Modo e modalidade A.C.M. Lopes, Semântica, 2007 Modalidade versus Modo • consideramos ser conveniente ver a modalidade e o modo como dois conceitos diferentes: enquanto a modalidade corresponde a numerosas atitudes ou visões do falante perante o conteúdo do enunciado, o modo representa a forma morfológica concreta do verbo. Esta vê-se influenciada, ao mesmo tempo, pelo já várias vezes aludido valor modal do antecedente da frase subordinante, cuja tipologia se prende com os princípios e diferentes classificações da modalidade, como se poderá observar de seguida. • Modalidade • o conceito de modalidade abrange uma série de valores modais baseados na consideração das seguintes categorias: • modalidade como categoria gramatical que exprime a atitude do falante relativamente ao conteúdo proposicional do seu enunciado. Esta é a visão essencialmente herdada da tradição greco-latina e pode ser encontrada, por exemplo, refletida nas ideias de Joan Bybee e do próprio Charles Bally; • modalidade enquanto categoria que qualifica a factualidade de um enunciado. Esta é a perceção de, por exemplo, Frank Palmer; • modalidade enquanto categoria que se estabelece sobre a oposição semântica entre possibilidade e necessidade, segundo a conceção herdada da lógica modal. Esta ideia foi adotada por Oliveira; • modalidade enquanto expressão da subjetividade do falante, conceito identificado nos trabalhos de, por exemplo, Lyons ou Palmer. • BALLY, Charles (1965) • A definição dos valores modais existentes, no entanto, foi-se desenvolvendo ao longo da história de linguística, a partir da segunda metade do século passado. Uma das teorias mais antigas, foi estabelecida por BALLY (1965), um dos mais importantes e citados autores associado a esta área. Na sua conceção, a categoria semântica de modalidade é percebida como um processo formado por um conjunto de elementos indiciadores que levam o locutor e o interlocutor do diálogo a interpretar o dicto como realizado ou não, desejado ou não, aceite com alegria ou desgosto. Segundo o autor, a modalidade está presente em todas as frases de uma forma implícita ou explícita, sempre veiculada pelo modus que modifica a atitude do falante perante o dicto. Esta é a linha condutora de toda a construção teórica relativa ao conceito de modalidade. • CULIOLI, Antoine (1968) • Na sequência das ideias de Bally, surge a Teoria das Operações Predicativas e Enunciativas de CULIOLI (1968, p.112), em que o autor defende a existência de um conteúdo modal em todas as formas de enunciação, baseando-se no princípio de avaliação, quando um falante considera haver, no enunciado, um traço bom ou mau, aceite com alegria ou com desgosto, desejado ou não, etc. Assim, de acordo com Culioli (1968), existem quatro valores modais: • valor modal de certeza, probabilidade, necessidade, etc.; • valor modal afirmativo ou negativo, etc.; • valor modal apreciativo (que pressupõe a atribuição de uma carga valorativa ao enunciado); • valor modal pragmático (alocutório, causativo, etc.) (que pressupõe uma relação gramatical entre sujeitos co-enunciadores e que compreende também os chamados atos diretivos). • FAIRCLOUGH, Norman (1994) • De acordo com outro autor, FAIRCLOUGH (1994), a modalidade está relacionada com a autoridade do falante ou do escritor e o seu compromisso com as categorias de verdade e necessidade por um lado e de avaliação, por outro lado (bom/mau, desejável/indesejável), levando em consideração a relação entre a estrutura de linguagem (especificidades discursivas e estilísticas) e os aspetos sociológicos comportamentais e emocionais. De acordo com estes critérios, Fairclough divide-os em dois tipos: • • modalidade relacional, presente sempre que a manifestação de autoridade acontece em relação a outros; aproxima-se muito do conceito lógico de modalidade deôntica; • modalidade expressiva, existente quando a autoridade é exercida em relação à expressão de uma realidade, podendo esta ser verdadeira ou provável. Identifica-se com a visão lógico-formal da modalidade epistémica. • PALMER, Frank Robert (1986), MODALIDADE PROPOSICIONAL • modalidade epistémica • modalidade especulativa • modalidade dedutiva • modalidade assuntiva MODALIDADE EVENTIVA • modalidade deôntica • permissiva • de obrigação • compromissiva • evidencialidade • evidencialidade reportada • evidencialidade sensorial • modalidade dinâmica • habilidade • volitiva • • SIMPSON, Paul (1993) • Uns anos mais tarde, SIMPSON (1993) desenvolve o modelo de modalidades com base em textos literários com personagens complexas, sendo a categoria semântica de modalidade interpretada como a atitude do falante em relação à veracidade de uma proposição, manifestando-se sob forma de um sistema binário. • O primeiro subgrupo aproxima “a narrativa do leitor, clarificando o estado anímico do narrador ou dos personagens através da expressão das suas obrigações, deveres ou desejos” e compreende, de acordo com as atitudes identificadas nas obras literárias, as realizações dominantes dos sistemas deôntico (que representa obrigação, permissão ou exigência e que se associa às expressões de ordenação, hierarquia, persuasão, educação ou dever imposto) e bulético (que sintetiza expressões de desejo). • O segundo grupo conduz o leitor a um estado de intangibilidade e “incerteza sobre a veracidade dos factos narrados e compreende as realizações dominantes das modalidades percecional (um subsistema do epistémico que consiste no conhecimento sensorial, isto é, através dos órgãos dos sentidos) e epistémica (que exprime os graus de confiança de um falante na veracidade de uma proposição). • FAIRCLOUGH, Norman (1994) modalidade relacional modalidade expressiva • presente sempre que a manifestação de autoridade acontece em relação a outros e que se aproxima do conceito lógico de modalidade deôntica; • • existente quando a autoridade é exercida em relação à expressão de uma realidade, podendo esta ser verdadeira ou provável. Identifica-se com a visão lógico-formal da modalidade epistémica CAMPOS, Dinael Corrêa (2004) Dez anos mais tarde surge a tipologia de modalidade estabelecida por CAMPOS (2004), que é de inspiração culioliana e abrange três tipos: a modalidade epistémica, deôntica e apreciativa, a serem definidas a seguir: • CAMPOS, Dinael Corrêa (2004) • a modalidade epistémica estabelece uma relação compromissiva entre o falante e a existência/inexistência ou veracidade/inveracidade do enunciado, conceitos que podem ser expressos numa uma escala de valores assertivos, i.e. desde a certeza até uma possibilidade, de acordo com o nível de conhecimento, de crença e de consequente grau de aceitação de um enunciado como verdadeiro. • a modalidade deôntica, que corresponde a uma vontade do falante em alterar o estado de coisas, conforme os valores da interdição, da permissão ou da obrigatoriedade através dos atos ilocutórios diretivos, diretos ou indiretos, segundo os vetores da interdição, da permissão ou da obrigatoriedade, com representação linguística. • • • a modalidade apreciativa verifica-se quando o falante realiza juízos de valor relativamente a uma determinada situação ou estado, • 4 valores nucleares (OLIVEIRA, 2003, p. 248) • a modalidade interna ao participante, que remete para a capacidade, necessidade e afins, associados diretamente a um argumento da oração (p.ex. «O Paulo já não pode passar sem exerício físico, o Paulo tem de fazer exercício físico para se sentir bem disposto.»); • • a modalidade externa aos participante implica os casos em que capacidade e necessidade se associam às circunstâncias externas (p.ex: «Tem de fazer mais calor para estas árvore frutificar»); • • • • a modalidade deôntica significa que o participante é obrigado a envolver-se na situação por causa das • • circunstâncias externas Para além da necessidade deôntica (obrigação e proibição), no entanto, existe também a possibilidade deôntica (o valor de permissão e de autorização); • a modalidade epistémica- está relacionada com o domínio de certeza e incerteza. • • exemplificação Valores epistémicos Valores epistémicos de probabilidade ou possibilidade O falante não dispõe de informação suficiente para expressar a certeza. • • O Rui deve estar doente. • A pasta pode estar na Faculdade. • Creio que a pasta está na Faculdade. • • Expressões como é provável, é possível ou futuro (no sentido modal) Ele estará neste momento a faze a oral. Vs. Ele está neste momento a fazer a oral. Comprometimento do falante relativamente à verdade do que diz. O falante apresenta a situação como um facto. • • O Rui entrou em Medicina. • O Rui não entrou em Medicina. • • É verdade que o Rui entrou/não entrou em Medicina. • Sei que o Rui entrou/não entrou em Medicina exemplificação Valores deônticos Valores apreciativos Traduzem obrigação e permissão. O Falante que anuncia o juízo dèôntico manifesta um estatuto de autoridade e controlo sobre o ser alvo. • • Come a sopa! obrigação • Não entres! • Deves estar mais atento! • O Luís tem de ser operado o mais rapidamente possível. • O Rui pode ter alta a qualquer momento (ambivalência: epistémico – é possível que ou deôntico é permitido que..) • Podes fumar na varanda. permissão O falante exprime a sua atitude de avaliação subjetiva relativamente à situação de que fala (desejável, não desejável, positiva ou negativa. • • • • • • Lamento que tenhas desperdiçado o teu tempo com bagatelas. Deploro a tua atitude arrogante. Acho mal não haver eleições antecipadas. È bom que te vás embora amanhã. Felizmente, chegámos à final.