Os verbos modais dever c poder apenas respondem afirmativamente aos dois primeiros critérios de auxiliaridade acima enunciados. Com efeito, aceitam mais do que uma instáncia de negacáo frásica (cf. (82a)), podendo o operador de nega?áo frásica precedé-los (cf. (82b)) ou ao verbo auxiliado (cf. (82c)) e náo atraem obrigatoriamente o pronome clítico (cf. (83)) (35): (82) (a) Os miúdos náo podem nao ter medo dessa personagem. (b) Os miúdos nao podem ter medo dessa personagem. (c) Os miúdos podem nao ter medo dessa personagem. (83) (a) Os miúdos náo me puderam avisar. (b) Os miúdos náo puderam avisar-me. O comportamento dos verbos modais ilustrado pelo exemplos (78) e (79) sugere que, contrariamente aos restantes semiauxiliares, estes verbos seleccio-nam uma projec§áo frásica (embora defectiva) (36). 10.3. Padroes de ordem de palavras em frases declarativas Sendo o portugués uma lingua de proeminéncia de sujeito (37), a estrutura te-mática da frase está gramaticalizada através da distincáo sujeito-predicado. Assim, nas frases declarativas náo marcadas com sujeitos pré-verbais, á estrutura sintác-tica sujeito-predicado corresponde a estrutura temática tópico-comentário, i.e., o sujeito designa aquilo acerca de que se afirma, nega ou questiona a propriedade expressa pelo predicado, que constitui o comentário acerca desse tópico: (1) Os linguistas sujeito tópico escrevem textos íncompreensiveis predicado comentário (35) O verbo modal ter de I que + V[NF aceita dificilmente a nega?ao frásica do verbo auxiliado (cf. lOs miúdos tem de náo dizer menáras) e nao atrai o pronome clítico (cf. o con-traste entre O Joáo náo tem de me telefonar e * /10 Joáo náo me tem de telefonar). (36) Sobre este assunto, veja-se Goncalves (1996, 1999). (") Cf. Li e Thompson (1976). Vários autores propuseram o seguintc teste para identificar o conslituinte com a funcáo de tópico frásico (38): se um constituinte for tópico, pode ocorrer numa frase com um verbo declarativo como complemento de acerca de, de acordo com o esquema X está a afirmar acerca de tópico que F. Em (3), apresentam-se os resultados da aplicacáo do teste de topicalidade ás frases (2): (2) (a) Todos os miúdos foram á festa. (b) As baleias sáo mamíferos. (c) Os meus alunos tiveram excelentes resultados no 1.° teste. (d) Alguns autores defendem essa hipótese. (e) Uma miúda de olhos verdes estava a saltar ao eixo no parque. / (3) (a) O locutor está a afirmar acerca de todos os miúdos que eles foram á festa. (b) O locutor está a afirmar acerca das baleias que elas sáo mamíferos. (c) Eu estou a afirmar acerca dos meus alunos que eles tiveram excelentes resultados no 1.° teste. (d) O locutor está a afirmar acerca de alguns autores que eles defendem essa hipótese. (e) O locutor está a afirmar acerca de uma miúda de olhos verdes que ela estava a saltar ao eixo no parque. Frases como (1) e (2) sáo predica^oes, i.e., exprimem juízos categóricos (39), ou seja, juízos que envolvem dois actos separados: "o acto de reconhecimento daquilo que vai ser o sujeito" [Kuroda (1972/3: 154)] e "o acto de afirmar ou negar o que é expresso pelo predicado acerca do sujeito" [id: 154]. Como se pode observar nos exemplos dados, a estrutura sujeito-predicado é homóloga da estrutura tópico-comentário. Mas ocorrem em portugués frases que exprimem juízos categóricos e em que náo existe coincidéncia entre as duas estruturas, como mostram os exemplos (4): adoro meláo, vieram com ele da escola. oferecemos-lhes CD's, oferecemos [-] CD's. tópico sujeito (38) Cf. Kuno (1972), Sgall e Hajičova (1974) e Reinhart (1982). (39) A. Marty designava-os 'juízos duplos' (=Doppelurteit). C I