Impressőes do crepúsculo Pauis de roçarem ânsias pela minh'alma em ouro... Dobre longínquo de Outros Sinos... Empalidece o louro Trigo na cinza do poente... Corre um frio carnal por minh'alma... Tăo sempre a mesma, a Hora!... Balouçar de cimos de palma!... Silęncio que as folhas fitam em nós... Outono delgado Dum canto de vaga ave... Azul esquecido em estagnado... Oh que mudo grito de ânsia pőe garras na Hora! Que pasmo de mim anseia por outra coisa que o que chora! Estendo as măos para além, mas ao estendę-las já vejo Que năo é aquilo que quero aquilo que desejo... Címbalos de Imperfeiçăo... Ó tăo antiguidade A Hora expulsa de si-Tempo! Onda de recuo que invade O meu abandonar-me a mim próprio até desfalecer, E recordar tanto o Eu presente que me sinto esquecer!... Fluido de auréola, transparente de Foi, oco de ter-se... O Mistério sabe-me a eu ser outro... Luar sobre o năo-conter-se... A sentinela é hirta – A lança que finca no chăo É mais alta do que ela... Para que é tudo isto... Dia chăo... Trepadeiras de despropósito lambendo de Hora os Aléns... Horizontes fechando os olhos ao espaço em que săo elos de erro... Fanfarras de ópios de silęncios futuros... Longes trens... Portőes vistos longe... Através de árvores... Tăo de ferro! (A Renascença, 29/03/1913) ________________________ (1) - O estilo paúlico define-se pela voluntária confusăo do subjectivo e do objectivo, pela «associaçăo de ideias desconexas», pelas frases nominais, exclamativas, pelas aberraçőes da sintaxe («transparente de Foi, oco de ter-se»), pelo vocabulário expressivo do tédio, do vazio da alma, do anseio de outra coisa», um vago «além» («ouro», «azul», «Mistério»), pelo uso de maiúsculas que traduzem a profundidade espiritual de certas palavras («Outros Sinos», «Horas»). Dicionário da Literatura. Pauis é um texto-programa (1913) das inovaçőes que Fernando Pessoa queria introduzir na poesia portuguesa. Fernando Pessoa: Impressőes do crepúsculo Pauis de roçarem ânsias pela minh'alma em ouro... Dobre longínquo de Outros Sinos... Empalidece o louro Trigo na cinza do poente... Corre um frio carnal por minh'alma... Tăo sempre a mesma, a Hora!... Balouçar de cimos de palma!... Silęncio que as folhas fitam em nós... Outono delgado Dum canto de vaga ave... Azul esquecido em estagnado... Oh que mudo grito de ânsia pőe garras na Hora! Que pasmo de mim anseia por outra coisa que o que chora! Estendo as măos para além, mas ao estendę-las já vejo Que năo é aquilo que quero aquilo que desejo... Címbalos de Imperfeiçăo... Ó tăo antiguidade A Hora expulsa de si-Tempo! Onda de recuo que invade O meu abandonar-me a mim próprio até desfalecer, E recordar tanto o Eu presente que me sinto esquecer!... Fluido de auréola, transparente de Foi, oco de ter-se... O Mistério sabe-me a eu ser outro... Luar sobre o năo-conter-se... A sentinela é hirta – A lança que finca no chăo É mais alta do que ela... Para que é tudo isto... Dia chăo... Trepadeiras de despropósito lambendo de Hora os Aléns... Horizontes fechando os olhos ao espaço em que săo elos de erro... Fanfarras de ópios de silęncios futuros... Longes trens... Portőes vistos longe... Através de árvores... Tăo de ferro! (A Renascença, 29/03/1913) ________________________ (1) - O estilo paúlico define-se pela voluntária confusăo do subjectivo e do objectivo, pela «associaçăo de ideias desconexas», pelas frases nominais, exclamativas, pelas aberraçőes da sintaxe («transparente de Foi, oco de ter-se»), pelo vocabulário expressivo do tédio, do vazio da alma, do anseio de outra coisa», um vago «além» («ouro», «azul», «Mistério»), pelo uso de maiúsculas que traduzem a profundidade espiritual de certas palavras («Outros Sinos», «Horas»). Dicionário da Literatura. Pauis é um texto-programa (1913) das inovaçőes que Fernando Pessoa queria introduzir na poesia portuguesa.