Brno, Outono 2023 A parte “proibida” das línguas: calão, gírias, formas de escrita não normativas As palavras das emoções fortes Léxico, emoção e adequação normativa •as palavras carregadas de emoção partilham zonas cerebrais mais primitivas •a linguagem comum situa-se sobretudo no neocórtex, os palavrões “moram” em grande parte no sistema límbico (síndrome de Tourette) Palavrão, emoção e poesia... •se a poesia é emoção em palavras... os palavrões (palavras carregadas de emoção) são poesia no sentido mais profundo •… mas peço desculpa, vão aparecer “palavrões”… Nos últimos anos, mais aceitação nas ciências da linguagem What the F: What swearing reveals about our language, our brains, and ourselves. By BENJAMIN K. BERGEN. New York: Basic Books, 2016. Pp. 271. ISBN 9780465060917 What the F: What swearing reveals about our language, our brains, and ourselves. By BENJAMIN K. BERGEN. New York: Basic Books, 2016. Pp. 271. ISBN 9780465060917 Nos últimos anos, mais aceitação nas ciências da linguagem Holy Sh*T LIVRO A Brief History Of Swearing de Melissa Mohr idioma: Inglês edição: Oxford University Press, abril de 2016 ‧ isbn: 9780190491680 • Os palavrões implicam uma zona do cérebro mais antiga, o chamado cérebro reptiliano ligado às emoções primitivas e fortes Calão e indústria cinematográfica americana A escrita socialmente aceite “não pode” admitir o calão… Limiar da dor: quanta dor se aguenta palavrão, interdito social O calão, mais usado do que parece... O calão: amplitude e vaguidade do conceito palavras tabu (tabuísmo) calão vulgarismo gíria léxico “normal” muito quente quente queima algum calor normal Normal Pouco Forte Forte Muito Forte Palavrõe s Um dos mais fortes Não Conheço Sem Resposta B*0+C*1 +D*2+E* 3+F*4 B*0+C*2 +D*3+E* 4+F*6 Filho da Puta 12 35 207 147 390 30 8 2450 3619 Puta que te pariu 20 68 225 166 326 16 8 2320 3431 Puta 21 58 230 174 318 21 7 2312 3410 Caralho 34 118 285 170 194 14 14 1974 2935 Foda-se 42 147 279 173 163 12 13 1876 2801 Cona 64 143 279 164 152 16 11 1801 2691 Foda 51 171 292 150 141 12 12 1769 2664 Merda 140 347 221 80 35 0 6 1169 1887 Cagar 288 358 133 34 13 1 2 778 1329 Mijar 373 315 113 17 6 1 4 616 1073 Porra 431 287 74 30 6 0 1 549 952 Cu 471 266 61 22 5 2 2 474 833 Peido 492 235 74 16 8 2 2 463 804 Rais-te-parta 538 231 44 10 3 3 0 361 652 Mandar para o Maneta 477 137 29 15 5 169 2 260 451 Caraças 612 191 20 2 3 1 0 249 468 Gajo 651 141 25 5 5 1 1 226 407 Caramba 712 104 7 3 1 0 0 131 247 Pôr-se a monte 672 81 15 2 1 58 0 121 221 Fogo 737 76 9 1 3 3 0 109 201 Ir de Vela 744 51 8 1 3 2 1 82 148 Passar a perna 764 33 6 3 2 21 0 62 108 Ora Bolas 785 34 6 0 2 2 0 54 98 Ficar a ver navios 784 26 4 0 4 11 0 50 88 Trocar as voltas 781 15 5 1 1 26 0 32 55 Inquérito com Ângela Gomes Um “calómetro” usos do calão: alteração de hábitos? • Normalmente na oralidade e em contexto de forte emoção Na escrita, pode deixar-se adivinhar, mas evita-se a explicitude • Ele é um fdp, vai para a p---q---p, ... corretores ortográficos avisam do calão (de algum...) Em Portugal, as mesmas,exceto 8ª e 10ª (6ª tomar>apanhar) áreas para o calão variam social e historicamente •excrementos (merda, merdoso, cu, cagar, cagão, cagada, mijar, mijão, mijada, ...) •interditos de crenças: 1. religião (maldito, incréu, maldição, amaldiçoado, excomungado, desgraçado, ...) Adélia Prado, do poema “Códigos”: Filho da puta se falava na minha casa, desgraçado nunca, porque graça é de Deus. •2. doença – proibido nomear doenças em certas culturas •3. interditos sociais: atuais- raça, defeitos físicos, género, ... •sexualidade: os mais abundantes áreas para o calão variam social e historicamente •sexualidade, os mais abundantes: •órgão sexuais: juntam a sexualidade e os excrementos usos do calão: alteração de hábitos? A entrada fulgurante do cu na vida política portuguesa valoriza simultaneamente o cu e a vida política portuguesa. Francisco José Viegas, antigo secretário de Estado da Cultura, disse que, na eventualidade de ser abordado por um desses novos fiscais das facturas, lhe pediria "para ir tomar no cu". O cu entra na política por via da cultura, um canal de prestígio cujo acesso costuma estar barrado ao cu, e a política acolhe com agrado a sensualidade e a volúpia do cu, das quais está sempre muito necessitada. António Botto, outro escritor que produziu pensamento (e não só: também produziu acção, e muita) sobre o cu, escreveu um poema célebre que começa com o verso Nunca te foram ao cu. Porém, o que em Botto é lamento nostálgico, em Viegas é esperança e projecto de futuro. Ambos os poetas idealizam um cu, mas Botto lastima que o proprietário do cu que contempla nunca nele tenha tomado, ao passo que Viegas oferece ao titular do cu que imagina um incentivo a que lá tome. É curioso constatar que há mais poesia no cu de Viegas do que no cu de Botto. O cu em que Viegas manda tomar é um cu simbólico. Trata-se de um cu que é metonímia de outro cu. Viegas não ignora que, acima do cu do fiscal das facturas há outros cus, bastante mais poderosos - e, acima desses, outros cus ainda. Essa hierarquia de cus culmina num cu-mor, responsável último pela ideia da fiscalização de facturas. É esse o cu a que Viegas deseja aplicar a receita que prescreveu. O antigo secretário de Estado está, portanto, a mandar tomar no cu por interposto cu. É um cu labiríntico, aquele que nos é apresentado neste jogo de espelhos de cus. Os cus distinguem-se ainda quanto ao seu estatuto. O cu a que Viegas se refere é um cu público; Botto debruça-se sobre um cu privado. Enquanto Botto deseja subordinar o cu ao seu prazer pessoal, Viegas pretende colocar o cu do fiscal das facturas ao serviço da comunidade, estabelecendo-o como sede apropriada para um castigo aplicado por um país inteiro. Esta distinção é, juntamente com o que ficou dito atrás, essencial. No entanto, passou ao lado de todos os nossos analistas políticos, que têm sido desde sempre incapazes de levar a cabo uma competente hermenêutica do cu. Lamento dizê-lo, mas a generalidade das observações que li acerca deste assunto não valia um cu. usos do calão: alteração de hábitos? O uso mais generalizado e menos ofensivo a Norte do país Jornal “Público”, 18/2/2007 O uso mais generalizado e menos ofensivo a Norte do país Jornal “Público”, 18/2/2007 Braga (a região da Universidade do Minho) e os palavrões José Teixeira - PSFB, Univ. Minho • não consciência no uso=a naturalidade do uso do calão, mesmo perante situação semi-formal • ainda é calão, se for não-consciente? José Teixeira - PSFB, Univ. Minho O sucesso “académico” das letras/(músicas?) do género Quim Barreiros • Técnica: interpretação “inocente”, remetendo para linguagem brejeira/calão e repetição inúmeras vezes como refrão • por semelhança fónica • (Quero ir pa(ra) pároco dela = Quero ir papar o cu dela • Entra Agosto= entra a gosto • … • por metaforização • A garagem da vizinha, • Cheirar o Bacalhau, • O Sorveteiro (Chupa Teresa) • … Calão por Semelhança fónica O melhor dia pra casar Refrão Qual é o melhor dia pra casar Sem sofrer nenhum desgosto O 31 de Julho Porque depois entra Agosto (=Porque depois (alguma coisa que não se diz) entra (num sítio que não se diz) a gosto, com prazer) A Vida de Pároco […] Sou um pároco atento e feliz Mas acontece que na paróquia vizinha É o diabo andou a meter o nariz Senhor bispo eu sou um ser humano Estou confuso nunca vi mulher tão bela Peço perdão eu quero lhe pedir Para mudar para a paróquia dela Refrão Eu quero mudar de paróquia Já não sei viver sem ela Eu vou para pároco dela [pa’parucudela] Quero ir para pároco dela [pa’parucudela] A garagem da vizinha (calão por metáforas) Lá na rua onde eu moro, conheci uma vizinha Separada do marido está morando sozinha Além dela ser bonita é um poço de bondade Vendo meu carro na chuva ofereceu sua garagem Ela disse, ninguém usa desde que ele me deixou Dentro da minha garagem teias de aranha juntou Põe teu carro aqui dentro, se não vai enferrujar A garagem é usada mas teu carro vai gostar Refrão Ponho o carro, tiro o carro, à hora que eu quiser Que garagem apertadinha, que doçura de mulher Tiro cedo e ponho à noite, e às vezes à tardinha Estou até mudando o óleo na garagem da vizinha (repete refrão) Só que o meu possante carro, tem um bonito atrelado Que eu uso pra vender cocos e ganhar mais um trocado A garagem é pequena, o que é que eu faço agora? O meu carro fica dentro, os cocos ficam de fora A minha vizinha é boa, da garagem vou cuidar, Na porta mato cresceu, dei um jeito de cortar. A bondade da vizinha, é coisa de outro mundo, Quando não uso a da frente, uso a garagem do fundo (Refrão) (Refrão) (Refrão) (Refrão) (Refrão) (Refrão) (Refrão) Compositores: Edmar Geraldo Neves / Edmar Neves / Jairo Alves Dos Santos / Jairo Santos ´Calão e gírias: um contínuo que a escrita vai revelando •“pôr o preto no branco”=escrever= algo passa a definitivo •as novas tecnologias alteram o caráter “sagrado” da escrita •escrita oralizantes... A escrita já não é o que era escritas oralizadas: calão e gírias aspetos positivos podem conter calão reflete usos recentes mostra novidades e tendências faz a ponte entre o oral e o escrito mostra a língua viva aspetos negativos podem conter calão textos pouco coerentes modismos que rapidamente desaparecem pouca uniformização servem apenas para usos didáticos restritos Relativamente fáceis de encontrar em sms, escrita das redes sociais Nova História do capuchinho vermelho Por Pereira Paulo : http://gadjuh.wordpress.com/2008/05/12/historia-do-capuchinho-vermelho-depois-do-acordo-ortografico/ Tás a ver uma dama com um gorro vermelho? Yah, essa cena! A pita foi obrigada pela kota dela a ir à toca da velha levar umas cenas, pq a velha tava a bater mal, tázaver? E então disse-lhe: - Ouve, nem te passes! Népia dessa cena de ires pelo refundido das árvores, que salta-te um meco marado dos cornos para a frente e depois tenho a bófia à cola! Pá, a pita enfia a carapuça e vai na descontra pela estrada, mas a toca da velha era bué longe, e a pita cagou na cena da kota dela e enfiou-se pelo bosque. Népia de mitra, na boa e tal, curtindo o som do iPod… É então que, ouve lá, salta um baita dog marado, todo chinado e bué ugly mêmo, que vira-se pa ela e grita: - Yoo, tá td? Dd tc? - Tásse… do gueto ali! E tu… tásse? – Disse a pita - Yah! E atão, q se faz? - Seca, man! Vou levar o pacote à velha que mora ao fundo da track, que tá kuma moka do camano! escritas oralizadas: calão e gírias oralid; pronúnc. real coloq.; freqência de uso calão: diferenças de admissibil idade, contextos aceitáveis Gíria juvenil ortografia sms: usos diafásicos possíveis Algumas notas de síntese •O conceito de calão é gradativo, desde o interdito ao mais ou menos aceitável •Os temos calão podem variar conforme as vivências da época, mas há temáticas com mais apetência •Os termos do calão são inevitáveis nas línguas: têm funções específicas muito ligadas às emoções •Questão para (eterno) debate: pedagogicamente, no ensino de uma língua estrangeira, devem ignorar-se ou apresentar-se nos respetivos contextos?