José Régio Libertaçăo Menino doido, olhei em roda, e vi-me Fechado e só na grande sala escura. (Abrir a porta, além de ser um crime, Era impossível para a minha altura...) Como passar o tempo?...E diverti-me Desta maneira trágica e segura: Pegando em mim, rasguei-me, abri, parti-me, Desfiz trapos, arames, serradura... Ah, meu menino histérico e precoce! Tu, sim! Que tens măos trágicas de posse, E tens a inquietaçăo da Descoberta! O menino, por fim, tombou cansado; O seu boneco aí jaz esfarelado... E eu acho, nem sei como, a porta aberta! Poemas de Deus e do Diabo Miguel Torga Desço aos infernos, a descer em mim. Mas agora o meu canto năo perfura O coraçăo da morte, Ŕ procura Da sombra Dum amor perdido. Agora É o repetido Aceno do próprio abismo Que me seduz. É ele, embriaguez nocturna da vontade, Que me obriga a sair da claridade E a caminhar sem luz. Ergo a voz e mergulho Dentro do poço, Neste moço Heroísmo Dos poetas, Que enfrentam confiantes O interdito Guardado por gigantes, Căes vigilantes Aos portőes do mito. E entro finalmente No reino tenebroso Das minhas trevas. Quebra-se a lira, Cessa a melodia; E um medo triste de vergonha e assombro, Gela-me o sangue, rio sem nascente, Onde o céu, lá do alto se reflecte, Inútil como a paz que me promete. Miguel Torga