tes e á noite vínhamos os trés para o meu quarto em Pass v. Até que os dois compatriotas comecaram também a f.ilar durante as refeicoes na pensao. Eles próprios nao se esquc-ciam na conversa de que eram antigos ministros e acuiais lentes da Universidade. Em poucos dias eu estava reduzido aos olhos de todos os comensais á expressáo deplorável dc nao saber nada de politico nem ter sequer frequentado čomo aluno a Universidade, quanto mais ser lente como eles! Depois do aimoco saímos a pé e eu aproveitei a ocasiao para lhes dizer umas coisas. Foram as seguintes: — Voces sáo meus compatriotas, sao mais velhos do que eu, sao antigos ministros do meu pais, sáo actuais lentes da Universidade de Lisboa; alem disso tem: um, um;i carta de crédito de oitenta mil francos, outro, outra carta de crédito ilimitada, e eu tenho apenas trés mil francos e depois de os gastar hei-de eu ganhar os que vierem depois. Mas náo é isto o que eu propriamente lhes queria dizer. O que eu queria que voces soubessem depois destes quinze dias em que estamos em Paris é que eu cheguei a esta cida-de pela primeira vez na minha vida, sob a minha palavra de honra, no mesmo dia, á mesma hora, no mesmo instante do calendário que voces os dois!... E agora se voces quiserem pensar alguma coisa acerca do que lhes acabo de dizer, pensem, porque eu também já pensei. Paris, 13 de Fev. 1919 O PIERROT QUE NUNC A N I N G U E M SOUBE QUE HOUVE H I S T Ó R IA ľ R Á G T C A I LUSTRADA C O M SOL E P A L M EIR A S 122 j FIC^ÓES ESCOLHIDAS Era uma vez um jardim com palmeiras. Entre as pal-meíras no meio do jardim havia uma casa branca. n y 'r' ' ■ s' \___..... " - . . £*i' 7-"-,-:; Houve um Pierrot que viu a casa branca no meio do jardim das palmeiras e escondeu-se por detrás de uma pal-ineira para ver mais ä sua vontade a casa branca no meio do jiu-dim. Mas a casa branca ainda era mais bonita do que Pierrot tinha imaginado — havia uma menina loira ďolhos verdes que vinha de vez em quando ä janela para ver as palmeiras. Quantas mais vezeš a menina loira dos olhos verdes viesse ä janela para ver as palmeiras, mais Pierrot prometia a si-pró-prio sair um dia de trás da palmeira e dizer tudo claramente ä menina loira dos olhos verdes. Ora aconteceu que a menina loira dos olhos verdes que nunca tinha visto ninguém no seu jardim, teve uma noite um sonho extraordinário. Sonhou que estando ä janela a ver as palmeiras, de repente, sem ninguém esperar, saiu de trás de uma palmeira um rapaz destemido que lhe disse, logo ä primeira, tudo claramente, e era que estava ali para casar-se com ela sem demora. Efectivamente, na mesma tarde desse O PIERROT QUE NUNCA NINGUÉM SOUBE QUE HOUVE | 125 ] dia casaram-se os dois e foram muito felizes durante muitos anos ate acabar o sonho que teve a menina loira dos olhos verdes. 4 - Desde que teve este sonho tao extraordinario, a menina loira vinha mais vezes a. janela, razao por que ja conliecia todas as palmeiras do seu jardira. A toda a hora e a todo o instante ela esperou que saisse de tras da palmeira o rapaz destemido e nada! Mai sonhava ela, apesar de tanto o esperar, que por detras das palmeiras do seu jardim andava escondido um -■ Pierrot verdadeiro e nada destemido, que esperava o mo-mento oportuno de vir a proposito e dizer tudo claramente a menina loira dos olhos verdes. Ora aconteceu que num dia em que o Sol parecia denials, saiu efectivamente de tras de uma palmeira um rapaz destemido que lhe disse tudo claramente. Vendo a menina loira dos olhos verdes que desta ma-neira se cumpria fielmente o seu sonho tao extraordinario, nao hesitou mesmo nada e casaram-se os dois nessa mesma tarde. E desta vez nao foi um sonho! 1 1 O PIERROT QUE NUNCA NINGUEM SOUBE QUE HOUVE | 127 O que ninguem pode supor foi que, apesar do sonho se ter realizado, houvesse ainda um Pierrot escondido por | detras das palmeiras, a espreitar a casinha branca da menina loir a dos olhos verdes! Coitado do Pierrot! Ainda estava a espera que lhe vies-j se a coragem para ser um rapaz destemido e ir um dia a proposito dizer tudo claramente a. menina loira dos olhos verdes! Enquanto Pierrot esteve a. espera de que lhe viesse a coragem para ser um rapaz destemido, veio um verdadeiro rapaz destemido, destes que nao necessitam de estar a espera da coragem, e, a proposito, disse tudo claramente a. menina loira dos olhos verdes. Este rapaz tao desembaracado chamava-se Arlequim. Entao, Pierrot, vendo que ja tinha perdido a linica vez de que tinha estado a. espera, saiu definitivamente do jardim . i das palmeiras. Foi andando, andando, ao calhar. Quando ja tinha an-dado imenso, voltou-se para tras pela primeira vez. A casinha branca ja mal se via no meio das palmeiras. IP"'"''-IIP--1'1'1' O PIERROT QUE NUNCA NINGUEM SOUBE QUE HOUVE | i 2 Muito cansado, encostou-se a uma árvore — era um J palmeira! Pela noitinha, no jardim das palmeiras, lá muito ao longe, havia um par a passear. Entáo, Pierrot lembrou-se para que servem as espadas. Fui buscar uma e enfiou-a no coracáo de uma vez só e de -; lado a lado, para sempře. E assim se acabou no fim de um dia e ao pé de uma , palmeira, a trágica história do Pierrot que nunca ninguém soube que houve! 1 Lis 1921 almada O PIERROT QUE NUNCA NINGUÉM SOUBE QUE HOUVE | i 3 i NOTA do AUTOR ■i* t Esta história do Pierrot que nunca ninguém soube que í houve deixa de ser trágica quando se souber que o Pierrot e J o Arlequim sáo uma única e a mesma pessoa. ■in T I Arlequim antes de ter coragem chama-se Pierrot, f Pierrot depois de já ter coragem chama-se Arlequim. í i Todo o Arlequim que náo foi Pierrot, náo presta; mas, 1 ai do Pierrot que náo chegar a Arlequim! i J Almada Of. Tareca Lx MAR 22 O PIERROT QUE NUNCA NINGUÉM SOUBE QUE HOUVE | 13 3 20