1 Era uma vez um conde e ia atravessar uma ponte... Queres que te conte?... — Nao ha ninguem igual. Cada um tern os scus olhos e qaando sc ve uma coisa cada qual a ve conforme o tamanho e a cor dos seus olhos... Tu sabes la!... Nem eu... E a vida tambem nunca e igual, porque as horas vem umas arras das omtras. E a terra da uma volta completa todos os dias. — Pois da... — Desculpa... J a estava a desviar-mc. Nao era isto que eu queria dizer-te. Queria so contar-te um conto... .. (iLive: Um dia saiu duma aldeia da Beira Alta um rapaz com tanta certeza no future que se meteu num paque-ii- i- lui para a Africa. A Africa e uma terra desconhecida, nun llciieslas sem fim, cheias de leocs, tigres, elefantes e niilliors e milhoes de outros animais mais pequenos: macacos, de cores encarnadas e amarelas; e tudo por baixo P«i ^ iiaa das arvores das florestas, como se fosse maravi-1'ioso. Debaixo da terra ha minas de oiro, de diamantes, de '■iiiii-ialtlas... A Africa, por dentro, e feita de pedras precious Uu.mdo se faz um buraco, a certa hora e com certa 'iii'liiiacJAO, ve-se que por baixo e branca e cintilante e por t.iuiti ok nomens sao pretos. Ora esse rapaz, que partiu com "iiiui tt'iteza e tanta forca e que se chamava Rodrigo, sabia 405 Caminhos MagneLicos F iudo por uma carta que lhe tinha deixado um tio padre que t'ora expulso da Igreja, porque acreditava na pedra filosofal e na igualdade de podereš de Deus e do Diabo. Esse velho vivia sempre fechado num quarto, cm trabalhos misteři osos, e tinha muitos livros, alguns dos quais eram tao grandes e táo velhos que, quando ele os abria, saíam de dentro deles cobras e pássaros a voar, muito bonitos, vermelhos, azuis e amarelos... Aquele velho já recebera uma carta quando era peque-nino. Dcpois disso passara toda a vida a estudar e agoi.i escrevera ele uma, quase definitiva. Tinha 100 anos, era magro, alto, de olhos brancos, e barbas como Deus nas pin-turas. Costumava passear de noite pclos montes, e sentava--se em cima das pedras, a pcnsar. Era considerado um sank) e um louco. Toda a gente tinha medo dele c certeza nas suas palavras, porque. nunca tinha dito nada que náo viesse a ser verdade. Um dia, chamou o sobrinho c disse-lhe: — Meu filho. Nunca te dei conselhos nem nunca te dis-se: segue este caminho ou segue aquele. Porque é melhor que os conhegas todos, e escolhas. Como num dicionário tens todas as palavras, aqui tens todas as forcas.— E moslrava um rolo de manuscritos amarelecidos que estava no íundo duma caixa de ferro.—Abre e escolhc. E tens as explica-: goes. Nada pode falhar; tens a vida que quiseres; tens aqui tudo. E fechou a caixa com a chave, que pós na máo do mi-brinho. Rodrigo tinha pelo tio uma espécie de terror e > verdadeira e quebrável, etc.» E comcgou a ler. Ainda teve uma hesitacáo. Mas <'»>iin nuou. Sentia uma angústia serena. -i :| i i -i ,1 \ 4 4- No siléncio da noite só se ouviam os ratos a roer as areas, a roer, a rcbolarem as batatas pelo sótáo da casa... De vez era quando pesava um grande siléncio e entáo parecia que aquele casebre rangia. Depois os ratos comecavam outra vez a roer, a roer, e as batatas rebolavam pelo sótáo, rebolavam... Ate que, de repente, Rodrigo levantou-se, e ficou imóvel diante da mesa, com os olhos ainda presos as últimas palavras da carta. Depois olhou a janela: Tinha amanhecido! Em volta dos vidros havia uma leve camada de gelo c sobre o pcitoril estava uma pequena ave morta. Rodrigo foi abrir a vidraca e pegou no pássaro, que parecia de pedra. Saiu do quarto com elc na palma da máo; c as penas, derretendo-se, queimavam-no. Foi ao quintal, abriu uma cova na terra e enterrou-o ali. Voltou para casa, dirigindo-se ao quarto do tio. Abriu a porta e viu-o sentado na cadcira, com a cabega deitada sobre a mesa, entre os liwos. Aproximou-se, com um passo seguro, e tocou-lhe no ombro: ,:—Já amanheceu. Mas o tio náo acordou. Entáo abanou-o com mais forga e sentiu-lhe o corpo rígido. Estava morto. Arcelo, arcelo deita o íeu cabelo cá abaixo de repente quero subir imediatamente Rodrigo voltou para o quarto e tornou a ler a carta. 1 iiesse dia uáo comeu nem bebeu, nem falou com ninguém, -nem ouvia, quando lhe falavam. Ao pôr-do-sol saiu o funeral. Como muita gente devia ^layores ao sobrinho, levou um grande acompanhamento. Rotu igo voltou ä pressa para casa, meteu a roupa toda na mala, Oi'iloursc sobre a cama, cerrou os olhos para rever os so-nlios e no dia seguinte, logo de manhä, partiu a caminho da BRANQUINHO DA FONSECA 406 407 Caminhos Magnéticos estac,áo. Atrás ia a criada velha com a mala á cabeca e .1 enxugar as lágrimas. Rodrigo comprou um bilhete para Li>-boa e disse: — Senhora Marta: todos os bens que meu tio me dei-xou, deixo-lhos eu agora a si. Aqui, neste papel, está a minba declaragáo, para náo ficar com dúvidas. Cháme seus filhos 1 eles que leiam. Eu vou por esse mundo correr a fortuna. Mandě todos os domingos pór ílores brancas na campa de meu tio. E a única coisa que exijo. Veja bem! Flores bífanca--. Qitcrem dizer: Nada. Todos os domingos. E os scus filhos i-os seus netos ficam com a mesma obrigagáo. Se náo o fizi -rem, acontece-lhes uma desgraca e eu, se o souber, tiro-lhes as casas e as terras. A velha ficou pasmada, sem compreender, com a folha de papel na máo, a olhar para Rodrigo, com uma expressed assustada e estúpida. Neste momcnto chegou o comboin. Rodrigo ia para a Africa ajuntar uma grande fortuna, por-que tinha sido sempře cssa a sua ambicáo, e agora sabia corn o podia fazé-io e sabia tudo o mais. Naquela carta, que levava no fundo da mala, ensinava-se toda a Yerdade do Mundo l da Vida, com mapas, números, pinturas e demonstrates verdadeiras. Ora com toda a Verdade na máo e com toda j ciéncia de a adaptar á Vida, cada um a aproveita coino só sua — e de mais ninguém... Rodrigo foi para a Africa, fez um buraco no cháo e lirou de lá o que quis. Depois comprou um navio e um palá-cio em cada cidade do mundo. Mas como a ida a Africa tinha sido só para disfarcar, porque a carta ensinava a trunku em qualqucr sítio, Rodrigo abandonou o tal buraco da AI í i ca e comecou a viajar como um Imperador, sem ningui admirar: porque ele era o homem mais rico do mundo, o que tinha ido a Africa e encontrara uma mina de ouro di.i-mantes, esmcraldas, safiras. Uma mina sem fim!... iPoii-m quando um dia souberam que tinha abandonado :> mimi, foram muitas pessoas procurá-la; e quando a en