A Corrida do Ouro O Artista Sem Rosto Näo se conhecem as feicôes verdadeiras do horném que crhu os muk expressivos rostos da estatuária brasileira. Apesar de uma absurda lei municipal ter decretado, em júího de 1971, que o quadro acima é o "tetrúto oficial" do Aleijadinho, näo exisiem provas concretas de que a obra sejti autěntica, Achado em 1916, o reirato näo condiž com describes feitas muito anteriormente. A Biblia em pedra-sabáo: os 12 apóstolos e as 66 estátuas esculpidas em cedro, que o Aleijadinho produziu para decorar a igreja de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo (MG), estáo entre as maiores obras de arte da história do Brasil. já Aleijadinho e o Esplendor do Barroco u Vila Rica näo e Florenca, pedra-sabäo näo e märmore e Aleijadinho näo foi Miche langelo. Ainda assim, o esplendor e o requinte, as sutilezas e a suntuosidade da dezenas de estatuas, pias batismais, pülpitos, brasöes, portais, fontes e crucifixo permitem supor que o Brasil teve um genio renascentista desgarrado em plena efervescen cia de Minas colonial, esculpindo e trabalhando com o espirito, o fulgor e a grandiosidad dos artistas iluminados. O legado do Aleijadinho — eternizado no interior e nas fachadas d meia düzia de igrejas de Minas Gerais — refulge mais que os minerios que sairam dali par fazer o fausto de nacöes alem-mar. Na prätica, foram elas — estatuas, lavabos e esculturas -a heranca que restou para recordar o Brasil de seus tempos äureos. A obra monumental d Aleijadinho e um patrimönio superior a qualquer luxo que o ouro possa comprar. Embora tenha sido um dos maiores artistas do Brasil, da vida do Aleijadinho restam af» nas Fragmentes biogräficos dispersos, a maioria deles envolta na sombra mitificadora d; lendas baratas. Sabe-se que se chamava Antonio Francisco Lisboa e era filho bastardo c "juiz do oficio de carpinteiro" Manuel Francisco Lisboa com a escrava de nome Isab (embora documento algum cnmprove). Quando nasceu? Em 1738, talvez, embora a "da oficial" seja 29 de agosto de 1730. Quem foram seus mestres? O pai e o tio, Antön Francisco Pombai, embora alguns prefiram filia-lo ä escola do desenhista Joäo Gom Batista e ä do entalhador Jose Coelho de Noronha, Portugueses com "oficinas" em Vila Ri( Quais suas fontes de inspiracäo? Os livros da biblioteca do poeta Claudio Manuel da Co; e "gravuras biblicas göticas e bizantinas" da Biblia Pauperum. As düvidas säo muitas porque quase tudo que se sabe sobre o Aleijadinho prov^m d Trafos biogräficos relatives no finado Antonio Francisco de Lisboa, publicados por Rodri Bretas em 1858. Escritos 44 anos depois da morte do artista, os esbo^os de Bretas esi 1 Ml A Corrida do Ouro 109 r repletos de impropriedades. Apesar da bibliografia referente ao Aleijadinho superar, atualmente, mil titulos (entre livros e artigos), o estofo da lenda nasccu dos m i tos forjados por Rodrigo Bretas. De qualquer forma, parece certo que, antes da misteriosa doenca que o acometeu, em 1777, Antonio Francisco, além de artista maduro — cujo primeiro projeto fora a igreja da Ordern Terceira de Säo Francisco —, era também "grandemente dado aos vinhos, äs mulheres e aos folguedos". Seu biógrafo sugere que a enfermidade surgiu dos "excessos venéreos". Em fins de 1777, o escultor já perdera os dedos dos pes, "do que resultou näo poder aridar senäo de joelhos", e os dedos das mäos se atro-fiaram de tal forma que o artista teria decidido "cortá-los, --iľ-se do formäo com que trabalhava". Näo foi só: Aleijadinho "perdeu quase todos . ■ . a boca entortou-se como sucede ao estuporado; o queixo ľ o lábio inferior aha e-se e o olhar do inf'cliz adquiriu a expressäo sinistra de ferocídade (...) que o deixou üpecto asqueroso e medonho". JMfinho passou a evitar o contato publico: ia para o trabalho de madrugada e só para casa com a noite alta. "Ia sempre a cavalo, embucado era ampla capa, chapéu \ ŕugindn a encontros e saudacňes", esereveu Manuel Bandeira. "No proprio žs. obra, ficava a coberto de urna espécie de tenda, e näo gostava de mirones". ----- artistas brasileiros escreverani sobre o maior dos escultores do pais. O pocta . ie Andrade, por exemplo, observou que a "doenca dividiu em duas fases nítidas a -deijadinho. A fase sä, de Ouro Preto, se caracteriza pela serenidade equilibrada e - :-;-za magistral. Na fase do enfermo, desaparece aquele sentimento renascente da . -urge um sentimento muito mais gótico e expressionista". De fato, foi em 5, no santuário de Bom Jesus de Matosinhos, já doente e a partir de 1796, que o Íınho iria consagrar dez anos äquela que séria a maior obra de sua vida: os Fassos da -- monumentais estátuas de cedro representando a paixäo de Cristo) e os doze é£*>. que "monumentalizam a paisagem" e sáo uma "Biblia de pedra-sabäo, banhada .- - ■ Minas", con forme anotou o colega de Mário, Oswald de Amir.uk-. i^íí inigualáveis obras-primas do barroco teriam sido esculpidas com os formöes ata- - —los sem dedos do Aleijadinho, com a ajuda de seus auxiliares e de seus trés os fiéis Maurício, Januário e Agostinho, os quais, em crises de dor e fúria, o artista ■Ezta freqüentementc). Embora seus clientes fossem ricos, o Aleijadinho nunca ga-T.-Li : seu salário era de 1,2 grama de ouro por dia e ele o dividia com sua ctpiipe, less pródigo em esmolas. Sua revolta contra os poderosos — a obra de Congonhas - r.2ia quatro anos após o martírio de Tiradentes — parece evidente. As razňes dela, lo éram apenas pessoais. "No Aleijadinho, o ressentimento tornou a expressäo de . ... de vinganca de sub-raca oprimida", esereveu, em 1936, o sociólogo Gilberto . "Em sua escultura, a figura de 'brancos', 'senhores' e 'capitäes romanos' aparecem c^idas, menos por devocäo a Jesus Cristo e sua raiva de ser mulato e doente do que M revolta contra os dominadores da colônia". :. _■. t quem diagnosticasse no orgulho despertado pela suntuosidade das obras do o as raizes da revolta da colônia contra a exploracäo exercida pela metropole. O r; obra ainda inspira tantas interpretacöes, porém, nunca veria um Brasil inde-«. Depois de dois anos rolando, aos gritos, sobre um estrádo de madeira, com um :: í do corpo "horrivelmente chagado", o Aleijadinho foi, enfim, poupado da agónia L? de novembra de 1814. Uma Mořte Misteriosa Passados quase 200 unos da mořte do Akijadiníio, pesquisadores ainda diseutem píira saber qual a doenfa que acabou com a saúde e o humor do maior dos esadtores brasileiros. Nenhunt, porém, teve iniciativa, disposifiio ou verba para empreender a investigacSo que induísse a única possibilidade de esclarecimcnto definitivo: a exutnacůo do cadaver do Aleijadinho. Par enquanto, existent apenas hipóteses sobrc a terrivel enfermidade deformante que, 11 partir de 1777, foi carcomendo pés e m&os do ginio do barroco bra sile iro. Em 1929, 0 medico Rene Laclette optoa por "lepra nervosa" como diagnástíco "menos improvável", visto que no quadro clinico de Antonio hrancisco se encontravam vários sintomas do mol de Hansen (atrofia dos músctdos das maos, nevralgias, atrofia do orbicular das piílpebras, paralisia facial, queda dos detttes). Outra hipůtese citada com jreqiténcia éa da zamparina (doenca advinda de um SUrtO gripal que irrompeu no Rio cm 1780, responsável por alteracóes no sistema nervoso). As demais especulucoes, citadas em mats de trinta estudos, incluem escorbuto, encefaiite e sijilis. O fato i que, além da dor, a doenca tornou o Aleijadinho qtiase um monstro.