O CANTEIRO DE ESTREMOZ — Quando se pensa que está tudo previsto neste mundo, comete-se o maior erro de julgamento que se pode praticar. Por mais aparelhos que se invcntem, por mais contas que se fagam e por mclhores e mais bem organizados que sejam os dados estatísticos, fica sempře uma margem de imprevisto e de acaso que destrói todos os cálculos. A verdade é que quando saio do casa, com destino ccrto, nunca sei bem onde vou parar: se ao hospital, se á cadeia, se aos bra>Calou-se por mementos e eu reparei, a luz do luar, que o seu rosto se contraira num ricto pavoroso. «Ora», disse ele, «foi numa dessas viagens que tudo acon-teceu. Tinha sido cscalonado para ir, mas confesso que dessa vez fui contrarlado. Alguma coisa me dizia que nao devia ir e estive mesmo para alegar doenca c para pedir ao meu co-lega para me substituir, mas nao o fiz por escrupulo. Saimos ao romper da manha, de um dia seco e claro. Digo manha, mas a verdade e que em Africa nao ha propriamente manhas nem tardes. 0 Sol nasce e de rcpente e logo dia claro. O mesmo se da ao contrario, quando o Sol se poe. Dez minutos de-pois e a cscuridao completa. E como o que eu sempre mais amei loram as manhas e as tardes, isso afligia-me. Saimos em dois jeeps, um — o que ia a frcnte — comandado pelo tenente e o de tras por mim. Ao todo, doze homens, seis em cada carro. Ja tinhamos percorrido dois tcrcos do caminho e iamos parar para descansar e comer e beber alguma coisa quando o facto se deu. Ouvimos uma rajada de melralhadora e depois uma porcao dc tiros. Os tiros vinham da esquerda e nos apeamo-nos para nos abrigarmos e ripostar. Com a pra-tica que tinhamos, sabiamos que os pretos so apontam a pri-meira vez e que depois disso disparam ao acaso. Mas desta vez enganamo-nos. Comecaram a disparar tambem da direita e um tiro atingiu gravemenle o tenente c [criu dois soldados do carro da [rente. Cabia-me a mim assumir o comando e nao hesitci. Fizemos rapidamente um penso aos feridos e eu ordenei ao cabo que conduzia o primeiro grupo que seguissc para a frentc, para o outro posto, onde havia um medico e um hospital de campanha relativamente bem montado. 'Vai', ordenei, 'e o mais rapidamente que possas. Eu ca fico para os entreter e para mc haver com eles.' 0 tenente era muito cstimado por nos c estavamos enfu-recidos. 0 temor que a emboscada nos provocou desaparece-ra e comecamos a disparar rajadas baixas para todos os la-dos. Os tiros dos pretos eram cada vez mais raros, mas nos continuavamos a disparar porque sabiamos que eles rasteja- 25 DOMIHGOS MONTEIRO vam como cobras e até que ponto eram traicoeiros. E de rcpenlc os tiros cessaram. Aguardárnos uns minutos, scmprc a disparar, e depois, como é regra, fomos explorar o terreno. Eles lambém Linham sido gravemente atíngidos, porque de vez em quando encontrávamos rastros e pequenas pocas dc san-gue e aqui e acolá armas e munigóes que iamos juntando. Corpos, porém, nenhum. Como era sou costume, os pretos levavam os mortos com eles. Depois de reeolhermos as armas, íamos já retirar-nos para prosseguir no nosso caminho, quando um soldado deu um grito: 'Meu sargento, venha cá ver...' AtX'as de uma moita, numa cova de terreno, estava um preto, ferido nas duas pernas e num braco. Arquejava e tinha os olhos muito abertos. O soldado tinha a espingarda metra-lhadora apontada á cabeca do ferido e ia disparar: Ah, cáo! Vou limpar-te o sebo...' Rapidamente desviei a espingarda e a rajada perdeu-se no ar. Sem perceber, o soldado olhava para mim espanlado. 'Entáo o meu sargento vai perdoar a um bandido des- tes?' Agora náo é um bandido. É um homem como outro qual-quer... Ajuda-me.' Tornado de esparito, o soldado ficou imóvel. Náo podia compreender que eu procurasse salvar a vida de um homem que ainda há bem pouco tentara matar-nos. E que para isso arriscasse, com aquela demora, a minha vida e a dos outros. Mas, para mim, era uma imposicáo de consciéncia... Curve;--me para o levantar. Passci-lhe um braco á volta da cintura e com o outro tentei soerguer-lhe a cabeca. Mas nesse memento senti uma dor tenivel. O ferido mordera-me a máo esquer-da com tal ferocidade que me arrancou a Ealangeta do dedo mínimo. 0 sangue saía aos borbotóes e uma cólera invencível tomou-me. Do interior do dolman, onde a trazia sempře me-tida num saquinho, tirei uma sevilhana, que mc tinha sido dada por um camarada meu, antes de partir para a Metropole: 'Hca com isto que ainda te pode valer... A mim salvou--me a vida uma vez..,' O DESIIMO E A AVENTUKA Mai ele sabia, ele que era um bom amigo, o mal que me ia fazer. Era uma laca de ponta c mola, curva, com uma lamina de mais de vinte centímetros. Indiferente á minha dor, abri-a e eravei-a no ferido várias vezeš, no peito, na cara, com uma fúria e com um rancor como nunca senti na minha vida... Se ele me tivesse mordido no peito, talvez eu lhe tivesse per-doado. Mas as máos eram para mim sagradas porqtie é com elas que eu lalho e modelo. 'Bašta, meu sargento', disse o soldado ao meu lado. 'Este já está como há-de ir... Eu náo lhe dizia? E agora o que precisa é dc estancar o sangue. Vou fazer-lhe um penso.' A minha cólera extinguiu-se, mas náo sentia qualquer remorse E, na verdade, nunca cheguei a senti-lo. Contudo, isto foi o comeco de toda a minha desgraca. 'Está bem. Obrigado. E agora vamos.' Para tras ou para a frente?', interrogou o soldado. 'Para a frente. Para onde íamos.' Eslive uns dias no hospital e tive mesmo de iazer uma transfusáo, de tanto sangue que tinha perdido. E ainda por cima fui eondecorado pela minha coragem era combate. Como o meu tempo de sertáo estivesse no fim, fui mandado para a retaguarda, para Luanda, onde passei trés meses. O meu dedo cicatrizara e como era o dedo mínimo da máo esquerda náo prejudicava a minha arte. Depressa esqueci o incidente. No fim de trés meses, regressei á Metropole e na minha terra — que náo é EsLrcmoz, onde vivo, mas uma aldeia do concelho — receberam-mc como um herói. Quis i ecusar a ho-menagem, mas tive de aceitá-la para náo os ofender. Dc comeco passei bem e depressa arranjei trabalho. Precisava de forrar dinheiro para montar uma oficina propria e trabalhar naquilo que era do meu agrado. Alguma coisa, porém, se trans-formara em mim. Era como se tivesse a alma vazia e. comc-cei a ter a impressáo de que nunca mais podia amar fosse quern fosse ou fosse o que fosse. Para cxperimenlar as máos, fiz um prcsépio que foi muito gabado. Mas eu náo gostet dele. As figuras tinham todas um aspecto diabólico. Nossa Senhora tinha um ar de maldade, o Menino Jesus sorria cinicamente e um dos trés Reis Magos —Baltasar, o Rei Negro— pai-ccia- 26 27 uingos monteiro O Destino b a A -se aflitivaracnte com o preto que eu matara. Levei-o para casa, para o meu quarto, onde passava horas a olhar para ele. Mas, a čerta altura, náo pude mais e, com um eseopro e um mar-telo, parti-o aos bocadinhos. E foi na noite do dia em que fiz isso que pela primeira vez a coisa se deu. Tinha ido ä taberna beber uns copos (o que náo era meti hábito) porque de repen-te me viera aquele desejo. Penso que era para esquecer o pre-sépio porque, no fundo, tinha pena do que fizera. Sem ser vaidoso, pensava que talvez tivesse destruído uma verdadeira obra de arte e isso afligia-me. Regressei a casa um pouco tocado, passava da meia-noite. Sem acender a luz para näo acordar minha máe, despi-me e deitei-me. Adormeci proŕun-damente e no meio da noite acordei sobressaltado como se estivesse ali alguém ao pé de mim. Acendi com um ŕ'ósforo o candeeiro de petróleo. Mas a luz näo se espalhava. Via o cla-ráo mas näo via os objectos. Era como se a sombra que eu pressentia tornasse a escuridäo ainda mais negra. 'Estou bébado', pensei. 'É o que é: estou bébado.' Apaguci a luz e voltei a adormecer. No meio da noite senti a mesma imprcssäo, mas näo sei sc acordei. O que sei é que o vi a cle. De princípio, náo lhe distingui as feic,ôes, mas depois reconheci-o. Era o preto que eu matei. Curvado para mim, via-lhe o rosto e o peito esfaqueados a gotejarem sanguc. Näo disse uma palavra mas parecia que os seus olhos me trespas-savam. Encolhi-me na cama e quis soltar um grito. Tinha a garganta de tal maneira seca que náo pude. E de súbito, mordeu-me a ponta do dedo que me tinha arraneado. Acordei entáo e vi que estava a nascer o dia. Mas o que é mais estra-nho é que a ponta do dedo que cu náo tinha corttinuava a doer-rae. E desde entáo para cá — umas vezes mais, outras menos— continua a doer-me a ponta do dedo. O senhor imagina o que isso é: doer-nos uma coisa que näo temos? Queixei-mc a um médico e ele deu-rae uma explicagäo cien-tífica qualquer. Contudo näo me aconselhou qualquer remé-dio. Neste preciso momenta em que lhe estou a falar o dedo dói-me terrivelracnte. O pior porém näo é isso: dores toda a gente tem. O pior é que ele continuou a aparecer-me. Eu tinha ficado cotivencido que tinha sido um pesadelo provocado pelo vinho. E no dia seguinte fui deilar-me depois da ceia sem tcr bebido uma gota. Mas nao me valcu de nada. A mesma hora, ele tornou a aparecer. E isto durou um mes seguido. Comecei a trabalhar mal, porque ja nao podia sequel' com as ferramentas do offcio. 'Que diabo tens tu?', perguntou-me o patrao, que e, alias, um bom homem. "Vai descansar uma scmana que eu pago-te a mesma.' Aceitei constrangido porque via que ele fazia isso por bon-dade. Mas eu nao descansava porque todas as vezes que ador-mecia o preto aparecia-me. Comecei a ter mcdo de dormir e, o que e pior, comecei a beber. JPui tcr com o patrao e disse-lhe: 'Sr. Alves, continue docnte e nao posso trabalhar. Arranje outro canteiro.' "fenho pena', disse ele, que me eslimava e aprcciava o mcu trabalho. 'Se e assim, o que hei-dc eu fazer? Mas logo que possas volta, que tens semprc o teu lugar guardado.' Agradeci e comecei a viver a custa do dinheiro que minha mae tinha recebido do meu ordenado enquanto cu cstava em Africa e de que nao tinha gasto um tostao. Mas tudo se acaba neste mundo e o dinheiro tambem sc acabou. De ha seis meses para ca tenho estado a viver a custa dela, do que ela poupou numa vida inteira de trabalho. Eu fazia o possivel para nao dormir. Metia a cabeca numa bacia de agua e ficava sentado numa cadeira. Mas, todas as vezes que o sono me vencia, ele continuava a aparecer. Quase me habituei a sua presenga e um dia consegui veneer o meu terror e falar: 'Diz o que queres', supliquei. 'Diz o que queres.' '0 que qucro?', respondeu. 'Tu bem sabes o que eu qucro. Quero que me enterres, porque enquanto os incus ossos esti-verem sobre a terra e nao dentro dela nao poderei descansar. E tu tambem nao.' 'E como le hei-dc cu enterrar, se estou aqui e tu estas em Africa? E mesmo que eu la estivesse, como havia de desco-brir o sitio onde tu estas?' 'Nao sei. Isso e contigo, nao e comigo. Tu e que me ma-taste. Nao fui eu que te matci. A nao ser que tu me liberies e te liberies de outra maneira.' 28 29 ncos MO.'-iietro Näo sei se eslava acordado, sc a dormir, quando isto se passou, mas penso que estava naquele momento que separa as duas coisas. O que sei é que me agarrei äs palavras dele, cheio de esperanca: 'Diz o que queres que eu faca, que farci tudo so para me ver livre de ti.' 'Tens a certeza? Prometeš? 'Prometo.' 'Entáo, repete as palavras que te vou dizer.' E comecou a falar na lingua dele, uma lingua gutural e cantada, de que näo percebi o sentido. Fui repetindo uma por uma as palavras que ele me dizia até que acabou. A maneira que ia repetindo a sua lengalenga, uma sensacáo estranha que näo sei reproduzir apossou-se de mim. Sentia-me liberto, torno se estivesse fora do tempo e do espaco. Era como se tivesse esquecido tudo quanto tinha aprendído, para adquirir uma nova forma de saber, e ao mesmo lempo como se tivesse re-cuado através das geracóes ate ao comeco do mundo. O tempo que isso důrou näo sei. Talvez cineo minutos, talvez horas, talvez toda a etemidade... 'Agora', disse ele, 'sei que vais fazer o que eu quero.' 'Faco', concordei eu submissamente. 'O que quero', e riu com os dentes todos, 'o que quero é muito simples. Pega na faca com que me mataste — e que trazes sempře contigo— e mata um irmáo do teu sangue.'» Diogo Tavarcs calou-se, e passado um minuto dirigiu-se aos eireunstantes, no siléncio ávido e pesado que se eriara ä sua volta: — Confesso, mcus amigos, que nesse momento — sem ser medroso e tendo sido eu. afinal, que eriara aquela situaeáo, provocando-lhe as confidéncias e querendo levá-lo a casa — senti um arrepio. Mas imediatamente me recompus. Sabia agora, sabia de ciéncia čerta, que o metl encontro com o canteiro näo tinha sido fortuito, näo tinha sido aquilo que costuma apelidar-se de uma coinciděncia. Tudo fora prepara-do cuidadosamenle pelo destino. Sabia também que a minha velha ideia de que há sempře uma pessoa desconhecida que está a nosso cargo e pela qual somos responsáveis eslava čerta. O DEST1HÜ E A AVENTURA É isto que juslifica o sibilino provérbio popular de que näo há hörnern sem hörnern. Com esta conviccäo vinha a certeza de que o meu destino estava indissohivelmente ligado ao dele e que nos perderíamos ou salvaríamos juntos. »Fol pois com uma calma absoluta — eu náo estava a armür em lierói — que lhc perguntei: «E depois dessa noite, o hörnern voltou a aparecer-lhe?» «Sim, todas as vezes que adormego e diz sempre a mes-ma coisa, mas di-lo com uma voz cada vez mais forte, furioso por ainda náo lhe ter obedecido: 'Mata um irmäo do teu sangue e mata-o corn a faca com que me mataste a mim.' Quando vim para Portugal tive no barco a intencáo de a atirar ao mar, mas só por uma razäo: as manch as de sangue qvie tinham ficado na lamina, por mais que eu a areasse, nunca de lá saiam. Parecia que ficava limpa, mas, quando a abria por qualquer motivo, elas lá apareciam outra vez, täo nítidas como no dia anterior.» »Nesta ultima fase da nossa eonversa —disse Diogo Tava-res— que eslou narrando a seguir, mas que era entremeada de largos siléncios, a sua voz näo parecia uma voz humana. Näo tinha inflexóes nem limbrc, era como se näo tivesse som. Parecia mais uma eonversa de pensamento para pensamento c dc uma alma para outra alma. «E quando foi a ultima vez que ele lhe apareceu?» »A resposta foi demorada e em palavras cntrecortadas como se cada silaba valesse por si e fosse uma entidade propria: «Ontem a noile, pela madrugada...» «E rcpetiu a mesma fräse?» «Repetiu, mas disse alguma coisa mais...» <.0 quo?» «'A hora e.stá chegada... Ou fazes o que te mando ou já näo te poderás salvar...' E o pior é que eu sei que ele estava a dizer a verdade, e que ou o faco ou eslou perdido.» »Depois, a despropósito, acrescentou: «Porque é que o senhor näo me deixou na praca? Porque é que me quis trazer a casa?» «Porque näo abandono ninguém que precisa de mim. E tu [aqui deliberadamcnte mudei o vocativo] e tu precisas de mim.» 30 31 DnVWGOS MONTEIRO O DFSilNO E 4 AVXNTVRA »Nao sci o que me inspirou ao proferir estas palavras, mas penso que estavam certas. Nao erani contudo ainda as pala-vras necessarias. »Senti-o esticmecer e, com a mao tremula, procurar no bolso interior do casaco alguma coisa que percebi logo o que era. Por um momento —confesso-o— pensei em agarrar-lhe os bracos e ate em o agredir com um soco. Mas felizmente nao o fiz. Eu sabia que precisava do ir ate ao fim para cum-prir a minha missao. A vida dele importava-me tanto como a minha e compreendi que, se nao salvasse aquele homcm, eu proprio estava perdido. Por isso nao fiz um gesto. Estava com a mao esquerda agarrada ao volante, o braco direito pendente e assim me deixei ficar. De repente ouvi um estalido: «A faca e esta.» »Na semiobscuridade nao Ihe distinguia as feicoes, mas olhando para baixo vi a lamina da iaca brilhar, com a ponla quase encostada ao men peito. Nao me mexi sequer, com a certeza de que, se o fizesse, seria certamenlc o fim. Apelci para toda a minha forca interior e percebi que estava calmo, com aquela calma terrivel do homem que scnte — como vos disse no comeco da minha narrativa — que a fronteira entrc a vida e a mortc se tinha desvanecido completamente. Lem-brei-me tambem dc que sou um ser protcgido e que, nos momentos mais cruciais da vida, o ser que me protege —e que, a falta de outra designate, eu chamo o meu Am'o-da--Guarda— me aparece disfarcado de qualquer forma ou me inspira o que devo fazer. Confesso que o invoquei e foi ele talvez que me ditou o meu procedimento. «Sim, vejo a faca. Mas o que eu queria vcr eram as manchas de sangue.» E desprendendo a mao esquerda do volante, acendi a luz interior do carro. «Lcvanta-a um pou-co. Mais para curia. Assim nao vejo... Estas com a mao a tremer. Da-me a faca.a E num gesto lento, agarrci-a pelo cabo... »Da parte dele nao houve qualquer resislcncia e eu examinei-a cuidadosamente. Era uma faca sevilhana, prova-velmente dos fins do scculo xvui, de ponta e mola, com um cabo de chifre trabalhado. Confesso que nao vi qualquer mancha de sangue nem elas lä existem, mas abstive-mc de o dizer. Pelo contrario: «Sim, elas cä estäo. Näo hä düvida...» »Dcpois puxei pela mola e a faca fechou-se automaticamente. «Devias te-la atirado ao mar como pensaste. Todo o mal estä nesta faca.» »Näo lespondeu e eu continuei: «Como estiveste em Africa, deves ter ouvido falar em magia negra. Hä quem näo acredite... Hä pessoas que acreditam em tudo c outras que näo acreditam em nada. Ambas estäo erradas. Tu, o que estäs e enfeitigado...» «Mas eu matei um homem...» «Bern sei... Mas nas circunstäncias em que isso se deu — embora o acto näo seja louvävel em si— o que tu fizeste tem e.xplicatj'äo e qualquer outro o faria... Mas um crime —se crime se lhe pode chamar— näo sc redime com outro crime... Eu perdoo-te por ele, pelo que fizeste e por aquilo que pensaste fazer.» »0 homem estremeceu. «Como e que sabe o que eu tencionava fazer?» »Sem mentir, respondi-lhe: «Porque oueo os teus pensamentos... Porque entrc mim e ti hä uma ligaeäo que ninguem pode quebrar. Se o destino mc fez vir ao teu encontro por alguma coisa foi...» E de uma maneira peremptoria, que näo admitia replica, conclui: «Fico com esta faca. Sem ela, acabou-se o teu fadärio. 0 feitico estä quebrado.» «Como quiser...» »Senti que o tinha dominado inteiramente e que na ver-dade lhe quebrara o feitico. «Doravante», afirmei com inteira conviccäo, «vais dormir todas as noites e ele nunca mais te apaiccerä.» «Jura?» «Juro. E ja amanhä vais procurar trabalho. Islo näo pas-sou de um sonho mau. Ondc e a tua casa?» «A duzentos metros ä esquerda, numa pcquena rua, c a quinta casa...» «Eu acompanho-te.» 32 33 O DUSTlriO Ľ J AVEJOVRA <