Darcy Riberio Utopia selvagem. Saudades da inocência perdida. Uma fábula. Darcy Ribeiro (26.10.1922, Minas Gerais – 17.2.1997, Brasília) foi um antropólogo, escritor e político brasileiro. Formou-se em antropologia e seus primeiros anos de vida pofissional dedicou ao estudo no campo dos índios, especialmente em região Pantanal, Brasil Central e Amazônia. Notabilizou-se fundamentalmente por trabalhos desenvolvidos na área de educação, sociologia e antropologia. Publicou muitas obras científicas sobre a etnologia e a antropologia, mas também várias romances sobre os povos indígenas, entre outros Utopia selvagem. Durante a ditadura militar foi obrigado exilar-se, entre os seus postos de trabalho pertencemm várias universidades na América do Sul. Após a volta à sua terra exerceu várias funções na política, foi ministro-chefe da Casa Civil do presidente João Goulart, vice-governador do Rio de Janeiro e exerceu o mandato de senador pelo Rio de Janeiro. O narrador em terceira pessoa conta a aventura de personagem Pitum, o brasileiro negro, que se encontrou numa tribo de mulheres nativas onde é obrigado a manter relações sexuais com as índias. Como prisoneiro, cada noite está «comido» por uma mulher da tribo. Chegamos a saber que personagem Pitum é o tenente Carvalhal que faz parte da equipa militar na Guerra Guiana no Norte do Brasil perto do rio Amazonas, qual motivo não é conhecido. Num dia aconteceram circunstâncias muito estranhas, até fantásticas, e o Pitum encontrou-se numa multidão de mulheres nuas com só um seio. De outro modo está pelas mulheres tratado bem, observa os seus costumes e hábitos, aprende a sua língua com ajuda das mulheres, mas também se estranha sem parar porque não há nenhum homem naquele lugar e sofre por medo de ser comido por mulheres – índias Icamiabas (do tupi i + kama + îaba, significando "peito rachado") que talvéz poderiam ser lendárias Amazonas e potenciais canibais. Na segunda parte da narrativa o Pitum está expulsado da tribo das Icamiabas e encontra-se num outro lugar, na tribo Galibi, onde enfrenta aos índios e é salvado por monjas que são únicas da ocorrida missão católica e que falam com o cacique dos índios em favor dele. Assim, o Pitum está passo a passo integrado à sociedade dos Galibi, contempla e faz parte de costumes e hábitos diferentes que viu na tribo das amazoanas e tenta relacionar-se com as monjas cristãs que tentem formar e conversar índios à religião cristã e também corrigir o comportamento do Pitum e impedir-lhe ter as relações sexuais com as indígenas. Monjas mundam o nome do Pitum para o Orelhão e passando algum tempo não vão muito bem um com outro, porém, os três, o Pitum – o Orelhão e as monjas a Tivi e a Uxa, descobrem nas conversas sobre o Brasil que conhecem o Brasil totalmente diferente, como que nem seriam dum mesmo país. Na terceira parte aparece um capítulo sobre o sistema do estado - Estrutura do poder e gozo realizada como Multinacional utopia burguês. Encontramos um plano detalhado sobre o sistema imaginário ligado ao funcinamento do Brasil e a sua sociedade que é dirigido por Prospero, a personificação da sabedoria, uma espécie de deus. A história culmina na cena da festa de caapi o que é uma droga da origem natural, quando todos da tribo, o Orelhão e também uma das monjas, durante a festa tomam caapi e passam por transformação em corpos de vários animais, mudando a aparência muitas vezes e devotando-se às orgias sexuais. Num momento o Orelhão vê como um pedaço da terra separa-se e alça voo e como a pequena ilha voa acima da terra das amazonas e avança para o Brasil das monjas para que cumpririam o desejo do chefe da nação Galibi tomar todos os medicamentos do mundo moderno para tratar o seu handicap de gaguejar. Apesar de que o autor chama a obra fábula, esta é muito distanciada dos padrões de fábula. Relativamente ao género trata-se antes duma romance, ou mais propriamente duma novela. O espaço da narrativa decorre em dois diferentes espaços, no reino das Amazonas e no mundo da tribo Galibi. Ambos são situados no norte do Brasil, provavelmente no norte de Amazônia, em um espaço indeterminado, utópico e mítico - as personagens vivem em simbiose com a natureza, alimentam-se com os frutos, caçam peixes e animais locais, usam materiais naturais para construir casas primitivas, o clima é tão agradável que habitantes nativos andam nus. Também as referências do protagonista principal à Guerra Guiana orientam o espaço para a região situada perto da Roraima no norte do Brasil o que é o estado brasileiro que faz fronteiras com a Guiana Inglesa e Venezuela, que é também mencionada no texto. Ao lado destes dois ou três espaços, contando também o ambiente da Guerra Guiana, na obra há presentes várias alusões ao Brasil como que existiriam vários Brasis – o Brasil do Pitum, o Brasil das monjas e o Brasil utópico do Próspero. A obra foi publicada no ano 1982, ainda durante a ditadura militar. O tempo da narrativa não é explicitamente definido, suponhamos que se trate dum tempo múltiplo, composto de vários tempos. O tempo remoto, primitivo, talvéz mesmo mítico, devido à presença dos selvagens e as guerreiras amazonas, cuja existência é datada na antiguidade greco-romana. Do texto podemos deduzir a presença do colonizador, representado pelas monjas missionárias. O episódio da Guerra Guiana está provavelmente ligado com a história da invasão da Guiana Francesa no ano 1809 ordenada por Dom João VI. Adiante, dos diálogos das monjas chegamos a saber um universo tecnológico com referências e discursos comunista-socialistas e, consequentemente, encontramos também um discurso mais atual do século XX. A personagem principal é Gasparino Carvalhal, Pitum, Orelhão, negro gaúcho, tenente do Exército Brasileiro que se perde de sua tropa durante a Guerra Guiana. O seu nome é sugestivo, lembra o frei espanhol Gaspar de Carvajal que acompanhou Francisco de Orellana em suas expedições pela Amazônia. O nome Pitum representa a cultura afro-brasileira, com o seu dever manter as relações sexuais com as indígenas amazonas, assim inicia a miscigenação dando origem aos cafuzos, descendentes de negros e índios. Ele é adaptável, e apesar de lembrar-se sempre do seu Brasil, adapta-se ao ambiente dos índios seja o mundo das amazonas, seja o mundo dos índios da tribo Galibi. As personagens das índias amazonas- Icamiabas representam seres selvagens, livres, independentes, o mundo delas ainda não foi tocado pela colonização ou mundo moderno. Índios da tribo Galibi já enfrentam ao esforço das monjas formá-los e convertê-los à religião cristã. Aprendiam escrever para divertir-se com mensagens escritas mas outras tentativas de «civilizar-se» servem só para suas brincadeiras. As monjas Axa e Tivi representam o mundo civilizado e religioso, digamos com a base europeia. A Axa, mais velha, tem o olhar muito etnocéntrico e concentra-se com severidade para a sua missão. A Tivi, mas nova, já é mais aberta à cultura indígena. O narrador conta a história na terceira pessoa do singular, é omnisciente, mas também interrompe constantemente a narrativa. Apostrofa leitores e leitoras, esclarece a narrativa, insere comentários históricos, ironiza e satiriza, utiliza argumentos ou referências a personalidades históricas para tentar apresentar a narrativa verossímil. Descrevendo as cenas e comentando acontecimentos foi muito comum para cronistas do século XVI, os quais acompanhavam viagens e expedições nas descobertas do país. Na obra encontramos constantemente alsuões de personagens históricos, obras literárias, lendas indígenas e muitas outras relações intertextuais. Entre outros podemos nomear alusões ao Carta do Achamento de Pêro Vaz de Caminha, Utopia de Thomas Moor, a obra Tempestade de William Shakespeare, a ideia de bom selvagem de Jean-Jacques Rousseau, personagens de Cristóvão Colombo, Amerigo Vespucci, Manuel de Nóbrega, José de Anchieta, Padre António Vieira, bispo Sardinha, lenda de Jurupari, lenda de Eldorádo, manifesto de antropofagia de Oswald de Andrade, Macunaíma de Mario de Andrade etc. Para concluir, a Utopia slevagem de Darcy Ribeiro é mais destacada e caracterizada pelo seu hibridismo. O autor reune o mundo primitivo com o mundo progessista, quebra as fronteiras entre pares opostos, como entre o colonizado e o colonizador, o primitivo e o civilizado, o mítico e o tecnológico, relativiza o conceito da civilização. Neste livro, Darcy Ribeiro mostra a indeterminação essencialista do sujeito brasileiro, refere-se a miscigenação como o ponto de partida para a nacionalidade brasileira com humorismo, ironia e sátira.