verbo da subordinacao por excelencia, e o indicativo é fundamentalmente o modo da oracao principal. Os verbos a seguir apresentados pelos autores ilustram tal diferenciacao: (1) Afirmo que ela estuda. (o fato expresso pelo sintagma verbal é considerado certo) (2) Duvido que ela estude. (o fato expresso pelo sintagma verbal é considerado duvidoso) Nesses exemplos, o verbo da oracao principal está no indicativo e, na oracao subordinada, está havendo a alternäncia entre o indicativo e o 301 O USO DAS CONJUNQÓES 'MAS' E 'eMBORa' EM TEXTOS. subjuntivo no mesmo contexto sintático. Tal alternáncia implica diferenca semántica no que é enunciado pela oracao subordinada. Quanto ao uso especificamente do subjuntivo nas oracoes adjuntas, esses autores afirmam que, em geral, este modo nao tem valor proprio; é, pois, mero instrumento sintático de emprego regulado por certas conj uncöes. Escolhemos falar apenas das concessivas. As conj uncöes concessivas ainda que', embora, conquanto' e outras selecionam o modo subjuntivo nas oracoes subordinadas. Isso é ilustrado pelo exemplo (3), transcrito a seguir: (3) O povo nao gosta de assassinos, embora inveje os valentes. Bechara (2003) faz as mesmas consideracoes de Cunha e Cintra, com um diferenciál na abordagem do subjuntivo nas oracoes concessivas. Para Bechara, nao há "completo rigor a respeito" (p. 282, grifo nosso). A leitura que fazemos dessa afirmacao é a de que podemos usar o modo indicativo em oracoes concessivas introduzidas por qualquer uma das conj uncöes elencadas acima, inclusive, pela conjuncao embora. Podemos fazer um elo entre o que Bechara e Said Ali (1964) afirmam sobre essa questao. Segundo Said Ali, nas concessivas o fato de contrariar, isto é, contrariar o que é exposto pela oracao principal, pode ser suposto ou real e, em linguagem antiga, distinguia-se o suposto do real por meio do emprego ora do conjuntivo, ora do indicativo. Atualmente, os professores unanimamente recomendam, no ambiente escolar, o uso do subjuntivo nesses casos. Esta recomendacao se sustenta em gramáticas escolares e outros compéndios normativistas. A esse respeito, Said Ali (1964, p. 170) acrescenta o seguinte: Em oracao concessiva a linguagem de hoje poe o verbo sempře no modo conjuntivo. Segundo a prática antiga, observada ainda em tempo de Vieira e Bernardes, tanto podia servir éste modo como o indicativo: Ainda que tirasse pela espada contre seu inimigo (Vieira). 302 RosEMEiRE Lopes da Silva Farias Ainda que tirou trés vézes pela espada da oracao (Vieira). Pôsto que os cristaos da pescaria lhe queriam meter grandes temores (Lučena). A leitura que fazemos do que afirmam Said Ali e Bechara é a de que pode haver flutuacao no uso subjuntivo e do indicativo nas concessivas. Essa observacao será retomada após a discussao dos dados coletados para este trabalho. 1.2 O uso do subjuntivo e o indicativo: a abordagem da lingiiistica De acordo com Pereira (1974, p. 6-11), o modo designa uma categoria semäntica, nesse sentido o indicativo e o subjuntivo apresentam trés tipos de funcoes, quais sejam: a) predominantemente semäntica, em que essas duas formas verbais se opoem em contextos sintáticos idénticos e a oracao principal condiciona um modo particular na oracao subordinada, podendo ocorrer o indicativo ou o subjuntivo; b) semäntico-gramatical: sao compativeis com contextos que se opoem e a oracao principal indica uma modalidade compativel com o significado da forma modal condicionada na oracao principal; c) predominantemente gramatical (reservado ao subjuntivo que aparece como marca de subordinacao). Para essa autora, esses dois paradigmas verbais da flexao verbal podem ocorrer nos trés tipos de oracoes encaixadas. Os exemplos a seguir, apresentados pela autora, ilustram esta afirmacao: (4) Preparei-me para falar quando ele o permitisse. (5) Cumprimentava-o, embora nao {gostasse/ *gostava} dele. (6) Caiu de modo que quebrou a perna. (7) Caiu de modo que quebrasse a perna. (8) A aparéncia deste hörnern nao indica que ele é pobre. (9) A aparéncia deste hörnern nao indica que ele seja pobre. 303 O USO DAS CONJUNQÓES 'MAS' E 'eMBORa' EM TEXTOS. Para a autora, com as conjuncöes 'quando' e embora (exemplos 4 e 5), verifica-se apenas o uso do subjuntivo, ou seja, nao cabe o uso do indicativo. Assim sendo, Pereira considera a sentenca com o indicativo agramatical. Nos exemplos (6) e (7), tem-se a ocorréncia de sentencas com estrutura sintática idéntica, que diferem somente no modo verbal da oracao encaixada. Nessas sentencas, o subjuntivo e o indicativo se interseccionam e a alternäncia desses modos verbais acarreta mudanca de significado. Com relacao ä alteracao de significado, Pereira acrescenta que o subjuntivo só será considerado modo e nao forma verbal nos casos em que a troca do subjuntivo pelo indicativo ou vice-versa alterar o significado da oracao. Como isso ocorre nos exemplos ora analisados, podemos concluir que para a autora o subjuntivo, neste caso, é um modo verbal. Com relacao aos exemplos (8) e (9), Pereira ressalta que seus informantes reconheceram uma oposicao semäntica nitida entre oracoes similares a esses exemplos. Por exemplo, analisando as sentencas (a)"Quero contratar uma secretária que é competente em datilografia" e (b)"Quero contratar uma secretária que seja competente em datilografia", seus informantes identificaram oposicao semäntica nitida entre essas oracoes, ou seja, na oracao (a), o locutor está informando o seu interlocutor de que ele tem em mentě uma determinada pessoa, de que essa pessoa é competente em datilografia e de que ele deseja contratá-la. Já na (b), o interlocutor nao é levado a concluir que o locutor tem uma determinada pessoa em mentě, o que se entende é que o locutor está descrevendo o tipo de pessoa que deseja contratar. Em outro estudo, Kempchinsky (1986, p. 30) observa que o indicativo é um modo básico, e o subjuntivo é derivado transformacionalmente do indicativo, sendo simplesmente considerado um tipo de marcador sintático sem significacao real. Por meio da análise de estudos feitos sobre o subjuntivo em línguas románicas, a autora afirma que o subjuntivo é também provocado por alguma característica do verbo da oracao matriz, por exemplo, verbos [+optativo] como 'querer' selecionam uma 304 RosEMEiRE Lopes da Silva Farias completiva com o verbo no subjuntivo. O exemplo a seguir, transcrito da obra da autora, ilustra essa questao: (10) Queremos que nuestro equipo ganel *ganará. Segundo Kempchinsky, nao se pode trocar o subjuntivo 'gane' pelo indicativo 'ganará', pois a sentenca se tornará agramatical. Parece que isso ocorre talvez pelo fato de o predicado da oracao matriz selecionar a modalidade do verbo da oracao encaixada. Dessa forma, nao se pode trocar o tempo e o modo verbais da oracao encaixada, ou sej a, nao é possível trocar o presente do subjuntivo pelo futuro do indicativo. Isso ocorre também no portugués. No entanto, esse fato nos remete ao seguinte questionamento: se trocarmos apenas o modo da oracao encaixada, a sentenca será gramatical? Essa questao iremos abordar na análise dos dados. Citando Rivero (1971), Kempchinsky considera ainda diferencas em pressuposicoes com oracoes com indicativo e subjuntivo em espanhol: se o complemento for indicativo ou subjuntivo, isso afetará a aplicacao de certas regras de transformacao, como por exemplo, a de'' neg-incorporatiori', ou sej a, a habilidade de um elemento negativo pré-verbal, em urna oracao matriz, licenciar um elemento pós-verbal na oracao encaixada. Conforme demonstram os exemplos (ll)e(12), apresentados pela autora, é obrigatório que o verbo da oracao encaixada esteja no subjuntivo sob pena de a sentenca ser agramatical. (11) No confiaba em que estuvieram (subj.) diciendo nadá. (12) *No confiaba em que estaban (ind.) diciendo nadá. Essa afirmacao de Kempechinsky nos remete a Pereira (1974), que menciona a possibilidade de algum elemento da oracao matriz, em portugués, poder selecionar urna específica forma verbal para a oracao encaixada. Os exemplos abaixo apresentados por Pereira ilustram tal fato. (13) Quero contratar urna čerta secretária que é competente. (14) Quero contratar qualquer secretária que seja competente. 305 O USO DAS CONJUNQÓES 'MAS' E 'eMBORa' EM TEXTOS. Nesses exemplos, os elementos destacados proporcionam distincao semántica entre as sentencas e determinam uma distribuicao complementar do indicativo e do subjuntivo. Ainda na discussao sobre a oposicao indicativo e subjuntivo, Oliveira (2003, p. 257) afirma que a distincao entre o subjuntivo e o indicativo é muito complexa por duas razoes: a) a nao-correspondéncia unívoca entre os dois modos e distincoes modais, visto que cada modo pode ser associado a mais do que uma modalidade - modalidade, para esta autora, é a gramaticalizacao de atitudes e opinioes dos falantes. Parece que Oliveira e Pereira (1974, p. 66-72) adotam o mesmo significado, ou seja, modalidade que está relacionada a idéias distintas visando a organizar uma idéia (de verdade, de dúvida, de certeza, de negacao, de imposicao, etc.); b) as ocorréncias dos diferentes modos nem sempře tem relacao direta com diferentes tipos de modalidade, "na medida em que o modo conjuntivo, tradicionalmente associado ao domínio da incerteza (...) pode surgir em construcoes em que, pela natureza, esperaríamos o modo indicativo e vice-versa" (grifo nosso). Os exemplos a seguir ilustram essa questao: (15) A Ana lamenta que estejas doente. (16) O Rui cré que a Rita está em casa. Conforme a autora, o verbo factivo 'lamentar' deveria selecionar o indicativo e nao o subjuntivo. Isso se deve ao fato de o verbo 'lamentar' atribuir verdade ä proposicao da oracao encaixada. Já o verbo crer (verbo proposicional), que nao assevera a verdade da proposicao da oracao encaixada, deveria selecionar o subjuntivo, no entanto, em (16), tem-se o indicativo. Essa breve exposicao de idéias retiradas da literatura permite-nos fazer algumas reflexöes. Primeiro, com relacao ä análise, feitapor Pereira (1974), do exemplo (5), a autora considerou a oracao encaixada formada com o indicativo agramatical. Todavia, os nossos dados, cuja análise está exposta na secao 4, mostram que há um sistema em que o subjuntivo nao está ativo, ou, no mínimo, que está havendo variacao no uso do subjuntivo e indicativo, o que poe em discussao a agramaticalidade de sentencas como 306 RosEMEiRE Lopes da Silva Farias a desse exemplo. Com relacao aos exemplos (8) e (9), parece-nos, ao contrário do que diz a autora, que nao há diferenca entre essas sentencas, visto que, conforme a sua propria afirmacao, "há variantes do portugués nas quais a flexao modal do verbo nao entra como uma categoria ativa do sistema dos falantes que fazem uso exclusivamente do indicativo". Melhor dizendo, existem falantes que usam somente o indicativo para transmitir o conteúdo semántico, tido como exclusivo do modo subjuntivo (nossos dados mostram isso), o que pode ser um indício de que há possibilidade de o indicativo assumir as propriedades do subjuntivo. Para esses falantes, como Pereira mesmo disse, a flexao verbal nao está ativa, mesmo assim eles nao deixam de transmitir o que desejam, muitas vezeš a diferenca é uma questao de formalidade e nao de valor semántico. Nos exemplos (15) e (16), analisados por Oliveira (2003), os verbos 'lamentar e crer selecionam um modo verbal diferente do que deveriam selecionar. Embora a autora nao comente nada a respeito, isso parece acenar para a possibilidade de se usar tanto o indicativo quanto o subjuntivo, sem implicar alteracao de significado. Isso corrobora o que Pereira (1974, p. 11) afirma sobre situacoes como essa, em que esses dois paradigmas verbais nao passam de "variantes morfológicas, condicionadas por contextos particulates; em oracoes subordinadas cuja significacao modal está indicada na oracao principal". Todas as questoes apresentadas nesta secao sao importantes para o desenvolvimento do que propomos no nosso trabalho, em particular, para a análise dos nossos dados. 2 Aspectos sintático-semánticos da oposi^ao concessiva/ adversativa 2.1 Coordena^ao - subordina^ao: o enfoque da lingiiistica Em linhas gerais, a análise da lingiiistica nao se distingue da gramática tradicional com relacao á coordenacao e á subordinacao. Diante disso, centramos nossa abordagem no que a lingiiistica traz de diferente em 307 O USO DAS CONJUNQÓES 'MAS' E 'eMBORa' EM TEXTOS. relacao ás observacoes da gramática tradicional. Para tanto, apresentamos a contribuicao de Matos (2003, p. 555). De acordo com Matos, a distincao entre esses tipos de construcÓes é muito difícil, pois há casos-fronteira entre coordenadas e subordinadas: as chamadas coordenadas assimétricas. Nestas, há disparidade de valor semántico entre os termos coordenados. Os exemplos seguintes, apresentados pela autora, ilustram tal afirmacao: (11) Nao comes a sopa e nao te levo ao cinema! (12) Está um dia quente mas a crianca tem frio. Segundo a autora, nessas oracÓes, há nexos semánticos entre os membros coordenados, que fazem com que se aproximem da relacao entre a subordinante e a subordinada. Ou sej a, embora as oracÓes (11) e (12) se comportem como coordenadas, elas tem um valor semántico de subordinadas, o que as tornám equivalentes ás construcÓes (13) e (14). (13) Se nao comeres a sopa, nao te levo ao cinema! (14) Embora esteja um dia quente, a crianca tem frio. 2.2 Ora^óes coordenadas adversativas/ OracÓes adverbiais concessivas: o enfoque da gramática tradicional Tradicionalmente, segundo Said Ali (1964, p. 133), "[p]ara exprimir claramente a contradicao ou a restricao a um fato, ou á sua consequéncia, socorremo-nos da oracao ADVERSATIVA, caracterizando-a com a conjuncao mas ou porém". Para Cunha e Cintra (2001, p. 597), as oracÓes coordenadas adversativas sao aquelas oracÓes que possuem uma conjuncao adversativa, que liga dois termos de igual funcao, atribuindo-lhes uma idéia de contraste, como ilustrado em (17) e (18).2 (17) Queriam sair, mas ninguém saiu. (18) Estudaram tanto, porém foram muito malno teste. 308 Rosemeire Lopes da Silva Farias As oracÖes adverbiais concessivas, por outro lado, exprimem um fato contrario ao da oracao principal, todavia, nao consistem em razao suficiente para que esta nao se realize, sendo, pois, incapazes de impedi-la. Observemos o periodo em (19): (19) Nunca saberä a verdade, embora tenha tentado mais de uma vez descobri-la. Nesse periodo, para Cunha & Cintra {pp. cit, p. 597), a oracao principal Nunca saberä a verdade consiste em um fato certo que nao serä impedido pela oracao subordinada embora tenha tentado mais de uma vez descobri-la. De acordo com Faraco e Moura (1998, p. 322), "as oracÖes concessivas indicam uma concessao ä ideia expressa pelo verbo da oracao principal." As conjuncÖes concessivas, por sua vez, "iniciam uma oracao que indica contradicao em relacao a outro fato, essa contradicao, no entanto, nao impede que o fato se realize." As conjuncÖes concessivas sao as seguintes: embora, 'se bem que', ainda que', 'por mais que', 'conquanto', 'em que pese', 'nem que', 'dado que' e outras. Segundo Bechara (2003, p. 327), as conjuncÖes concessivas "iniciam oracao que exprime que um obstäculo - real ou suposto - nao impedirä a declaracao da oracao principal." Conforme Said Ali (1964, p. 138), uma oracao concessiva exprime um fato que pode determinar ou contrariar a realizacao de outro fato principal, entretanto deixa de produzir o efeito esperado. 2.3 Oracoes coordenadas adversativas/ oracoes subordinadas concessivas: o enfoque da lingüistica 2.3.1 Oracoes coordenadas adversativas Vimos que as oracÖes coordenadas sintaticamente sao independentes entre si e podem formar grupos oracionais, que apresentam uma relacao semäntica entre as oracÖes que os compoem. Observemos os exemplos em (20) e (21): 309 O USO DAS CONJUNQÓES 'MAS' E 'eMBORa' EM TEXTOS. (20) Estava frio, mas ele nao o sentia. (21) Paulo veio visitar o primo, mas nao o encontrou. As oracoes Estava frio... e Pedro veio... tém independéncia sintática, isto é, nao exercem nenhuma funcao sintática com relacao ä outra, e independéncia semäntica, porque o conteúdo de cada urna delas é compreendido claramente. As oracoes ...mas ela nao o sentia e ...mas nao o encontrou, assim como as anteriores, sao independentes, segundo a classificacao da gramática tradicional, pois o que elas enunciam é facilmente compreendido sem precisar de outra para completar-lhes o sentido. Diferenciam-se, apenas, na presenca de urna conjuncao coordenada adversativa 'mas', que tem a funcao de unir as duas oracoes e estabelecer urna relacao semäntica de oposicao. Outra justificativa para a independéncia sintática é o fato, por exemplo, de a segunda oracao {mas ele nao o sentia) nao se encaixar na primeira oracao {Estava frio), ou seja, aquela nao corresponde a um termo desta. Por outro lado, segundo Koch (2002, p. 113), em exemplos como (20) e (21), nao é possível falar em oracoes independentes, j á que elas sao semäntica e pragmaticamente interdependentes. Fazendo urna rápida análise semäntica do exemplo (20): Estava frio, mas ele nao o sentia, podemos inferir que a la oracao apresenta urna afirmacao de algo concreto: Estava frio. Pela logicidade da enunciacao, espera-se que ele sinta o frio', todavia isso nao ocorre, ocorre justamente o contrario: ele nao o sentia. Dessa forma, é estabelecida entre as duas oracoes urna relacao de adversidade, de oposicao, de contraste, e o valor lógico-semäntico das coordenadas adversativas consiste em apresentar um contraste em relacao ä oracao com a qual a adversativa se coordena. Outro fato importante com relacao äs adversativas diz respeito ä impossibilidade de intercomutacao, ou seja, nao podemos inverter as oracoes adversativas, conforme ilustrado em (20a) e (21a). 310 RosEMEiRE Lopes da Silva Farias (20a) *Mas ele nao o sentia, estava frio. (21a) *Mas nao o encontrou, Paulo veio visitar o primo. 2.3.2 Ora^öes subordinadas concessivas A oracao concessiva é um tipo de oracao subordinada adverbial que, assim como as demais adverbiais, exerce a funcao sintática de adjunto adverbial. Podemos dizer que uma construcao concessiva, de acordo com Brito (2003, p. 718), exprime "um conteúdo semäntico que contrasta com aquilo que, dado o nosso conhecimento de mundo, se esperaria a partir do conteúdo semäntico da proposicao com a qual combina". E ainda, para a autora, o estado-de-coisas expresso pela oracao concessiva nao constitui uma razao suficiente para a nao-ocorréncia do que a oracao matriz expressa. Analisando as palavras de Brito, entendemos, entao, que esse tipo de oracao apresenta um conteúdo semäntico que entra em choque com o conteúdo da oracao nuclear e com a sequéncia logica que esperamos, ou sej a, apresenta uma idéia contraria ao fato expresso pela oracao matriz, porém incapaz de impedi-lo. O exemplo (22) ilustra esse tipo de oracao: (22) Fui sair, embora tivesse muito trabalho. Para Hermdsson (1994 apud NEVES, 1999, p. 546), "a construcao concessiva pode ser qualificada como uma negacao normal suposta entre as proposicoes citadas na premissa maior e na menor, uma negacao, por assim dizer, de nível sintagmático", isto é, uma negacao entre sintagmas, entre a relacao de determinante e determinado. Esse autor faz relacao entre construcoes concessivas e construcoes causais e propoe, segundo Nevěs (1999, p. 546), que o termo 'concessiva seja substituído pelo nao-causal', por considerar que uma expressao como apesar de dá sentido contrario de uma expressao causal, anulando, assim, o efeito de sentido de causalidade. 311 O USO d AS CONJUNQÓES 'MAS' E 'eMBORa' EM TEXTOS. A análise feita por Hermdsson (1994 apud NEVĚS, 1999, p. 546) envolve o aspecto semäntico, pois atribui äs concessivas a capacidade de negar a logica entre duas proposicoes, ou sej a, elas negam a relacao normál entre duas proposicoes. O exemplo (23) ilustra essa afirmacao. (23) Ele irá ä festa apesar de nao ter sido convidado. A oracao subordinada, segundo a visao de Hermodsson (op. cit.) anula a causalidade prevista pela oracao matriz. O fato de ocorrer a anulacao se deve ä ocorréncia da expressao apesar de, que tradicionalmente é um conector concessivo. Já em (24 a-c), a oracao subordinada é a causa da oracao matriz. (24) a. Ele irá ä festa porque foi convidado. b. Porque foi convidado, ele irá ä festa. c. Como foi convidado, ele irá ä festa. Assim, ao ser usada a expressao apesar de, em (23) ocorre o efeito de nao-causalidade.3 Para Van Dijk (1980 apud NEVĚS, 1999, p. 547), "as conexóes contrastivas, entre as quais se incluem as concessivas, se caracterizam por abrigarem eventos cujo curso e cujas propriedades contrariam as expectativas acerca daquilo que os mundos normais deixam transparecer". Nas concessivas é visível, de acordo com Harris (1988 apud NEVĚS, 1999, p. 547), a ligacao semäntica da concessiva com a nao-safisfacäo de condicoes e com a possível frustracao de causalidade, isto é, enquanto em uma construcao adversativa temos a relacao de duas oracoes coordenadas - uma contraria a logica da outra -, na concessiva temos a relacao de oracoes subordinadas - há uma estreita relacao entre a construcao concessiva e a condicional4. Observemos as sentencas em (25a-b). (25) a. Trabalha como professora de portugués, embora nao seja formada em Letras. b. Se nao é formada, nao trabalha como professora de portugués. 312 RosEMEiRE Lopes da Silva Farias Analisando os exemplos em (25), nota-se o efeito semäntico causado por tais construcoes. A oracao subordinada séria um empecilho natural para a ocorréncia da oracao matriz; sendo, entao, urna condicao para a näo-consumacao desta. Portanto, é importante esse jogo de sentidos para se compreender urna construcao subordinativa. Segundo Neves (1999, p. 554), outra característica importante das concessivas é a capacidade que elas tém de intercomutabilidade, como ilustrado em (26a-b). (26) a. Vou sair embora vocé nao aprove. b. Embora vocé nao aprove, vou sair. Na sentenca (26a), o falante realiza urna construcao concessiva no domínio do conteúdo, valorizando, portanto, a relacao lógico-semäntica típica das concessivas: a oracao subordinada tenta impedir a oracao matriz, sem éxito. Já, na (26b), temos a concessiva (concessiva invertida) no domínio epistémico, isto é, o conteúdo da oracao matriz contraria a conclusao lógica a que a oracao subordinada poderia chegar. Neste ponto teríamos, entao, urna concessiva com valor adversativo. Para chegar a essa análise, Neves (1999, p. 553) inspirou-se na teória de domínio de conteúdo e domínio epistémico de Sweetser (1990). Segundo essa teória, no domínio de conteúdo, nota-se que um fato é apresentado na oracao concessiva como obstáculo para a ocorréncia do fato da oracao matriz. Essa relacao é a que costuma ser atribuída ao esquema lógico-semäntico das oracoes concessivas. No domínio epistémico, por sua vez, temos que o conteúdo apresentado pela oracao matriz representa urna idéia contraria ä conclusao a que poderíamos chegar a partir da premissa da oracao subordinada5. Isso pode ser relacionado com a seguinte afirmacao de Halliday e Hasan (1976 apud NEVES, 1999, p. 555): "a relacao adversativa, que compreende as construcoes adversativas e as concessivas, tem o significado básico de contrariedade ä expectativa, derivado do conteúdo do que está sendo dito". 313 O USO DAS CONJUNQÖES 'MAS' E 'eMBORa' EM TEXTOS. Percebemos pelo exposto que em alguns contextos e realmente dificil fazer a distincao entre adversativas e concessivas, uma vez que elas podem se equivaler. 3 Analise dos dados Nesta secao, analisamos 30 periodos compostos por oracoes subordinadas concessivas e coordenadas adversativas de redacoes de alunos do Ensino Medio. Para compor o corpus, foram realizados värios exercicios de producao livre de diferentes textos e de construcao de sentencas, nas quais deveriam aparecer as conjuncoes 'mas' e 'embora'. Com isso, reunimos aproximadamente 100 sentencas. Do total de 100 sentencas, foram identificadas 30 sentencas, em que nao havia correspondencia com a configuracao prevista na norma padrao, destacando-se tres tipos de divergencia: (i) oracoes introduzidas pela conjuncao embora com o verbo flexionado no indicativo (nao no subjuntivo); (ii) oracoes introduzidas pela conjuncao 'mas' na primeira posicao (e nao na segunda) e (iii) oracoes ligadas pela conjuncao 'mas' em contextos em que a norma padrao preve o uso de 'embora. Os dados divergentes estao expostos a seguir, divididos nos grupos 1, 2 e 3 de acordo com o uso da conjuncao, respectivamente 'embora e 'mas'. Grupo 1 Embora estava doente, a professora Rose foi dar a aula. Embora eu tenho uma caneta, nao vou te emprestar. Nao vou fazer os trabalhos, embora eu sei fazer. Eu nao comprei mamao, embora sei que voce gosta de mamao. Estou falando a verdade, embora voce nao acredita. Nenhum de voces parece contente, embora eu estou contente. Vai ao teatro hoje, embora nao gosta muito. A educacao e fundamental para nos, embora nem todos pensam assim. As provas estao chegando, embora eu estou estudando, tenho medo de tirar notas ruins. A vida e bela, embora muitas pessoas nao acham. 314 RosEMEiRE Lopes da Silva Farias Grupo 2 Parece que nao vem me ver. Mas gosta de mim, só nao vai ficar comigo. Mas minha mae nao vai deixar, só que vou sair amanha. Ele diz que nao jogo futebol. Mas gosto de futebol, estou sem tempo para jogar. Nao disse do que mais gosto. Mas gosto também de maca, porém prefiro morango. Mas sinto fome, almocei muito. Mas gosto do Gustavo, namoro o Joao e daí ? Mas tentei muito, nao deu certo. Mas eu quero estudar, nao consigo. Mas sempře compro os meus livros, os meus colegas nao acreditam. Grupo 3 Nao sabe fazer os exercícios, mas assistiu as explicacÓes. Nao fui á festa do Joao, mas ele tinha me convidado. Eu estudei muito, mas vocé pensa o contrário. O Brasil vai melhorar, mas os acontecimentos nao mostram isso. A menina foi com a minha cara, mas eu nao fiz nada para agradar ela. A minha mae sempře cozinha em casa, mas nao gosta muito e diz que é ruim. Sabemos que o professor ajuda a gente quando pedimos, mas os nossos colegas sempře afirmam que nao. A professora que ajudar, mas eu nao mereco, porque nao levei a sério o curso. O brasileiro é trabalhador, mas tem gringo que nao acha. O politico diz que tem muito emprego no Brasil, mas tem muito desempregado e eles nao véem. Caro amigo, vou a sua casa amanha, mas vocé nao me convidou oficialmente. Comecamos a análise, observando o modo verbal empregado em todos os períodos de grupo 1. Vimos que, segundo a gramática tradicional, o 315 O USO DAS CONJUNQÓES 'MAS' E 'eMBORa' EM TEXTOS. modo verbal adequado para uma construcao concessiva é o subjuntivo (Cf. secaol.l.). Todavia, no grupo em tela, as oracoes concessivas sao construídas com o verbo no indicativo. Se os falantes estao usando o indicativo em oracoes concessivas, verificamos que flexionar o verbo no subjuntivo nao é crucial para a interpretacao semántica concessiva de oposicao, já que eles realizam tal interpretacao independentemente do modo verbal. Isso nos remete ä afirmacao de Bechara (Cf. secao 1.1) de que nao há completo rigor no uso do subjuntivo em concessivas e a Said Ali (Cf. secao 1.1), o qual afirma que, no portugués arcaico, usava-se tanto o indicativo como o subjuntivo em oracoes concessivas. Da mesma forma, Pereira (1974, p. 63), por meio de análise de algumas construcoes subordinadas, verifica que o uso da forma verbal indicativa ou subjuntiva em uma sentenca nao implica diferenca semántica. Cabe observar a afirmacao da autora, qual sej a: "o uso da forma indicativa ou da subjuntiva nao acarreta uma diferenciacao semántica, mas uma distincao de grau de formalidade, sendo mais formais as oracoes em que aparece o subjuntivo". Os exemplos (22) e (23) ilustram essa afirmacao: (22) Nao parece que Maria está doente. (23) Nao parece que Maria esteja doente. Com relacao ao grupo 2, observamos um fenomeno linguístico, que pode estar intimamente ligado á ocorréncia do indicativo nas construcoes concessivas. Trata-se do uso da conjuncao 'mas' na primeira posicao do periodo composto. Tem-se, nesse caso, uma divergéncia em relacao á forma padrao, em que essa conjuncao introduz uma oracao coordenada adversativa, a qual, geralmente, aparece em segunda posicao (Cf. (20)/ (20a) e (21)/ (21a). Outro aspecto relevante para a discussao dos dados do grupo 2 é o fato de a conjuncao 'mas' ter ainda uma funcao de marcador discursivo, o que poderia explicar seu uso no início da expressao, pelo menos em 316 RosEMEiRE Lopes da Silva Farias alguns casos. Ainda assim, consideramos que o grupo 2 inclui a situacao de inversao que estamos propondo, cabendo examinar com mais detalhe ambas as possibilidades, em estudo futuro. Com relacao ao grupo 3, verificamos a ocorréncia da conjuncao 'mas' em um contexto semantico, como afirma Brito (Cf. secao 2.2.1), aparentemente especifico da conjuncao 'embora'. Isso se justifica pela possibilidade de correlacionarmos os exemplos (19) e (20) com as seguintes frases: (24) Nao sabe fazer os exercicios, embora tenha assistido as explicacoes. (25) Nao fui á festa do Joao, embora ele tenha me convidado. Diante do exposto, podemos fazer algumas generalizacoes. Primeiro, no grupo 1, observamos que as oracoes concessivas estao sendo construidas com o indicativo, o que demonstra que, para o falante, o subjuntivo nao é crucial na veiculacao da nocao semantica concessiva. Segundo, no grupo 2, a conjuncao 'mas', nos dados selecionados, ocupa a posicao sintática da concessiva 'embora', na maioria dos casos. Isso sugere que tais conjuncoes podem ser equivalentes para o falante. Consideramos ainda que tal possibilidade se relaciona ao uso do indicativo (e nao do subjuntivo) em tais construcoes; o mesmo ocorrendo com as sentencas do grupo 3, em que, embora a conjuncao 'mas' nao apareca em primeira posicao, a alternáncia indicativo/subjuntivo - consideramos que estas formas verbais estao em distribuicao complementar, como propoe Pereira (Cf. secao 1.2) - é crucial para o emprego de 'mas' em contexto de 'embora. A idéia é a seguinte: se o verbo nao está flexionado no subjuntivo, passa a ser indiferente se a conjuncao a ser usada é 'mas' ou 'embora. Finalmente, para sintetizar, consideramos que esses resultados indicam que o falante nao está diferenciando oracoes como as apresentadas a seguir: (26) "Vai ao teatro hoje, embora nao gosta muito" e "Vai ao teatro hoje, mas nao gosta muito"; 317 O USO DAS CONJUNQÖES 'MAS' E 'eMBORa' EM TEXTOS. (27) "Mas tentei muito, nao deu certo" e "Embora tentei muito, nao deu certo". Esses fatos nos remetem ä observacao de Matos (2003), para quem a questao da distincao entre subordinacao e coordenacao requer que se considerem tambem os chamados 'casos-fronteira', em que a distincao nao e evidente. 4 Considera^öes finais Examinamos as construcoes concessivas e adversativas retiradas dos textos de estudantes da Educacao Bäsica. Verificamos a presenca de sentencas que destoam da configuracao prevista pela norma padrao e selecionamos, do total de 100 sentencas, 30 periodos que apresentam as seguintes caracteristicas: (i) a presenca da conjuncao embora introduzindo a oracao cujo verbo aparece flexionado no indicativo e nao no subjuntivo; (ii) a conjuncao 'mas' na primeira posicao, e nao na segunda, como preve a norma padrao e (iii) oracoes ligadas pela conjuncao 'mas' em contextos em que a norma padrao preve o uso de 'embora. Para analisarmos os fatos, consideramos inicialmente a caracterizacao existente na gramätica tradicional sobre a oposicao subjuntivo/indicativo e, tambem, a respeito de oracÖes coordenadas adversativas e oracoes subordinadas concessivas. Mostramos que os autores afirmam, entre outras caracteristicas, o fato de o indicativo ser usado no primeiro caso, e o subjuntivo, no segundo. No entanto, Said Ali faz referenda ao uso do indicativo em construcoes concessivas no portugues arcaico. Apresentamos tambem alguns estudos no ämbito da lingüistica moderna, cuja descricao, em grande parte, coincide com as da gramätica tradicional. Ressaltamos, porem, a observacao de Matos (2003) em relacao ao fato de o contraste entre oracoes coordenadas e subordinadas muitas vezes revelar os chamados casos-fronteira, de dificil distincao, e acrescentamos a observacao de Pereira (1974), para quem o uso da forma verbal no indicativo ou no subjuntivo nao interfere na interpretacao semäntica, e a 318 RosEMEiRE Lopes da Silva Farias de Oliveira (2003), segundo a qual, o modo subjuntivo, tradicionalmente associado ao dominio da incerteza, pode surgir em construcoes em que esperamos o uso do indicativo e vice-versa. Com esse fundamento teórico, passamos a analisar os resultados de nossa pesquisa. Observamos o modo verbal empregado no grupo 1, no qual todas as oracoes subordinadas sao introduzidas pela conjuncao 'embora'. Dessa análise, concluímos que flexionar o verbo no subjuntivo nao é crucial para a interpretacao semántica concessiva de oposicao, uma vez que os falantes estao usando o indicativo. Ao analisarmos o grupo 2, cujas sentencas apresentam a conjuncao 'mas', verificamos o uso desta conjuncao em primeira posicao, fato que diverge do que é preceituado pela norma padrao. Concluímos, a partir dos dados děste grupo, que o fato de a conjuncao 'mas' ter uma funcao de marcador discursivo pode ser uma das explicacoes para o fenómeno da inversao. No entanto, consideramos também a hipótese de ocorrerem como conectivos e verificamos que existem evidéncias de que o uso do indicativo em oracoes concessivas pode ser relacionado á ocorréncia da oracao com 'mas' na primeira posicao. Os fatos observados levam á suposicao de que está havendo a neutralizacao das conjuncoes 'mas' e 'embora'. Esse fato pode estar relacionado á observacao de Matos (2003), que sugere a existéncia de casos-fronteira, na distincao entre subordinacao e coordenacao. Alem disso, os dados sugerem que a auséncia do contraste entre o subjuntivo e o indicativo pode ter consequéncias interessantes para a gramática. Com a análise apresentada neste artigo, esperamos contribuir para a análise da sintaxe dessas construcoes, nesses tipos de texto, bem como para a reflexao acerca das questoes educacionais envolvidas, questoes que pretendemos aprofundar em pesquisa futura. 319 O USO DAS CONJUNQÓES 'MAS' E 'eMBORa' EM TEXTOS. Notas 1 Professora dos Cursos de Graduacao e Pós-graduacao; e-mail: rlopfar@terra.com.br; mestra em Linguística pela UnB, sob a orientacao da Profa Dra Heloísa Salles, a quem transmito os meus sinceros agradecimentos. 2 As conjuncoes adversativas sao as seguintes: mas, porém, contudo, todavia, no entanto, entretanto. Para Bechara (2003, p. 321), "as conjuncoes adversativas enlacam unidades apontando uma oposicao entre elas". 3 Essas observacoes sao válidas para a conjuncao embora: "Ele irá ä festa embora nao tenha sido convidado". 4 Para melhor explicar a relacao da concessiva com a condicional, observemos o exemplo dado por Nevěs (1999, p. 549): (12) "Contei também o numero de estudantes...quarenta e um ...e: eu tenho quase certeza, embora nao tenhamos a lišta". (12a) 1 ° eu nao tenho certeza, se nao temos a lišta. Ou seja: Se nao temos a lišta, eu nao tenho certeza. 5 O domínio epistémico está relacionado ao domínio da incerteza, da probabilidade (OLIVEIRA, 2003, p. 248). Referéncias ALI, M. Said. Gramática secundaria e gramática historka da lingua portuguesa. Brasilia: Ed. UnB, 1964. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. ver. e ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003. BRITO, Ana Maria. Subordinacäo adverbial. In: MATEUS, Maria Helena Mira et al. Gramática da lingua portuguesa. 5. ed. Lisboa: Caminho, 2003. CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do portugués contemporäneo. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003. 320 Rosemeire Lopes da Silva Farias FARACO, Carlos Emilio; MOURA, Francisco Marto de. Gramdtica. Sao Paulo: Atica, 1998. KOCH, Ingedore G. Villaca. Argumentagao e linguagem. 8. ed. Sao Paulo: Cortez, 2002. MATOS, Gabriela. Estruturas de coordenacao. In: MATEUS, Maria Helena Mira et al. Gramdtica da lingua portuguesa. 5. ed. Lisboa: Caminho, 2003. NEVES, Maria Helena. As construcoes concessivas. In: NEVES, Maria Helena (Org.). Gramdtica do portuguesfalado. Sao Paulo: Ed. UN I CAMP, 1999. v. 7. OLIVEIRA, Gabriela. Estruturas de coordenacao. In: MATEUS, Maria Helena Mira et al. Gramdtica da lingua portuguesa. 5. ed. Lisboa: Caminho, 2003. PEREIRA, Maria Angela Botelho. Aspectos da oposigao modal indicativol subjuntivo no Portugues Contempordneo. 170 f. Tese (Doutorado em Linguistica) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1974. 321