1 7° Encontro Nacional da APP: Saber Ouvir/ Saber Falar A contríbuigäo do estudo dos sons para a aprendizagem da lingua Resumo O estudo da fonética e da fonologia interessou desde muito cedo os linguistas, tanto nos seus aspectos gerais como na sua concretizacäo numa lingua particular. A partirdo estruturalismo, a linguística moderna estendeu as suas análises por outros domínios como a morfológia e a sintaxe, tendo as análises sintácticas captado as atencöes dos estudiosos nomeadamente com a emergéncia da linguística generativa. Nas ultimas décadas, o estudo dos sons conheceu urn desenvolvimento especifico com a atencäo dada ä prosódia na relacäo que possui com outros domínios da lingua, e com a interrelacäo do nivel dos segmentos com o nível suprasegmental. Nesta conferéncia procurarei apontar os aspectos mais relevantes da fonética e da fonologia do portugués quer para a aprendizagem da ortografia (que, no caso do portugués, é de natureza fonológica), quer para a produgäo e compreensäo da lingua oral (o conhecimento, mesmo inconsciente, do sistema fonológico permite urna antecipacäo do significado na relacäo de comunicacäo), quer para a utilizacäo da prosódia adequada ä leitura em voz alta ou apropriada äs diversas circunstäncias do discurso oral. As aplicacöes destas perspectivas teräo em conta a aprendizagem da lingua portuguesa como materna e como näo materna. 1. Introdugäo Um Congresso Nacional de Professores de Portugués que tem como terna central o oral - Saber Ouvir, Saber Falar - näo pódia deixar de dar um lugar de relevo ao estudo dos sons. Coube-me a agradável tarefa de vos falar dos sons da fala e dos sons da lingua, ou seja, da fonética e da fonologia. É com muito prazer que tentarei apresentar alguns argumentos em favor da contribuicäo destas areas da linguística para a aprendizagem do portugués. Quero iniciar esta conferéncia com a referencia a um aspecto da história da linguística que mostra como o estudo dos sons ocupou, de modo quase exclusivo, os primeiros trabalhos considerados científicos nesta area do saber. É habitual considerar que foi na primeira década do século XIX que a linguística adquiriu carácter científico. A preocupacäo de estabelecer a origem das línguas e a relacäo genealógica entre elas fez com que a comunicacäo de William Jones, apresentada em 1786, sobre o parentesco entre o sänscrito e as línguas grega e latina, e a proposta de existencia de urna origem comum para essas trés línguas e para outras línguas europeias, fosse recebida com 2 entusiasmo e desse nascimento ao conceito de línguas indo-europeias. Alguns estudiosos europeus, nomeadamente alemäes, iniciaram um estudo comparado de várias línguas que poderiam provir de um mesmo tronco. Florescia entäo o método comparatista em áreas das ciéncias naturais mais avancadas. Os linguistas aplicaram esse método ao seu proprio campo de análise e assim nasceu a linguística comparativa. A pouco e pouco, a análise comparada das línguas foi abrindo caminho para o estabelecimento da relacäo genealógica entre elas. Também essa perspectiva se sintonizou com os métodos científicos contemporäneos criando a linguística histórica. E o que se comparava entre as línguas? Basicamente, comparavam-se as vogais e consoantes existentes nos text os das várias línguas consideradas indo-europeias (algumas delas já desaparecidas) e procurava-se propor um sistema fonético do indo-europeu. O Padre Nosso foi um dos principais textos que permitiu a comparacäo entre 55 variedades do indo-europeu como o Céltico, 0 Germänico, o Itálico, o Albanés, o Grego, o Báltico, o Eslávico, o Arménio, o Iraniano, o Indo-Ariano. As leis fonéticas éram consideradas responsáveis pela mudanca das línguas. Lembre-se a lei de Grimm que mostrou, entre outras relacóes fonéticas, a relacäo regulär entre palavras comecadas por

] em Latim e em Germänico (como em páter e faär > father) ou entre em Grego e a iniciál em Inglés (como em freis e three), concretizando a passagem de urna comparacäo entre as línguas para a história das línguas. Assim, a árvore genealógica das línguas indo-europeias foi construída a partir dos vários sistemas fonéticos dessas línguas e dos paradigmas morfológicos determinados pela alternäncia de vogais e consoantes. Mas até agora, no que disse, apenas estiveram em causa as letras, näo os sons a que elas correspondiam, visto tratar-se, na sua quase totalidade, de línguas mortas, desaparecidas ou estudadas através da escrita. A par dos trabalhos desses linguistas a que fiz referencia, a criacäo dos instrumentos que visavam o estudo do som tornaram possível realizar análises fonéticas do ponto de vista articulatório (e em alguns aspectos, acústico) e permitiram que se estudassem e comparassem os sons utilizados num vasto leque de línguas. Nas primeiras décadas do século XX, os linguistas russos que criaram o Círculo Linguístico de 1 Neste texto as letras säo representadas entre ángulos (< >), os fonemas entre barras oblíquas (/ /), e os sons entre colchetes ([ ]). 3 Praga (Trubetzkoi, Jakobson, Karcevski) e que tinham um extenso conhecimento de línguas eslavas e caucásicas, desenvolveram estudos comparativos dos sistemas fonéticos dessas línguas, distinguindo entre os elementos do sistema, ou fonemas, e os sons que se diferenciam por mera variacäo fonética: os fones ou variantes. No primeiro caso, o dos fonemas, trata-se de diferencas entre duas ou mais vogais ou consoantes que, ao alternarem, provocam uma alteracäo de significado, como sucede em portugués com /t/ de tom e /d/ de dorn; no segundo caso, o dos fones, trata-se de uma variacäo fonética na realizacäo de vogais ou consoantes que, ao alternarem numa palavra, näo levam ä alteracäo do seu significado, como sucede em portugués com a pronúncia de um /t/ quer seja aspirado, [th], ou näo aspirado, [t]. Esta diferenca, apresentada nas obras dos linguistas do Círculo de Praga, transportou para a area dos sons a dicotomia fundamental estabelecida por Saussure entre lingua e fala e criou a distincäo que ainda hoje perdura entre fonologia e fonética. Em suma, a fonética descreve os aspectos articulatórios e as propriedades físicas de todos os sons que ocorrem na producäo linguística e a fonologia estuda os sons que tém uma funcäo na lingua e que permitem aos falantes distinguir significados. O estudo da lingua falada foi precedido, na Europa ocidental, pela descoberta da importäncia que tém os dialectos para o conhecimento da variacäo linguística sincrónica e diacrónica. A dialectologies, também designada nos primeiros tempos como "geografia Linguística", comecou a desenvolver-se nos Ultimos anos do século XIX. Através dos estudos dialectais e, sobretudo, pela atencäo especial que mereceram as variacöes fonéticas, muito se pode conhecer do contacto entre comunidades linguísticas, sendo possível esclarecer, em a Ig uns casos, aspectos obscuros da respectiva história. Um exemplo do portugués é o conhecido s be/rao, o [§] ápico-alveolar de certas regiöes beiräs e transmontanas, herdeiro directo da sibilante latina que tinha essa pronúncia, diferente da consoante dental [s] que é a única usada hoje no centro e sul de Portugal. Essa consoante dialectal mantém-se, portanto, como um vestígio da colonizaeäo latina e uma marca do carácter conservador da regiäo. 4 Até este momento apontei apenas, de modo muito sumário o interesse com que a linguística tem olhado para o estudo dos sons e a forma como a sua análise pode iluminar certos aspectos da história e do funcionamento interno das línguas. Chegou a ocasiao de cumprir o prometido no título da conferéncia: em que medida o estudo desta area fundamental da lingua pode contribuir para o ensino do portugués (o mesmo é dizer, de qualquer lingua falada e ensinada). 2. A aprendizagem da cidadania tolerante Antes de tudo convém chamar a atencao para o facto de que o estudo da fonética e da fonologia de uma lingua é a descoberta do funcionamento da sua face exposta, daquele nível a que primeiro temos acesso quando ouvimos alguém falar. Muitas observacóes feitas por pessoas desconhecedoras da linguística incidem no domínio dos sons e constituem juízos de valor. Para a maioria dos falantes/ouvintes, as línguas, mesmo desconhecidas, sao mais ou menos "agradáveis", algumas sao mais "cantadas", outras mais "ásperas". Por outro lado, também convém lembrar que, sempře que se trata de uma comparacao entre dialectos, sociolectos ou variedades nacionais de uma única lingua, os ouvintes diferenciam os falantes por possuírem este ou aquele "sotaque" e exercem muitas vezeš julgamentos de valor: certas pronúncias sao desprestigiadas, outras risíveis, há quern considere que aqui se fala "bem" ou "correctamentě" e que ali a lingua é "deformada" ou "incorrecta". Nenhuma destas opinióes tem fundamento linguístico (veja-se o que foi dito sobre a pronúncia latina do chamado s be/rao). Essas opinióes tem como origem o confronto com os sons a que os nossos ouvidos estao habituados ou baseiam-se em julgamentos de carácter social. Alias, nao há línguas melhores do que outras, ou mais aptas a transmitir certas nocóes ou conceitos. Já há muitos anos que pesquisas realizadas em sociolinguística mostraram que tanto as variedades dialectais quanto as variedades sociais ou nacionais possuem idénticas capacidades, em termos linguísticos, para expressar totalmente o que pretendem comunicar os falantes da respectiva variedade. A norma que se adopta em relacáo a uma determinada lingua tem apenas, a seu favor, o prestígio social que Ihe advém da utilizacáo na escola, nos meios de 5 comunicacäo social, no ensino como lingua estrangeira. É deste ponto de vista que deve ser valorizada a sua aprendizagem, e näo de outros pontos de vista exclusivamente linguísticos. Este é um trabalho que compete ao professor educador. Näo podemos, por outro lado, esquecer que actualmente os alunos, em Portugal, näo manifestom apenas variacôes linguísticas dialectais ou sociais. Se na escola portuguesa se falam hoje cerca de 100 línguas diferentes, e se os meninos que näo tém o portugués como lingua materna recebem influéncia das respectivas línguas maternas na pronúncia da lingua portuguesa essa variacäo näo pode ser ridicularizada ou desprestigiada. Quando um aluno cabo-verdiano näo distingue fonologicamente entre o /r/ de pára e o /r/ de parra, séria bom que o professor chamasse a atencäo para a existencia de diferentes sistemas fonológicos, e mostrasse que os alunos Portugueses podem ter, igualmente, dificuldades em pronunciar alguns dos sons que funcionam em outras línguas, como por exemplo, o /u/ palatalizado, do Frances ou o /x/ retroflexo do Inglés. Näo nos competirá neste domínio passar a mensagem de urna cidadania tolerante? 3. A Fonética e a Ortografia 3. J. Sistemas de escríta. Variagäo fonética e unificagäo ortográfica Vejamos agora a contribuicäo da fonética e da fonologia para a aprendizagem de um aspecto da lingua escrita, a ortografia, que adquiriu um valor social importante e por isso tem um lugar específico na aprendizagem de urna lingua. Como sabemos, nem todos os sistemas de escrita säo alfabéticos - ou seja, nem todos se baseiam nos sons mínimos da fala utilizando, para os representor, símbolos que constituem o alfabeto, isto é, as letras2. Existem outros sistemas de escrita como os ideográficos ou logográficos (de que é exemplo o chinés) que torna m por base o morféma ou a palavra e, em consequéncia, necessitam de possuir um numero muito elevado de caracteres visto que, no limite, cada palavra exige um carácter diferente - embora seja possível, como se compreende, combinar vários caracteres. Os sistemas 2 Além do alfabeto latino usado pelas línguas romänicas ou germánicas, existem outros alfabetos como o cirílico, o grego, o árabe ou o hebraico. 6 alfabéticos säo, contudo, mais económicos e maleáveis já que o numero de símbolos necessário para representor as palavras torna-se muito mais reduzido do que nas escritas baseadas na palavra. Por esta razäo - e por outras de carácter sócio-cultural - os sistemas alfabéticos säo actualmente utilizados por um grande numero de línguas. No entanto, estes sistemas obrigam a um esforco de abstraccäo para distinguir os sons mínimos que constituem uma palavra e que säo representados na escrita pelas letras, visto que esses sons ocorrem no contínuo sonoro da fala sem divisäo entre eles. Na verdade, quem foi alfabetizado no início da escolaridade nunca tomou consciéncia dessa dificuldade quando aprendeu a escrever. Além deste aspecto, a aprendizagem da escrita ainda inclui urna outra dificuldade que decorre do facto de cada palavra apresentar, na fala, urna variacäo de formas, ao passo que na escrita apenas pode ter urna forma gráfica, aquela que se ensina na escola e que é socialmente aceite: a sua ortografia. O conceito de ortografia näo é natural mas convencional, tendo dado lugar, desde há muito, a vivas discussôes que pôem em confronto perspectivas conservadoras e inovadoras. Pertence a estas ultimas a chamada 'ortografia fonéticď - urna ortografia que pretende aproximar-se tanto quanto possível da oralidade. Os defensores da ortografia fonética - que teve relevo, em Portugal, na segunda metade do século XIX - produziram textos com títulos como Escrítura repentina. Nova tentativa de revolugäo orthographical (J.A. de Sousa, 1853); Escrípta sem letras ou novo systema ďescrípta syllabica (Francisco Xavier Calheiros, 1866) e advogavam urna normalizacäo absoluta da escrita com base no sistema 'um som - urna grafici'. Porém, esta tentativa näo vingou, e o conceito de ortografia manteve-se conservador e unificador em relacäo ä variacäo fonética. A forma ortográfica única representa as diversas pronúncias da palavra: dialectais, sociais ou de registo formal ou informal. Vejam-se as diferentes pronúncias da palavra escrever exemplificadas e analisadas por Luis Filipe Barbeiro (nesta transcricäo fonética usa-se o AFI): ortografia fala a. com a realizacäo de todos os sons que também se encontram representados na ortografia 7 com a näo realizacäo do som [i] iniciál, que corresponderia ä letra , presente na forma escrita com a näo realizacäo dos sons [i] iniciál e medial, que continuam presentes na forma escrita com insercäo do som [i], no final da palavra após a consoante [r] Segundo Luis Barbeiro, as formas a., b. e c. poderäo ser ditas pela mesma pessoa, em situacöes diferentes: a forma a. em situacöes formais e as formas b. e c. em situacöes mais informais (...). A forma c. é provavelmente a mais frequente; no entanto, näo é essa a forma que se encontra consagrada na ortografia. A forma d. pode ser considerada caracteristica de determinadas camadas sociais mais populäres ou de determinados registos dialectais. Contudo, mesmo correspondendo ä forma fonética propria de uma determinada variedade linguistica, social ou geográfica, ela näo tem uma representacäo ortográfica propria. Na verdade, apenas com intuitos indicativos do modo de pronunciar de determinada regiäo ou camada social, aceitamos que alguém escreva esta palavra acrescentando urn ou urn no final para dar conta da insercäo da vogal. Estas observacöes mostram que, para alem de exigir o referido esforco de abstraccäo na identificacäo dos sons mínimos de uma palavra, a escrita também obriga a uma forma única perante a real variacäo fonética. Finalmente, e como nota ainda Luis Barbeiro, a ortografia de cada lingua apresenta especificidades quanto ä utilizacäo correcta das letras, utilizacäo que depende de muitos factores como a sua posicäo na palavra (em Portugués actual, por exemplo, a letra nunca inicia uma palavra), as relacöes morfológicas entre palavras (a forma verbal íraz, do verbo frazer, termina em , mas o advérbio frás, homónimo dessa forma verbal, termina em ) ou aspectos lexicais ligados ao percurso histórico das palavras {passo com dois e pago com tem a mesma forma fonética mas tem diferentes significados e escrevem-se de modo diverso conforme as formas latinas que estiveram na sua origem). Assim, um dos aspectos a ter em conta é o facto de a mesma letra poder representor sons diferentes e o mesmo som poder ser representado por letras diferentes. [ij^ri'ver] b. tfer] c. [fer] d. tferi] 8 3.2. Relagao entre letra e som. Uma so letra representa sons diferentes. Por todas as razdes indicadas, a aprendizagem da ortografia e complexa mas o seu grau de complexidade varia de lingua para lingua. Ha linguas mais "transparentes", enquanto outras sao consideradas mais "opacas", ou seja, apresentam uma maior dificuldade na determinacao das relacoes entre os sons da palavra e a sua gratia3. Vejamos o que se passa com a lingua portuguesa tendo em atencao alguns aspectos que sao especificos do Portugues Europeu. No que respeita as vogais: a mesma vogal pode representor diferentes sons. Vejam-se exemplos abaixo. v—0] (vida) (ac.) , [e] (bela) (ac.) K— [a] (patoi^ac.) 0] (pai) / / [e] (medo) (ac.) [b] (calor) / ^—[b] (tenho) (enorme) '[i] (metia]) l0] (cear) io] (sol) (ac.) e säo as que cobrem maior numero de realizacöes. No que respeita äs vogais acentuadas, a distincäo entre abertas e médias ([e] / [e] e [o] / [o]) näo está representada por letras diferentes. Ora a Ainda recorrendo a uma citagäo de Luis Barbeiro, apresento a escala de classificacäo para sistemas ortográficos de línguas europeias construída por Seymour (1997), sendo 1 mais transparente e 7 menos transparente: 1 - finlandés, italiano, espanhol; 2 - grego, alemao; 3 - portugués, holandés; 4 - islandés, noruegués; 5 - sueco; 6 - francés, dinamarqués; 7 - inglés, (cf. Vale, 1999:24). 9 utilizacäo de um único símbolo nestas circunstäncias justifica-se por se tratar de urna oposicäo muito pouco rentável (é reduzido o numero de exemplos como sede [sédi] / [sedí] ou bola [bote] / [boľe])4. 3.3. Vogais fonológicas Reparemos agora que há uma alteracao constante entre a forma fonética que tern as vogais acentuadas e as náo acentuadas (excepto [u] e [i] que se mantém iguais) [a]/[B]; [e],[e]/[i]; [o], [o] / [u] Perante esta regularidade, podemos admitir que as acentuadas sáo fonológicas (porque a alternáncia entre elas sempre altera o significado) e as nao acentuadas resultam da realizacao fonética regular dessas vogais quando nao sao acentuadas. Assim, temos como vogais fonológicas /a/, /e/, lei; h/, lol, f\l, /i)/. Estas sete vogais sao representadas por cinco letras: , , , , . A diferenca entre o numero de vogais fonológicas e o numero de letras que as representam decorre das distincóes fonológicas entre abertas e médias (/e,e/, /o,o/) que, como vimos atrás, constituem oposicóes pouco rentáveis. A realizacao das vogais fonológicas /e/ e /e/, quando átonas, como [i] dá-se sempre que essas vogais se encontram entre consoantes ou no final absoluto de palavra, contexto em que podem mesmo ser suprimidas (exs.: pegar [pigár] / [pgár], telefone [tilifoni] / [tlfon], bate [báti] / [bát], etc.). As mesmas vogais átonas, quando estáo seguidas de outra vogal (como em cear passeata, soar, toalha), podem realizar-se como semivogais na fala coloquial 4 Acrescente-se que a diferenca entre abertas e medias resulta tambem do processo de harmonia vocdlica das vogais do radical em verbos como selar que, na la pessoa do singular do presente do indicativo, selo [selu], se opoe ao nome selo [selu]. 10 [cear [siár] -> [sjár], passeata [p^siát^] -> [pBSJat^], soar [suár] -> [swár], toalha [tuáÁB] -> [twáÁB]). 3.4. Algumas conclusöes Vale a pena fazer agora o ponto da situacäo em relacäo ao que foi dito sobre o comportamento das vogais no Portugués Europeu e a contribuicäo da fonética e da fonologia para o ensino da ortografia. (a) Em primeiro lugar, a distincäo entre fonética e fonologia, concretizada na distincäo entre vogais cuja substituicäo altera o significado e a mera variacäo fonética, permite dar consciéncia das unidades fonológicas, que säo aquelas de que os falantes tem imagens mentais e reconhecem como sendo elementos do sistema fonológico da sua lingua. Indo um pouco mais longe, podemos mesmo admitir que esse sistema existe na mente dos falantes e estä na base da producäo linguistica. Afinal, cada uma dessas vogais fonológicas é representada por uma só letra quer a sua realizacäo seja como acentuada, como ätona ou mesmo quando tem diferentes pronúncias dialectais. Se os alunos fizerem jogos de identificacäo de pares mínimos em que a substituicäo de um elemento por outro altera o significado da palavra é fácil reconhecer os fonemas da lingua e relacionä-los com a sua grafia. Outros jogos de pronúncia distinguindo dialectos podem levaräs mesmas constatacöes. (b) Se aceitarmos que as letras com que representamos as vogais correspondem äs vogais fonológicas, podemos também reconhecer que as mesmas letras representam as vogais quer sejam acentuadas ou ätonas, podendo corresponder, portanto, a pronúncias diferentes. O reconhecimento das mesmas letras com que säo grafadas as vogais acentuadas e ätonas leva a que se atente numa especificidade do Portugués Europeu : a extrema reducäo das vogais átonas. Esta reducäo é täo grande que, por vezeš, as vogais säo suprimidas. Os alunos podem verificar essa supressäo fazendo exercícios de producäo e 11 percepcäo de realizacöes fonéticas com diferentes velocidades de pronúncia. A elocucäo rápida comparada com a silabacäo mostra que a vogal, embora por vezes suprimida, pertence ä palavra e por isso tem que figurar na escrita com a letra que Ihe corresponde. Se os alunos tomarem consciéncia deste aspecto da escrita - ou seja, que as vogais reduzidas devem estar presentes na escrita da palavra porque Ihe pertencem - podem compreender por que se diz que a ortografia do portugués é basicamente fonológica. (c) Este reconhecimento das vogais fonológicas e da sua relacäo com as letras que as representam permite, ao mesmo tempo, dar algumas orientacöes sobre a o ponto em que incide o acento tónico e o facto de ser necessário um acento gráfico quando pretendemos distinguir urna vogal aberta de urna média (caso de muitas esdrúxulas como próximo, téfrico, péssimo, cómodo, estômago, péssego, etc.) ainda que ambas sejam escritas com a mesma letra. 3.5. Excepgöes a redugäo das átonas Urna outra característica do Portugués Europeu é o facto de, a par de vogais átonas fortemente reduzidas, existirem contextos que näo permitem tal reducäo. Vejam-se exemplos em palavras como relvado (pronunciado [Relvádu] e näo *[RÍivadu]), felpudo (pronunciado [feipúdu] e näo *[Mpudu]), moldado (pronunciado [moidádu] e näo *[muidádu]), em que a vogal átona pertence a urna sílaba terminada em [i] (/I/ velarizado), consoante que impede a elevacäo e reducäo da vogal näo acentuada. O mesmo se passa em palavras como pautado ([pawtádu] e näo *[pB'wtádu]), endeusar ([e dewzár] e näo *[ediwzár]) ou foicinha ([fojsíjiB] e näo *[fujsíjiB]) em que a vogal átona näo se torna [i] ou [u] porque está seguida de urna semivogal que com ela forma ditongo. Estas excepcöes mostram também que as letras que representam as vogais átonas säo as que representam as vogais fonológicas, mesmo quando essas vogais näo säo reduzidas por regra geral. Se a estratégia usadá para a aprendizagem da ortografia incluir um léxico ortográfico (urna 12 memorizacao da forma ortografico das palavras) esse lexico pode servir para o conhecimento das excepcoes a regra geral de reducao das vogais atonas. O mesmo lexico ortografico pode ser utilizado quando se pretende ensinar a utilizacao de grafias especificas como (a) os dfgrafos que sao conjuntos de duas letras com que se representa um unico som (como que representa o som [A], que representa [ji] ou os dois ou dois que representam, respectivamente, [r] e [s]); e tambem conveniente chamar a atencao para o facto de em Portugues nao haver palavras iniciadas por [A.] ou [ji]5 o que faz com que esses dfgrafos so possam ser usados no interior da palavra; tambem a representacao de [r] e [s] com duas letras iguais so e exigida no interior da palavra e se nao for precedida de ou consoante nasal {palrar, honrado, sensagao etc.); (b) as letras que nao representam nenhum som como o em palavras como homem ou humano, e as chamadas 'consoantes etimologicas' como o de acto ou o

de optimo. Em todos estes casos o lexico ortografico pode ser util pois a ortografia das palavras exige a sua memorizacao. 3.6. Um som pode serrepresentado por diferentes grafias A nao correspondencia biunivoca entre letra e som permite que o mesmo som seja representado de diferentes maneiras. Um dos problemas que surge com frequencia na aprendizagem da ortografia e o da representacao das vogais nasais. Em Portugues, a nasalidade das vogais representa-se com um til ou com uma consoante nasal a seguir a vogal. Veja-se o quadro abaixo: p] (tinta, sim) [e] (pente, membro) [b] r (noma) (banco, ambos) 5 Excepto alguns emprestimos de lingua indias existentes no Portugues do Brasil. 13 (tem, tens) [Bwl" (pao) Vam> {formas verbais como amam, batam) [o] (ponte, pombo) [ój] <óe> (coracóes) [u] (unto, atum) Existem algumas regras ortográficas que permitem escolher entre as consoantes e para marcar a nasalidade: antes de

e (consoantes labiais) usa-se o (consoante labial); antes das restantes consoantes usa-se . A relacao fonética entre a consoante e a vogal nasal está aqui reduzida a um único traco. Por outro lado, em fim de palavra utiliza-se sempre 6. Mas, pergunta-se: quando se representa a nasalidade com um til? Pode dizer-se que sempre que existe um ditongo se utiliza o til - excepto se nas terminacoes de formas verbais da terceira pessoas como falam ou batem. Fica por justificar a grafia de irmá, romá e outras palavras terminadas em que podem fazer parte do léxico ortográfico. Note-se, ainda, que os alunos para quern o Portugués nao é lingua materna těm por vezeš grande dificuldade em reconhecer a nasalidade das vogais (e ainda mais, dos ditongos nasais) sobretudo quando os sistemas fonológicos das respectivas linguas nao content este tipo de vogais. Essa dificuldade provoca frequentes erros de ortografia. Nestes casos é necessário realizar exercícios de producao e percepcao e relacioná-los com a ortografia das nasais. 3.7'.Conclusdes gerais Em conclusao do que até agora foi apresentado, a titulo exemplificativo, sobre a contribuicao da fonética e da fonologia para a aprendizagem da ortografia, esta aprendizagem beneficia (a) da consciéncia do sistema fonológico da lingua, (b) do conhecimento das relacóes entre vogais tónicas e átonas, (c) da posicao das letras na palavra, (d) da verificacao da presenca dos sons quando as palavras sáo pronunciadas com diferentes velocidades de elocucao e (e) da constituicao de um léxico ortográfico que permita memorizar a ortografia de palavras que sáo excepcóes a regras gerais. 6 As excepcoes como gluten ou himen sao palavras cultas que nao interessa aqui considerar. 14 4. Fonologia e Prosodia 4.1. O que e a prosodia Que contribuicao pode dar a prosodia - uma parte quase misteriosa do estudo dos sons - para o dominio do uso da oralidade em Portugues? David Crystal introduz a analise dos tracos prosodicos com as seguintes palavras: '"Nao e o que tu dizes mas a maneira como o dizes'. Este comentario familiar, imortalizado numa cancao, indica de forma sintetica tudo aquilo sobre que incide a analise prosodica. Os 'segmentos' da lingua falada sao vogais e consoantes que se combinam para prod uzir silabas, palavras e frases (...). Mas ao mesmo tempo em que articulamos os segmentos, a nossa pronuncia varia noutros aspectos. Os elementos que provocam essa variacao sao os tracos suprassegmentais ou prosodicos". O conceito de prosodia esteve, ate meados do seculo passado, ligado as caracteristicas da poesia, ao ritmo do verso e ao tipo de rima. Tendo presente que a analise prosodica incide sobre aspectos do som que estabelecem relacoes entre si na cadeia sonora (por exemplo, o acento, um traco prosodico, relaciona silabas acentuadas e nao acentuadas) ou entre essa cadeia sonora e outros dominios da lingua (a entoacao esclarece e completa muitas vezes o significado das frases), o estudo da prosodia tern hoje um lugar fundamental no conhecimento de qualquer lingua sobretudo, como se compreende, no nivel da oralidade. Os tracos prosodicos utilizam propriedades acusticas intrinsecas dos sons: a intensidade (ou forca expiratoria usada na fala), o torn (ou altura da voz) e a duracdo (ou tempo de articulacao de um som, de uma silaba ou de um enunciado)7. Estas propriedades sao diferentes do que denominamos tracos distintivos, como a nasalidade ou a sonoridade, porque elas sao inerentes a todos os sons, enquanto os tracos distintivos podem estar, ou nao, presentes num determinado som. Essas propriedades, que ocorrem simultaneamente 7 Sobre a definicao destas propriedades acusticas suprassegmentais, ver capitulo 3.4. de Mateus, Fale e Freitas (2005). 15 com os referidos tracos distintivos, nao alteram a qualidade fonética do segmento mas, ao estabelecerem entre si uma relacao na sequéncia sonora, transmitem informacao que também pertence ao significado da frase. Veremos em seguida quais sao os tracos prosódicos e quais as suas funcóes, concretizando na aprendizagem do Portugués. 4.2. O acento tónico No nivel lexical, um aumento de intensidade e de duracao cria o acento tónico, tornando uma das silabas da palavra proeminente em relacao as outras. Tradicionalmente, a localizacao do acento tónico em Portugués leva á classificacao das palavras em agudas (quando o acento incide na ultima silaba), graves (quando incide na penúltima) e esdrúxulas (quando incide na antepenúltima). Alguns estudos recentes que relacionam o acento com a estrutura das palavras em Portugués mostram que o acento tónico se localiza na ultima vogal do radical nos nomes e adjectivos (men/n+o, sed+e, professor+, inglés+ etc.) excepto nas palavras denominadas esdrúxulas em que se situa na penúltima vogal (péssim+o, estómag+o, esdrúxul+a, etc.), vogal esta que é marcada na escrita com um acento gráfico. Se o aluno forsensível á proeminéncia prosódica da sílaba acentuada poderá descobrir a diferenca, na estrutura da palavra, entre o radical e os sufixos, e poderá ser orientado para criar palavras derivadas com sufixos, que mantém, ou nao mantém, o lugar do acento. Derivados com sufixos - eiro(a), -oso(a), -zinho, ou -mentě mostram uma deslocacao do lugar do acento porque se formám novos radicais. Estes exercícios sao manipulacóes do léxico que, usadas de forma lúdica, podem despertar o interesse pela construcao das palavras que os alunos, como falantes, utilizam. A acentuacao das formas verbais em Portugués difere em muitos casos da das nominais. Na maioria das formas, o acento cai sobre a vogal temática (fala+va, part/'+sse etc.) mas existem outros casos de acentuacao da vogal do radical (fal+o) ou da vogal do sufixo (bat+a+mos). Quem sabe, nao sao os próprios alunos a descobrir algum tipo de agrupamento das formas verbais no que respeita ao acento? 16 Alem do acento principal, a palavra pode confer outros pontos de proeminéncia, os acentos secundários, que näo atingem a intensidade do acento principal. Os acentos secundários reforcam o poder informativo do acento principal e organizam a cadeia fonética como um dominio ritmico. Esses acentos secundários ocorrem em intervalos reguläres, sempře em sílabas pré-tónicas, e podem marcar a sílaba iniciál da palavra ou marcar sílabas alternantes a partir da tónica para a esquerda, a té ao limite da palavra (o acento secundário está marcado com um traco abaixado a preceder a sílaba em que incide). Em Jeitaria, em ^omputadór, em ,poderóso ou ,papelaria existe urn acento secundário na primeira sílaba e um principal na ultima do radical. Os acentos principal e secundário tém uma grande importäncia na determinacäo do ritmo da fala quando se analisa a alternäncia de sílabas acentuadas e näo-acentuadas, e a consequente duracäo dos segmentos que constituem as sílabas. Essa alternäncia leva a atribuir äs linguas dois tipos de ritmo: o ritmo acentual que decorre de uma tendéncia para as sílabas acentuadas ocorrerem em intervalos de tempo aproximadamente iguais, sendo variável o numero de sílabas näo-acentuadas que existe entre duas tónicas, e o ritmo silábico que tem por base a unidade 'sílaba', que se repete de forma isócrona, ou seja, com os mesmos intervalos de tempo. O Portugués Europeu e o Portugués Brasileiro tém sido diferenciados, por vezeš, em funcäo do tipo de ritmo que se considera caracterizar estas duas variedades: o PE manifesto um ritmo acentual em consequéncia, sobretudo, da reducäo (ou supressäo) das vogais átonas, e o PB tem um ritmo silábico porque as vogais näo acentuadas säo audíveis e mantém o numero de sílabas da palavra. Levar os alunos a detectarem esta diferenca de ritmo constitui um exercicio de tomada de consciéncia de uma das mais evidentes razöes para a estranheza que sentem os falantes das duas variedades do Portugués. 4.3. O tom e a entoagäo A altura da voz, ou seja, o tom, depende da vibracäo das cordas vocais: quanto mais tensas estiverem ou quanto menor for a sua massa, mais alto pode ser urn torn. Assim, as criancas falam com urn torn mais elevado do que 17 os adultos, as mulheres těm uma voz mais aguda do que os homens. O tom alto está muitas vezeš associado a um aumento de intensidade como, por exemplo, quando chamamos alguém que está longe. Todos nós, de resto, podemos alterar o tom da nossa voz quanto tornamos as cordas vocais mais tensas. Este é um exercício que os alunos podem fazer e que Ihes permite tomar consciéncia do que se passa no seu aparelho fonador quando fazem, por exemplo, "voz de falsete". No que respeita ä funcáo do tom, lembre-se que existem línguas que se servem da diferenca de tons com que é pronunciada uma vogal para opor diferencas de significado num mesmo contexto segmental. Em Mandarim, por exemplo, existem quatro tons com valor contrastivo8: alto, ascendente, descendente-ascendente e descendente. A palavra yi pode significar roupas, suspeitar, cadeira ou significado, conforme o tom que for aplicado sobre a vogal pela ordern acima indicada. Estas línguas chamam-se línguas tonais. Em Portugués, porém, as diferencas de tom no mesmo contexto segmental näo tem valor distintivo. O que pode distinguir significados é a sequéncia de tons que abränge uma determinada frase. Esta sequéncia de tons cria a entoacäo de uma frase e por essa razáo, línguas como o Portugués sáo línguas entoacionais. Na sequéncia sonora, existem pontos proeminentes que se manifestam por tons altos ou baixos, por vezeš associados a uma maior intensidade. Aos limites direito e esquerdo da sequéncia associam-se os tons de fronteira. Muitas vezeš, sáo esses tons de fronteira que permitem distinguir uma frase declarativa de uma interrogativa. Vejam-se as seguintes curvas simplificadas da frase "Amanhá vens jantar cá a casa" com diferentes entoacöes (representa-se o tom alto com H e o tom ba/xo com L; o tom de fronteira está representado por H ou L seguidos de i): [Amanhá vens jantar cá a casa]| (afirmacáo) 8 Sobre esta característica do Mandarim veja-se, Línguas em Análise: o Mandarim in Projecto Diversidade Linguística na Escola Portuguesa. 18 H H+L Li [Amanhä vens jantár cá a casa]| (interrogacäo) H L+H Hi Quando a interrogacao e marcada lexical ou gramaticalmente (com quern, o que, o qua/), a variacao de altura faz-se em sentido descendente, proximo da afirmacao. Veja-se o seguinte exemplo (frase "Quern comeu o bolo?"): Um exercicio que permite dar consciencia aos alunos da importancia da entoacao para diferenciar significados e o de construirem uma frase e pronuncia-la com entoacoes diferentes - declarativa, interrogativa, imperativa, persuasiva, sentimental - de forma a que seja possivel determinar qual a informacao que a entoacao acrescenta ao significado lexical. 4.4. O foco e o acento enfatico A ocorrencia de uma proeminencia na frase (maior intensidade e/ou elevacao do torn) pode tambem ter a funcao de distinguir uma informacao nova - o foco - da informacao conhecida. Veja-se este exemplo de dialogo apresentado por Isabel Fale (Mateus, Fale e Freitas, 2005, cap. 3.4.), em que as letras maiusculas indicam os elementos prosodicamente proeminentes nas frases de resposta. • O interlocutor A diz ao interlocutor B "Os miudos comeram os chocolates" • O interlocutor B sabe que a afirmacao de A e falsa e que os miudos comeram bolos e nao chocolates e responde "Os miudos comeram OS BOLOS [Quern comeu o bolo]| (interrogacäo) H H+L Li 19 A proeminencia de um elemento da frase pode simplesmente constituir um acento enfatico para chamar a atencao do interlocutor. Os exemplos seguintes apresentados por Isabel Fale (Mateus, Fale e Freitas, 2005, cap. 3.4.) mostram as palavras que se pretende destacar escritas com maiusculas: . O GOLFINHO saltou por cima da rede. . O golfinho SALTOU por cima da rede. . O golfinho saltou POR CIMA da rede. . O golfinho saltou por cima da REDE. O contorno entoacional e a distribuicao de intensidade na segunda frase estao representados no quadro seguinte. Nele observamos que a palavra saltou esta destacada e recebeu um aumento de intensidade. Contornos identicos poderao ser estabelecidos para as restantes frases mostrando as palavras que introduzem uma informacao adicional na frase embora nao haja alteracao das palavras. Hz O golfinho saltou por cima da rede Vale a pena referir ainda a funcao das pausas na oralidade e a sua contribuicao no desfazer de ambiguidades sintácticas, sobretudo na forma de agrupar os constituintes da frase. Exemplos largamente conhecidos sao "O rapaz trouxe o livro da biblioteca" (trata-se de um livro que pertence á biblioteca ou de um livro que lá estava e o rapaz de lá o trouxe?) ou "Por favor, queria uma camisa para homem as riscas" ou, ainda, o referido por Isabel Falé "O miúdo viu o irmao do professor que tern bigode" em que a colocacao da pausa determina quern tern bigode: o professor (pausa a seguir a irmao) ou o irmao (pausa a seguir a professor). Podem imaginar-se inúmeros 20 exemplos de organizacao da frase decorrente da localizacao de pausas e da sequéncia de tons. A propósito de pausas, lembre-se que frequentemente se considera que os sinais de pontuacao tern apenas como funcao representor aspectos prosódicos. Tomemos como exemplo a vírgula. Este sinal é muitas vezeš entendido como a marca, na escrita, de uma pequena pausa que pode ocorrer na oralidade. Veja-se o seguinte exemplo em que dois sintagmas entoacionais (assim denominados por serem marcados pela entoacao) sao separados por uma pausa: [O tapetě encarnado do meu escritório] [precisa de ser aspirado com cuidado] Trata-se, como se compreende, de uma oracao constituída por um sujeito e um predicado. Devido ao facto de o sujeito ser uma frase longa, ele pode ser seguido de uma pequena pausa que precede o predicado. Essa pausa é perceptível e leva, por vezeš, á introducao na escrita de uma vírgula que assim fica colocada entre o sujeito e o predicado. Ora sendo a vírgula um sinal de pontuacao da escrita, a sua funcao nao é a de marcar um aspecto prosódico, mas de organizar a frase mantendo juntos os seus constituintes - sujeito e predicado, predicado e objecto directo, etc. -e separando estes constituintes de outros que tem outro tipo de funcóes sintácticas. Veja-se o caso de uma oracao relativa que, entre duas vírgulas, é uma explicativa ("A minha filha, que vive na Suécia, é casada" - significa que tenho apenas uma filha) ao passo que se nao se encontrar entre vírgulas é uma oracao resfritiva (A minha filha que vive na Suécia é casada" - significa que tenho mais do que uma filha). A vírgula organiza a frase de um ponto de vista sintáctico e nao prosódico. Em suma, a entoacao, quase sempře interrelacionada com os outros tracos prosódicos, tem as seguintes funcóes na lingua: emocional (para exprimir excitacao, aborrecimento, surpresa), informacional (para indicar uma informacao nova, por exemplo), textual (distinguindo a interrogacao da afirmacao ou da ordem), psicológica (organizando a lingua em unidades que sao mais facilmente percebidas e memorizadas) e identificadora (visto que 21 pode ser uma marca de identidade que permite reconhecer a classe social a que pertence a pessoa ou, porvezes, a sua profissao)9. Assim, a identificacao de caractensticas ntmicas, entoacionais e acentuais do Portugues pode ser utilizada para mostrar aos alunos que, ao servirem-se desses meios quando falam, podem tornar o seu discurso oral persuasive interrogative agressivo ou agradavel conforme o desejarem, podem chamar a atencao para certos aspectos que consideram necessarios e podem interessar e convencer os seus ouvintes. E inegavel que o estudo da fala em que se considera a interligacao de todos os factos prosodicos e um estudo aliciante e torna a aprendizagem da lingua mais colorida, ao mesmo tempo que se apresenta como um dominio cheio de interrogacoes e de misterios. BIBLIOGRAFIA BARBEIRO, Luis (2006) Aprendizagem da ortografia: Princfpios, dificuldades e problemas. Porto: Ed. Asa. CRYSTAL David (1997) The Cambridge Encyclopedia of Language. Cambridge University Press. Diversidade Linguisfica na Escola Porfuguesa. Projecto desenvolvido no ILTEC com coordenacdo de M. H. Mira Mateus, Dulce Pereira e Gloria Fischer http://www.iltec.pt/divling/index.html FROTA, Sonia e Marina VIGARIO (2003) Constituintes prosodicos. In Mateus et alii.(2003): Capitulo 26.3. JAFFRE, Jean-Pierre (2006) L'orthographe et la langue. Cahiers Pedagogiques. 440, Dossier: Orthographe, p. 11- 13. MATEUS, Maria Helena Mira, Ana Maria BRITO, Ines DUARTE, Isabel FARIA, Sonia FROTA, Fdtima OLIVEIRA, Gabriela MATOS, Marina VIGARIO e Alina VILLALVA (2003). Gramdfica da Lingua Porfuguesa. 5° edicdo revista e aumentada. Lisboa: Editorial Caminho. (Capitulos 25 e 26). MATEUS, Maria Helena Mira, Isabel FALE e Maria Joao FREITAS (2005). Fonetica e Fonologia do Porfugues. Lisboa: Universidade Aberta. 9 Veja-se David Crystal (1997), p. 173. 22 PINTO, Maria da Graca L. Castro (1998) A ortografia e a escrita em criancas portuguesas nos primeiros anos de escolaridade. In Saber viver a linguagem: Um desafio aos problemas de liferacia. Porto: Porto Editora, p. 139-193. RIO-TORTO, Graca Maria (2000) Para urna pedagogia do erro. In Acfas do V Congresso Internacionál de Didáctica da Língua e da Literatúra. Vol. I. Coimbra: Livraria Almedina. p. 595-618. Prof Doutora Maria Helena Mira Mateus Coimbra, 2-3 de Margo de 2007