CONTOS 1.A menina que queria ser ma^ä ]osé Eduardo Agualusa - Angola Quando perguntaram a Joaninha o que é que ela queria ser quando fosse grande (há sempře um dia em que um adulto nos faz essa pergunta), ela näo hesitou: — Quando for grande quero ser maca! Disse aquilo com tanta conviccäo que a mae se assustou: — Maca? A maior parte das criancas quer ser: a) astronauta; b) médica/o; c) cor-redor de automóveis; d) futebolista; e) cantor/a; f) presidente. Há algumas respostas mais originais: "Quero ser solteiro", confessou o filho de uma amiga minha. Conheco uma menininha que foi ainda mais ambiciosa: — Quando for grande quero ser feliz. Mas maca? Joaninha, meu amor, maca porqué? A pequena encolheu os ombros: "säo täo lindas". Passaram-se os anos e a mäe pensou que ela se tinha esquecido daquilo. Mas näo. No dia em que entrou para a escola a professora fez a todos os meninos a mesma pergunta: — Ora entäo vamos lá saber o que é que voces querem ser quando forem grandes... Astronauta. Piloto de Formula i. Cantora. Futebolista. Barbie (há muitas meninas que querem ser a Barbie). Médica. Modelo. Actriz. E tu, Joaninha? — Eu quero ser maca! Risos. Os outros meninos comecaram a fazer troca dela: — Maca raineta! Macaraineta!... — Se a Joaninha pode ser uma maca, senhora professora, eu quero ser um aviäo... Ela nem fazia caso. Quando crescesse havia de ser uma maca, sim, uma maca verde, luminosa, täo perfumada como uma manhä de Primavera. Poucas vezeš, porém, conseguimos cumprir os nossos sonhos. Joaninha transformou-senumamulherbonita, estudou, efez-seprofessora. Era uma boa professora. Só quem conseguisse olhar para dentro dela poderia saber que, bem lá no fundo do seu coracäo, Joaninha sentia ainda aquela grande CONTOS EM PORTUCUES — LER PARA APRENDER EM PLE vontade de se tornar maca. O tempo passou - o tempo, alias, esta sempre a passar, nos e que nem sempre damos pela sua passagem. O tempo passou, portanto, e Joaninha envelheceu. Nao casara, nao tinhafilhos, envelheceu sozinha. Foi numa tarde de Outono. As arvores tinham perdido as folhas. 0 sol, cansado, com aquela cor macia que tern o mel, desaparecia no ho-rizonte. Joaninha estava a dormir, sentada numa cadeira de baloico, na varanda da sua casa, quando apareceu um anjo e a levou. Ela nao perce-beu logo onde estava. Foi preciso que Deus lhe tocasse nos ombros com a ponta dos dedos: — Acorda minha filha - disse-lhe Deus - , ja chegaste. Joaninha abriu os olhos e viu o que ja antes via com os olhos fechados: os anjos passeando num grande jardim, os peixes flutuando no ar, juntamente com os passaros, e aquele velho de barbas brancas, ao seu lado, sorrindo como so Deus sabes sorrir. — Meu Deus - perguntou-lhe - porque nao me deixaste ser maca? — Ser maca e dificil, Joaninha - disse-lhe Deus. - E preciso crescer muito para se ser uma boa maca. Tu cresceste. Agora, sim, seras maca. Alguns anos depois um menino descobriu no pomar da casa dos seus avos uma maca de um brilho intense Cheirou-a: cheirava a manhas lava-das, cheirava a Primavera, era um cheiro que se colava aos dedos. O menino comeu a maca e sentiu-se feliz. Naquela tarde disse a avo: — Sabes, acho que quando for grande quero ser maca! In Estranhöes & Bizarrocos, Lisboa, D. Quixote, 2000. CONTOS 2. O prazer da espera Germano Almeida - Cabo Verde Se alguém dissesse que se pode viver todas as semanas da uma vida ape-nas na expectativa de numa qualquer manhä receber uma carta, muitos pensaräo ser essa uma rematada tontice. E no entanto estou em condicöes de afirmar que, com o tempo, esta passa a ser uma doce e suave maneira de passar os dias, sobretudo se, no intervalo dessa paciente espera, se se aproveitar para fazer outras coisas igualmente agradáveis. Antigamente essa carta só poderia chegar ou numa segunda-feira ou entäo numa quinta. Melhor: em rigor chegaria ou na tarde de domingo ou entäo na madrugada de quarta. Porém, só na manhä seguinte me se-ria entregue, infelizmente ainda hoje näo temos distribuicäo nocturna de correspondéncia. Assim, todas as segundas e quintas-feiras levantava-me bastante mais cedo que o normal, e fazia toda a minha higiene a tempo de estar pronto rigorosamente äs oito horas. É que podia acontecer a carta chegar em correio expresso ou entäo nessa outra modernice a que chamam de "correio acelerado", e os estafetas virem fazer a entrega e eu näo estar disponivel. Ora quando é assim, muitos deles tém o péssimo hábito de meter as cartas por baixo da porta, e basta estar o chäo molhado ou vir um pé-de-vento para suceder uma desgraca. Esses säo alguns dos inconvenientes de se morar sozinho. Houve, por exemplo, uma segunda-feira cuja noite tinha passado a sonhar com as sá-bias licöes da carta que vivo esperando, razäo que me fez acordar um pouco mais tarde. E como um azar nunca vem só, igualmente me atrasei na casa de banho, e eis que batem ä porta eram precisamente oito horas e cinco minutos. Nesse instante pacientemente aguardado durante anos e anos a fio, estava debaixo do chuveiro num inabitual quente banho porque amanhecera descoberto e quase resfriado, tudo provocado pelas insónias induzidas pela catequizacäo a que durante horas tinha sido sujeito através das eloquentes frases do meu amigo cuja carta passara a noite a ler com a uncäo de um discípulo zeloso. Porém, ouvindo assim retinir brutalmente a campanhia, larguei o sabonete no chäo da banheira, e sem tempo sequer de fechar a 1. A menina que queria ser maqa Jose Eduardo Agualusa Antes de ler 1. Quando era crianf a, o que dizia desejar ser, na idade adulta? 2. Qual a reac^ao da sua familia a essa vontade? 3. Os seus desejos concretizaram-se? Em que medida? Se nao foi esse o caso, o que mudou? it. Se pudesse ser um objecto o que gostaria de ser? Porque? 5- 5.1. Observe as tres imagens seguintes e fa^a as respectivas legendas. A B C A https://images.pexels.com/photos/442408/fruit-fruits-heart-blueberries-442408.jpeg?w=940&h=650&auto=-compress&cs=tinysrgb B https://images.pexels.com/photos/109274/pexels-photo-109274.jpeg?h=350&auto=compress&cs=tinysrgb Chttps://images.pexels.com/photos/39803/pexels-photo-39803.jpeg?h=350&auto=compress&cs=tinysrgb >n nrrcivucK CM KLt 5.2. Qual das frutas representadas prefere? Porqué? 53. Se uma crianca lhe disser "Quando for grande, quero ser maca", como reage/responde? Lendo 1. Leia, silenciosamente, o conto "A menina que queria ser maca" de José Eduardo Agualusa (pp.13-14) e procure no Glossário e/ou num Dicionário o significado das palavras que desconhece. 2. Indique se as afirmacôes a seguir transcritas e relacionadas com o texto lido säo Verdadeiras (V) ou Falsas (V): a. O sonho da Joaninha era ser actriz. b. A mäe compreendeu o sonho dela. c. A mäe pensou que a menina se esqueceria facilmente desse sonho. d. A Joana foi professora, casou e teve trés filhos. e. Ela faleceu num acidente de tränsito. f. Quando chegou junto de Deus, perguntou-lhe a razäo pela qual näo se tornara numa maca. g. Deus respondeu-lhe que ser maca era demasiadamente vulgar. h. A Joana realizou o seu sonho. i. Ela ajudou um menino a sentir-se feliz. j. O menino que comeu aquela maca especial quis ser astronauta. 3. Corrija as afirmacôes Falsas assinaladas no ponto anterior. 4- Explique as expressôes: 4.1. "Apequena encolheu os ombros" (linhas 12-13). 4.2. "No dia em que entrou para a escola" (linha 14). 43- "quando apareceu um anjo e a levou." (linha 38). 4*4>"cheirava a manhäs lavadas" (linhas 50-51). 5. A protagonista queria ser uma macá verde. Por que é que seria? Para fundamentar a sua resposta, procure o significado / simbolismo da macá e dacor verde. PROPOSTAS DE DIDACTIZA^AO DOS CONTOS 6. Comente a reaccao da mae e a dos colegas da escola, face ao desejo da Joaninha. 7. Releia a frase: "- Acorda minha filha - disse-lhe Deus -, ja chegaste." (linha 41). 7.1. Aonde e que Joaninha tinha chegado? 7.2. Faca a descricao desse local. 8. Por que tera Deus dito a Joaninha: "Ser maca e dificil, Joaninha". Discu-ta a sua opiniao com a sua/seu colega. 9. Caracterize a protagonista. Para isso, a) recolha no texto todas as informacoes dadas; b) alargue a caracterizacao aos dados sugeridos pelo que leu. 10. A Joaninha conseguiu concretizar o seu sonho em algum momento? Justifique, tendo em consideracao a parte final do conto. 11. Que "moral" ou mensagem essencial podemos extrair deste conto? Depois de ler 1. Gostou de ler este conto? Justifique a sua resposta. 2. O narrador do conto que acaba de ler refere: "Poucas vezeš, porém, con-seguimos cumprir os nossos sonhos". 2.1. Concorda com esta afirmacäo? Dé exemplos que sustentem a sua opiniäo. 2.2. Recorde alguns sonhos que conseguiu concretizar. 3. O poeta portugués Antonio Gedeäo escreveu um poema intitulado "Pedra Filosofa!" que acaba assim: Eles näo sáhem, nem sonham, que o sonho comanda a vida, que sempře que um homem sonha 112 CONTOS EM PORTUGUĚS — LER PARA APRENDER EM PLE o mundo pula e avanga como bola colorida entre as maos de uma crianga. Escreva um texto destinado a um/a amigo/a seu/sua, em que diga se concorda ou náo com a mensagem destes versos. 4. As criancas do seu pais também tém sonhos e fazem pianos para o future. Quais sáo os mais frequentes? E os mais originais? Dialogue com o seu (a sua) colega do lado sobre este assunto e deem exemplos de ambos os casos que conhecam. 5. Imagine que é uma macá. Conte o seu dia-a-dia: o que vé, o que ouve, o que faz, o que sente, os seus sonhos... PROPOSTAS DE DIDACTIZAQÁO DOS 2. O prazer da espera Germano Almeida Antes de ler 1. Ainda escreve ou recebe cartas? a) Se sim, de que tipo? b) Se nao, refira os meios que utiliza para comunicar a distanc outras pessoas. 2. A partir do titulo do conto "O prazer da espera", imagine: a) A que tipo de espera se refere o texto? b) Por que e que a espera pode trazer prazer? Lendo Após a leitura do conto de Germano Almeida (pp. 15-23), respc questoes seguintes: 1. Quais sáo as personagens que intervém na estória? 2. O que é que espera o narrador? 3. Há quanto tempo espera o narrador? Retire do texto a frase que j a sua resposta. 4. Em que dias e horas é que o correio costumava chegar antigamei 5. Com quem vive o narrador? 6. Quais sáo os locais de que se fala no conto? 7. O narrador evoca acontecimentos do passado através de an; Onde é que ele se encontra quando evoca esses episódios do pas; 8. Onde é que o narrador conheceu Clara? 9. Quantos dias passou o narrador em Lisboa á espera de Clara? 10. Como é que se sentiu o narrador, enquanto esperava por Justifique a sua resposta. 11. Caracterize Clara, a partir da descricáo feita pelo narrador.